Casa. Nosso abrigo. Nosso espaço privado. Em um mundo super urbanizado e com densas megalópoles como Tóquio, Xangai e São Paulo, as casas estão ficando cada vez menores e mais caras. Se você é claustrofóbico, Marie Kondo é sua melhor aliada na busca por ganhar algum espaço extra. E embora os quintais privados tenham se tornado um luxo para a maioria, nossos dados mostram que as casas unifamiliares ainda são a tipologia projetual mais popular no ArchDaily. O que isso significa? (Especialmente quando parece contraditório, dada a realidade da lotação das cidades hoje em dia). Por que algumas universidades ainda insistem em projetar casas como exercícios acadêmicos? Não seria mais criativo - e mais útil - desenvolver arquitetura em espaços de pequena escala? Haveria maior recompensa desenvolver soluções em escalas maiores?
Nesta edição de nosso Editor's talk, discutimos as negociações entre arquitetos e clientes, a liberdade no projeto de pequenas casas e o que as expectativas da Geração Z revelam sobre os espaços públicos.
Nicolas Valencia: De acordo com os nossos dados, as casas unifamiliares são a categoria mais popular no ArchDaily. Por que você acha que isso ainda tem acontecido?
José Tomás Franco: Eu acho que é um das poucas tipologias que realmente ecoa em todas as pessoas, em qualquer lugar do mundo. Simboliza muitas coisas: é o maior sonho do cidadão contemporâneo, é o nosso espaço privado por excelência e talvez o único espaço onde realmente somos quem somos.
Maria Erman: Eu acho que os projetos habitacionais são provavelmente os mais procurados entre os clientes, e arquitetos vêem o ArchDaily como o local de inspiração e, sobretudo, de soluções de projeto.
Fabián Dejtiar: Acredito que a casa é o investimento financeiro mais importante que as pessoas fazem em suas vidas, então é natural coletar exemplos para obter inspiração.
Matheus Pereira: Ao projetar residências, os arquitetos podem ter o maior controle projetual, tentando satisfazer todos os requisitos dos clientes. Além disso, projetar uma casa é construir uma pequena parte da cidade e isso implica pensar em como esta dialoga-se com o tecido urbano.
Nicolas Valencia: Parece que projetar uma casa implica menos regras, a negociação inclui menos pessoas e você pode projetar mais livremente. Será que isso é mais atraente para os arquitetos do que projetar apartamentos?
José Tomás Franco: Eu não tenho tanta certeza sobre isso. Acredito que os arquitetos não têm muita liberdade para escolher os projetos que querem trabalhar ou desenvolver. O que é mostrado em revistas ou na mídia digital é uma parte significativa do que está sendo construído, mas não é tudo. Nossa profissão é um pouco idealizada. Então, quando entramos na universidade, a "casa de pradaria", aquela casa sem outros prédios próximos, torna-se a maior conquista que almejamos.
No entanto, a habitação como categoria oferece um desafio único - nada menos do que projetar o espaço mais íntimo de uma pessoa ou família. É uma imensa responsabilidade.
Nicolas Valencia: Então, por que nos concentramos nas casas, quando podemos ter um maior impacto em uma escala maior?
Maria Erman: Talvez porque uma casa lhe dê liberdade em relação ao terreno. Quando você projeta edifícios residenciais, a escala é limitada por, digamos, quatro paredes, mas os projetos em escala maior são controlados por limitações mais rigorosas, regidas pelas autoridades locais. Ao projetar uma casa, um arquiteto provavelmente tem mais liberdade para moldá-la.
José Tomás Franco: Com relação ao que Maria disse, os edifícios residenciais oferecem desafios semelhantes quando se trata de design de interiores, mas também têm problemas muito específicos: a conexão com a cidade, a relação com as ruas, orientações e como ativar uma vida coletiva e fazê-la funcionar. Além disso, você está projetando sem um usuário conhecido, então os espaços se tornam "padrão" e adaptados para "todos". Isso pode ser perigoso.
Nicolas Valencia: Por que você acha que as faculdades ainda aplicam a casa unifamiliar como um exercício?
Maria Erman: Ao projetar uma casa, o arquiteto é responsável por entender a melhor maneira destas pessoas viverem e utilizarem o espaço, enquanto as próprios moradores podem, por vezes, não entender nada. Então, parece um bom exercício em contrapartida ao projeto de espaços públicos, onde há códigos de construção e que não podem variar muito.
Matheus Pereira: Penso que este exercício sintetiza uma série de itens enquanto processo. Primeiramente, nos ensina a entender para quem o espaço é destinado e a materializar nossas ideias. Posteriormente, ensina-nos como conceber a planta ideal, adoção de técnicas construtivas adequadas, determinar soluções térmicas e assim por diante.
Fabián Dejtiar: Projetar uma casa na faculdade é um exercício complexo para explorar novas formas de viver hoje em dia. Você sempre pode ir mais longe em sua resposta à um exercício, complicando-o, especialmente se considerar as tendências atuais, como micro casas e espaços compartilhados.
José Tomás Franco: Por um lado, acho que é o melhor exercício para começar a entender a arquitetura como uma disciplina, onde nossas habilidades estão a serviço das pessoas. Mas, por outro lado, você não tem um usuário real, então pode ser um exercício arriscado ao criar uma colagem com estilos arquitetônicos.
Nicolas Valencia: Maria Francisca Gonzalez publicou um artigo sobre casas com menos de 50m², tornando-se um dos artigos mais acessados do ano passado no ArchDaily. Por que estamos projetando pequenas casas? Pressão do mercado? Luxo? Densidade?
Matheus Pereira: Acho que as pessoas e os arquitetos começaram a entender que uma boa casa não significa ter grandes dimensões, mas isso acarretou alguns alarmantes. Por exemplo, em São Paulo, há dois anos, uma empresa imobiliária lançou um edifício com apartamentos de 10m² e com altos preços. A partir dessa perspectiva, incorporadores imobiliários aproveitaram essa situação para criarem propostas inviáveis e por vezes controversas.
Na mesma linha, alguns meses atrás eu publiquei um artigo explicando o que a tendência de micro-habitação revelou sobre o comportamento da Geração Z. Viver e trabalhar em pequenos espaços, obriga-noa a sair de casa e experimentar o espaço público.
José Tomás Franco: Micro casas têm sido um tópico recorrente nos últimos anos, mas, meio que parecem “pequenas residências bonitas onde eu nunca poderia viver”. Hoje em dia, os modos de vida das famílias estão mudando, e ter uma casa enorme nem sempre é justificável (ou econômica) se você tiver apenas um filho, por exemplo.
Pequenas casas ou pequenos apartamentos ainda dão a você a paz de ter sua casa e permitem que você evite um sistema interminável de aluguel ou hipoteca. Além disso, as novas gerações parecem valorizar o tempo gasto no espaço público, e este é um dos princípios das pequenas casas: o seu jardim é o parque do bairro.
Maria Erman: A pressão do mercado e a densidade certamente desempenham um papel importante, mas a “vida mínima” sempre foi um desafio muito popular entre os arquitetos. Talvez, por exemplo, como acontece com as células habitacionais e habitações de Le Corbusier, onde todo mundo quer ver se há mais maneiras de encaixar tudo o que você precisa em um espaço muito pequeno (devido a limitações financeiras, etc.). Geralmente, os arquitetos tendem a reduzir muitos aspectos de seus projetos. O espaço em si não é necessariamente uma exceção.
José Tomás Franco: Acho que a moradia continuará sendo o problema a ser resolvido pelos arquitetos, mas devemos ter cuidado ao avançar ou mesmo traçar uma linha sem fazer todas as perguntas necessárias que apoiarão um bom projeto arquitetônico.
Não crie apenas pensando em seu portfólio: aprenda a ouvir o usuário e observe seu comportamento para que nossas propostas possam moldar o espaço com o qual sempre sonharam.