Mais de 600 milhões de pessoas não têm acesso a água limpa para beber. Secas afetam mais de 35 milhões todos os anos. E até 2050 1,3 bilhão de pessoas viverão em áreas propensas a inundações. Muitos acreditam que construir barragens, estações de tratamento de água e outras infraestruturas são as únicas soluções para esses problemas – mas isso porque não foram considerados os muitos benefícios da infraestrutura natural (ou infraestrutura verde).
Infraestruturas naturais como florestas, áreas alagadas e recifes de coral podem melhorar o desempenho de infraestruturas construídas, também chamadas de “infraestrutura cinza”. Telhados verdes, por exemplo, podem reter água da chuva, reduzindo inundações e estresse nos sistemas de esgoto; e as florestas de mangue podem complementar quebra-mares reduzindo a oscilação das ondas. No entanto, projetos que unem esses dois tipos de infraestrutura permanecem relativamente nichados, principalmente devido aos mitos recorrentes sobre seus custos e viabilidade.
Um novo relatório do Banco Mundial e do WRI mostra como integrar infraestrutura natural nos processos de planejamento e investimentos pode ajudar a preencher a lacuna de infraestrutura hídrica que o mundo enfrenta hoje. Abaixo, explicamos cinco mitos normalmente associados à infraestrutura natural.
1° mito: infraestrutura é feita de concreto e aço
Sistemas naturais como florestas, planícies inundáveis, solos e áreas alagadas podem contribuir para um abastecimento de água limpa e confiável, proteger contra secas e inundações e aumentar a produtividade agrícola. Infraestruturas verdes e cinzas podem ser usadas em conjunto para melhorar o desempenho geral do sistema e a resiliência climática, muitas vezes a um custo menor.
Alguns governos já foram além de considerar infraestrutura apenas os projetos de construção. O Peru hoje tem uma lei exigindo que empresas fornecedoras de água destinem parte de suas receitas para reinvestimento em infraestrutura verde, como projetos de reflorestamento e agricultura sustentável, antes de investimentos em planos de tratamento de água. A Califórnia classifica as bacias como componentes de infraestrutura. O Programa Nacional da China de Cidades-Esponjavisa reduzir as inundações de águas pluviais e reutilizar a água da chuva cobrindo 80% das áreas urbanas com materiais capazes de reter água, como telhados verdes e pavimentos permeáveis.
2° mito: infraestrutura natural só traz benefícios para o meio ambiente
Embora os benefícios ambientais da infraestrutura verde não possam ser desconsiderados, às vezes negligenciamos os benefícios técnicos, sociais e econômicos que tornam esses projetos excepcionalmente vantajosos.
A infraestrutura natural pode ser equilibrada com a tradicional para fornecer serviços de baixo custo. A restauração de florestas degradadas, por exemplo, pode ter um custo mais baixo do que a atualização de uma estação de tratamento de água convencional e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade da água na mesma medida. A remoção dos sedimentos muitas vezes é a etapa mais cara de uma estação de tratamento, e as florestas realizam esse trabalho naturalmente.
A conservação da água através de infraestrutura verde mostra como as soluções naturais podem impulsionar as economias locais. O Projeto de Conservação da Água da China aumentou a renda dos agricultores em até 200% e elevou os níveis de água subterrânea nas planícies áridas do norte daquele país usando técnicas de agricultura sustentável como infraestrutura verde. O Banco Mundial calculou que a taxa de retorno econômico para essas medidas fica entre 19% e 24%.
3° mito: projetos de desenvolvimento de infraestrutura sempre são encarados com uma postura de “não no meu quintal”
Tanto projetos de infraestrutura cinza quanto projetos de infraestrutura verde podem exigir decisões difíceis das comunidades locais em termos de uso do solo, meios de subsistência e modo de vida. De qualquer forma, se bem planejados, projetos de infraestrutura natural podem trazer benefícios sociais, ajudando a evitar a postura de resistência comumente associada a novas construções.
Os projetos de infraestrutura verde são únicos, pois as comunidades costumam se apropriar deles, cuidando de sua operação e manutenção a longo prazo. A Watershed Organization Trust (WOTR), por exemplo, engajou comunidades em Maharashtra, na Índia, para trazer água de volta à bacia hidrográfica de Kumbharwadi. A organização ajudou a comunidade a implementar soluções como o reflorestamento de áreas degradadas e o terraceamento para desacelerar e armazenar o escoamento da água. O projeto ajudou a aumentar a renda agrícola líquida em 10 vezes, reabastecer as águas subterrâneas e aumentar o valor das fazendas. O sucesso do projeto pode ser atribuído à maneira como a tomada de decisão igualitária e o envolvimento da comunidade foram elementos centrais das iniciativas. Vinte anos depois, os projetos da WOTR em Maharashtra continuam firmes.
4. MITO: infraestruturas emitem muito carbono e são vulneráveis às mudanças climáticas
A indústria do cimento é responsável por aproximadamente 8% das emissões globais de carbono, o que faz da construção de infraestruturas tradicionais um processo altamente intensivo em carbono. A infraestrutura verde funciona de forma oposta. Em termos de remoção de dióxido de carbono da atmosfera, parar o desmatamento e restaurar florestas equivale a tirar 1,5 bilhão de carros das ruas. É um dos principais motivos pelo qual mais de 100 países se comprometeram a proteger ou restaurar ecossistemas como parte de seus planos climáticos nacionais.
A infraestrutura natural também pode aumentar a resiliência climática, já que é flexível, reversível e pode se adaptar a mudanças de maneiras que os sistemas construídos não podem. Por exemplo: um dique de controle de inundação pode quebrar quando as tempestades ficam muito fortes, já uma planície de inundação bem gerenciada geralmente não é afetada pelo clima extremo.
Por outro lado, a infraestrutura verde também é vulnerável às mudanças climáticas. Ameaças de mudanças entre as espécies, incêndios florestais e o aumento do nível do mar afetam o mundo natural. Proteger esses sistemas e combater as mudanças climáticas preservará os benefícios que eles podem proporcionar.
5° mito: a infraestrutura é cara e difícil de financiar
Daqui até 2030, o mundo precisará investir entre US$ 171 bilhões e US$ 229 bilhões por ano em abastecimento de água e saneamento; entre US$ 23 bilhões e US$ 335 bilhões em proteção contra inundações e entre US$ 43 bilhões e US$ 100 bilhões em sistemas de irrigação para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Utilizar apenas infraestrutura cinza levaria a um gasto ainda maior do que essas estimativas. Explorar soluções naturais pode reduzir os custos necessários para preencher a lacuna nesses serviços.
O financiamento de um projeto de infraestrutura com frequência é a etapa mais difícil para tirá-lo do papel, e projetos de infraestrutura natural podem trazer novas fontes de financiamento à mesa. Infraestruturas verdes podem ser planejadas visando gerar benefícios sociais e ambientais que fortaleçam sua viabilidade econômica e as tornem um investimento atrativo. No ano passado, por exemplo, o Forest Resilience Bond, na Califórnia, atraiu US$ 4,6 milhões em capital privado para um projeto de restauração florestal divulgando o potencial de redução de riscos de incêndios e os benefícios para o abastecimento de água que o projeto traria.
Infraestrutura natural é a infraestrutura da próxima geração
A próxima geração de infraestrutura deve estar sintonizada com a realidade do século XXI e fazer uso das melhores estratégias disponíveis. Por isso é fundamental que os tomadores de decisão considerem a importância dos sistemas naturais e, quando apropriado, integrem infraestrutura verde e cinza. O novo relatório traz orientações, abordagens e exemplos de como integrar a infraestrutura natural ao planejamento e aos investimentos, de maneira a atender às necessidades de infraestrutura, reduzir custos e beneficiar as comunidades locais. Embora a utilização de infraestrutura verde não faça sentido em todos os projetos, é importante se basear em fatos e não em suposições para tomar decisões.
Via WRI Brasil.