Em minha recente visita ao Japão tive a oportunidade de encontrar-me com uma das principais figuras do momento no cenário arquitetônico japonês. Junya Ishigami recebeu-me em seu estúdio pra lá de experimental (além de muito internacional) em Tóquio, uma das experiências mais memoráveis pelas quais passei ao longo dos últimos anos. Seu entusiasmo incontido é arrebatador, principalmente quando ele fala à respeito de sua própria arquitetura ou aquilo que pensa em relação à nossa querida profissão. Junya acredita que a arquitetura contemporânea “ainda não é suficientemente livre”. E é exatamente aí que ele começa a se posicionar. Junya tem buscado libertá-la, desvencilhar-se desta inércia determinante que define e limita a arquitetura nos dias de hoje. Ele procura desenvolver uma arquitetura que seja leve e liberta, projetos inspirados em metáforas improváveis como as nuvens ou a tranqüilidade da superfície da água. “Precisamos introduzir mais diversidade na arquitetura contemporânea, é preciso dar novas respostas aos sonhos das pessoas ... Eu quero levar a arquitetura para o futuro, criar novas condições que nunca foram pensadas antes”, diz Ishigami. O arquiteto japonês inaugurou recentemente duas exposições em forma de manifesto na cidade de Paris, questionando a natureza e o propósito da arquitetura nos dias de hoje. Junya é um visionário que parece um pouco fora de moda naquela que talvez seja a mais incerta das profissões.
Nota do editor: Esta entrevista foi originalmente publicada em outubro de 2018, e foi republicada à luz do recente anúncio de que Ishigami será o arquiteto responsável pelo projeto do Serpentine Pavillion de 2019. Para mais notícias sobre o Serpentine Pavillion, clique aqui.
Vladimir Belogolovsky: Tive o prazer de ver de perto sua fantástica exposição no Centre Pompidou de Paris há alguns anos. Chamava-se “How Small? How Vast? How Architecture Growth”. Foi incrível.
Junya Ishigami: Obrigado. Neste momento estou montando outra exposição que será inaugurada em breve na Fundação Cartier em Paris. Esta exposição-manifesto será chamada de “Freeing Architecture”. Naquela primeira oportunidade, a intenção era apresentar a minha visão à respeito da arquitetura contemporânea. Haviam conceitos puros, completamente independentes, deslocados da realidade e de qualquer limitação. Por outro lado, esta nova exposição contará com cerca de vinte projetos reais - alguns até já foram construídos e outros que estão no caminho.
VB: Como a arquitetura poderia ser mais livre?
JI: Cada momento histórico é definido por um estilo próprio de arquitetura. Por exemplo, durante o modernismo, edifícios eram construídos aos montes segundo critérios bastante específicos para dar conta do déficit habitacional do pós guerra. Nos dias de hoje, não há a necessidade de seguirmos um modelo pré-definido de construção. Podemos inovar. Eu procuro desenvolver projetos diferentes todas as vezes que me sento à prancheta. A partir do meu ponto de vista, a arquitetura nos dias de hoje deve ser um terreno livre para a diversidade, abordagens específicas para cada caso e para cada pessoa. Além disso, eu não acredito acho que a arquitetura seja algo apenas voltado para as pessoas. Pode ser algo pensado para a natureza por exemplo, para o meio ambiente, para os animais, insetos e assim por diante. Para mim, dar liberdade a arquitetura significa não seguir dogmas ou estilos, mas ser específico e inventivo em todos os casos.
VB: Para você a arquitetura que vem sendo feita hoje não é livre?
JI: Não é suficientemente livre para mim. É preciso introduzir mais variedade para que possamos fazer as pessoas sonhar com um novo futuro. Eu quero que a minha arquitetura seja um indutor de novas possibilidades.
VB: Você começou a chamar a atenção do mundo da arquitetura quando publicou um projeto de uma mesa. Esta peça de mobiliário contava com quase dez metros de vão e foi feita com apenas uma folha de alumínio de 3mm de espessura, não sustentando apenas seu peso próprio, mas também outros setecentos quilos de plantas. De onde surgiu essa ideia?
JI: Tudo começou com um projeto de design de interiores para um pequeno restaurante, pelo qual me pediram para projetar mesas. A ideia do cliente era servir apenas a poucas pessoas, mas de uma maneira muito especial. Pensamos em criar espaços suficientemente grandes para acolher pequenos grupos de pessoas e que elas pudessem desfrutar de sua refeição em um ambiente privado e isolado. Entretanto, o espaço era muito reduzido para introduzir quaisquer divisões, então eu propus definir o espaço utilizando apenas mesas, superdimensionadas para aquele lugar. Cada mesa seria muito maior do que o necessário, então as áreas desocupadas estariam cheias de plantas para dar mais privacidade para seus ocupantes e para criar uma atmosfera específica dentro do restaurante. Este projeto então se desdobrou para transformar-se em um projeto de instalação, para o qual eu projetei a maior mesa possível com aquele tipo de estrutura. O espaço da galeria tinha uma entrada muito estreita, então precisamos enrolar o tampo da mesa para passar pela porta e então tivemos que monta-la la dentro. [Risos]
VB: Falando à respeito do projeto de mesa, você disse uma vez: “Eu queria expressar algo muito leve, quase como uma nuvem.” Você poderia falar mais sobre isso?
JI: A metáfora da nuvem é válida nesta caso, mas aquilo que eu realmente estava buscando estava na idea da superfície da água. Foi a minha principal inspiração. A instalação da mesa é monumental, mas se você tocá-la de leve com a mão verá como ela balança, como as coisas que se movem sobre a superfície de um lago. Originalmente, a ideia era construir esta mesa como se fosse um edifício dentro de um edifício. O que eu não queria, definitivamente, era apenas uma forma pura e uma superfície austera. Queria que fosse um objeto de arquitetura dentro da galeria. Então, pensamos em como distorcer a mesa e como trazê-la de volta ao equilíbrio utilizando o peso das plantas. As mesas originais, aquelas utilizadas no restaurante, eram extremamente resistentes, mas para esta instalação eu estava buscando exatamente o oposto - deixa-la tão fina e leve para parecer que estivesse flutuando. É disso que eu gosto, quando a arquitetura é delicada.
VB: Certa vez você afirmou: “Eu gostaria de criar uma arquitetura única, algo nunca feito antes. Eu quero levar a arquitetura além dos limites de como a conhecemos”. Como você definiria mais especificamente estas intenções em arquitetura?
JI: Mais uma vez, minha intenção é dar liberdade à arquitetura, inventar novas tipologias. Em geral, já há muitos tipos particulares de edifícios. Ao inventar novas tipologias e variedades, ofereceremos às pessoas mais opções para explorar outros estilos de vida. E como fazemos isso? É claro que depende muito das condições específicas de cada cliente ou terreno, do programa também. Mas até dois programas idênticos podem gerar dois resultados completamente diferentes. O importante para nós, arquitetos, é não ter medo de desafiar nosso próprio conhecimento. Por exemplo, o Ateliê do Instituto de Tecnologia de Kanagawa é uma proposta completamente nova. Normalmente, quando clientes e arquitetos começam a trabalhar em um projeto deste tipo, eles já tem uma imagem muito claro daquilo que desejam. Por outro lado eu procuro me posicionar da seguinte maneira - sim, sabemos o que é o programa, mas a solução deverá ser muito diferente de qualquer expectativa que possamos criar.
Mais um exemplo - neste momento estamos trabalhando em uma casa / restaurante para um chef. Seu pedido era criar um espaço que tivesse uma história, um passado, não parecesse novo. Normalmente, um edifício novo parece novo. Uma obra de arquitetura se parece, em maior ou menor grau, com outros trabalhos do arquiteto que a concebeu. Neste projeto, utilizamos a própria terra do terreno para construir a casa. Cavamos as paredes da casa no chão e deixamos volumes de terra que correspondiam com os espaços interiores que queríamos. Transformamos o solo em fôrma e então despejamos o concreto; depois de curada a estrutura da casa, removemos a terra para revelar os espaços. Como resultado disso criamos uma série de espaços cavernosos. A ideia para este projeto de restaurante francês era criar uma atmosfera de adega antiga. O que eu mais gosto neste projeto é a sua imprecisão, mas ainda assim, quando começamos a retirar a terra nos surpreendemos com a qualidade das superfícies de concreto. Além dessa estrutra escavada na terra, há uma flexibilidade incomum em como os seus espaços podem ser utilizados. Não criamos espaços precisamente determinados, eles podem variar de acordo com a necessidade do cliente. Então, cada um dos espaço que criamos parece ao mesmo tempo, único e exclusivo.
VB: Antes de abrir seu próprio escritório em 2004, você trabalhou no SANAA. Como era a atmosfera no escritório e que você aprendeu de mais importante com Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa?
JI: Eles não têm um estilo pré-definido de se fazer arquitetura. O que há de mais importante no trabalho deles é o modo de pensar e questionar a própria arquitetura. Essa foi a lição mais importante que aprendi.
VB: Quando você diz: “Geralmente a arquitetura se divide com paredes, eu quero outra coisa, quero criar um espaço que seja suave, ambíguo, flexível e inovador. Eu quero criar uma nova maneira de sentir a arquitetura. Um espaço novo, uma fusão entre espaço, atmosfera, estrutura e paisagem ”. Quais sãos as suas fontes de inspiração? De onde surgem estas ideias?
JI: A arquitetura não é um objeto engessado. Ela é afetada pelo ambiente, pelo tempo e pelas pessoas. Então, procuro criar novos tipos de flexibilidade de tal forma que minha arquitetura possa ser redefinida e apropriada de diferentes maneiras. Eu quero que ela seja leve e solta, e para isso há inúmeras fontes de inspiração e também, diferentes interpretações.
VB: Você considera a arquitetura como arte?
JI: A arquitetura é uma resposta ao que está ao nosso redor, a arte é algo que vem de dentro. Arte é uma forma de expressão, arquitetura é mais como uma solução.
VB: Mas você não diria que as suas soluções, ainda que influenciadas por condições externas, vêm de você, de dentro?
JI: Ainda assim, isso não faz de mim um artista. Se eu não tivesse um terreno e um cliente para quem trabalhar, não seria capaz de projetar um edifício. Um artista trabalha em sua obra de forma independente. Ele não precisa necessariamente de um cliente ou comissão. Para que a arquitetura aconteça, é preciso estar com um pé e meio na realidade. A realidade é fundamental. É preciso muito mais do que apenas imaginação para se fazer arquitetura.
VB: Como você imagina um projeto de casa para você mesmo?
JI: A única coisa que eu sei é que não seria um projeto onírico.
VB: Em suas palavras: "Se me for dada a chance de mudar o futuro, eu gostaria de tentar."
JI: É claro que eu quero, eu quero levar a arquitetura para o futuro, criar novas formas e condições de conforto.
VLADIMIR BELOGOLOVSKY é o fundador do SPEECH lecionando em universidades e museus de mais de vinte países diferentes.
A coluna de Belogolovsky, Sidney em junho de 2016. A exposição The City of ideas vai viajar ao redor do mundo apresentando as mais novas ideias em arquitetura e design.