Para chegar a um dos muitos pontos culturais de Medellín, segunda maior cidade colombiana, é preciso subir montanhas. É na zona periférica do município que estão equipamentos como a Biblioteca Espanha, um conjunto de prédios negros que podem ser vistos a quilômetros de distância, ou as UVAS (Unidades de Vida Articulada), tanques de água convertidos em centros de esporte e cultura.
Durante as décadas de 1980 e 1990, Medellín foi considerada a cidade mais violenta do mundo: eram 395 homicídios por 100 mil habitantes (em São Paulo são 9,5 por 100 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência 2018). As cifras assustadoras brotavam de uma disputa entre traficantes e Estado, sendo que este último combatia a violência com mais violência. Somavam-se ao quadro a corrupção, o desemprego e problemas ambientais.
Passados mais de 30 anos, Medellín hoje é considerada uma das cidades mais inovadoras do mundo, com uma taxa de homicídio de 20 para 100 mil habitantes. Como foi possível essa transformação?
Para Aníbal Gaviria, ex-prefeito da cidade que ministrou a palestra “Medellín e as inovações urbanas”, no Instituto Fernand Braudel (SP), na última quinta-feira (28), a resposta é cristalina: “As ferramentas chaves que utilizamos para atacar os problemas de Medellín foram uma educação, simples e eficiente, e o espaço público como chave para transformação.”
Durante a sequência de governos dos anos 2000 até agora, a gestão de Medellín investiu em políticas públicas educacionais e urbanas para combater a desigualdade, enxergando esta como o “caldo de cultivo de violência”, como complementou Aníbal.
Adotando o lema de “Cidades para vida: respeito pela vida e construção da cultura de equidade”, gestões como a de Aníbal olharam para construção de escolas de qualidade, ressignificação e abertura de espaços públicos em áreas periféricas, e para a mobilidade a fim de tornar a cidade educadora e, por consequência, menos violenta.
“Não se combate violência com mais violência”, sentenciou Aníbal. Durante uma hora de palestra, o ex-prefeito ofereceu algumas estratégias intersetoriais adotadas em Medellín que podem inspirar outros municípios.
Educação, o maior dos investimentos
“A educação é a grande ferramenta para romper a desigualdade de forma estrutural. Apesar disso ser muito falado, são poucos os governos que se comprometem”, relatou Aníbal. Nesta perspectiva, nos últimos vinte anos, o foco de Medellín foi contínuo e em todos as áreas de educação: aumentou-se o número de escolas, investiu-se em qualidade de ensino, infraestrutura e, mais importante, na atenção aos professores. “Eles são os motores desses processo e é impossível fazer esta melhora se eles não são qualificados ou são mal pagos”.
Exemplo deste investimento é o programa Bom Começo (Buen Comienzo), iniciativa intersetorial de atenção integral à primeira infância. Houve um aumento no número de jardins de infância – na gestão de Aníbal, que durou de 2012 a 2015, foram 18 novos equipamentos - tonando-os funcionais e esteticamente atrativos.
O Jardín Pajarito La Aurora, por exemplo, respeitou e usou a topografia da região para criar bolsões de atividades que vão desde lugares para brincadeiras até pequenas hortas.
Para os educadores, por sua vez, há as unidades do MOVA (Centro de Innovación del Maestro), espaços de formação continuada e gratuita que também funcionam como centros de apoio aos educadores e espaços onde podem, em rede, desenvolver metodologias para lidar com problemáticas de seus territórios.
Presença do Estado na periferia
“Criar espaços públicos onde nunca houve espaço público” foi uma das premissas que gerou a transformação territorial das zonas periféricas de Medellín, que devido ao urbanismo desenfreado se avolumaram nas encostas das montanhas.
“O que se passava nas periferias é que nunca havia chegado o Estado. E quando chegava era para castigar, perseguir, com muito poder regulatório, negativo e punitivo. O que Medellín faz agora é chegar com um poder mais amável, dizendo para essas pessoas que elas não excluídas, são parte de Medellín.”
Uma das facetas mais interessantes desse projeto foi o aumento de espaços intersetoriais dentro de bairros como Andalucía, antes muito perigoso. São os Parques Biblioteca: prédios esteticamente agradáveis que misturam a função de biblioteca e espaço público.
“São um conjunto de equipamentos integrais que convertem a periferia em centro”, conta o ex-prefeito. Eles provocam deslocamentos no movimento contrário: é o centro que se move para a periferia.
Mobilidade urbana para conectar a cidade
“A mobilidade é para nós o espaço público por excelência. Um espaço público que faz os espaços públicos conversarem. Não adianta construir uma universidade pública de qualidade se para chegar nela é uma odisseia”, arrematou Aníbal. Durante os últimos 20 anos de gestão, foram feitos investimentos maciços em ônibus, metrô, bicicletas e calçadas.
Cabem aqui dois exemplos pelos quais Medellín se tornou mundialmente reconhecida: o uso de teleféricos para conectar o centro da cidade às regiões montanhosas (são sete linhas que facilitam a viagem entre diferentes pontos da cidade) e as escadas rolantes elétricas, instaladas em áreas especialmente íngremes de Medellín e que diminuem o tempo de deslocamento da população.
Esses equipamentos não funcionam isoladamente. Há no entorno escolas, centros culturais, museus e parques.
Espaços públicos ressignificados
As inovações de Medellín não seriam possíveis sem um profundo respeito pelos saberes locais do território. A identidade da cidade colombiana foi fundamental para os projetos intersetoriais. “Tem de ser feito um esforço para entender as personalidades das cidades porque elas são coletivas, históricas e uma acumulação de gerações e suas interações com os territórios.”
Alia-se a isso um apreço pela estética: a noção de que a beleza do território é ferramenta contra a desigualdade. “Nossas ruas, universidades e escolas são bonitas. É a ética da estética. Fazemos concursos nacionais e internacionais convidando arquitetos para que essa ética na estética contribua para atacar a desigualdade. Por que se faz coisas bonitas para áreas mais ricas, que supostamente as podem pagar, e coisas feias para as áreas de periferia?”, questiona o ex-prefeito.
Essa costura entre inovação e respeito pela identidade deu origem a projetos de ressignificação de espaços públicos. Exemplos fortes são as UVAS, tanques de água que antes eram cercados e se converteram em centros culturais. Há também presídios ou propriedades de criminosos que se converteram em escolas.
Via Portal Aprendiz