Este Artigo foi originalmente publicado pela Metropolis Magazine aqui.
Caminhar pelas ruas de uma cidade observando a sucessão de edifícios do tempo e no espaço, é uma verdadeira aula de história, uma viagem no tempo. A história da arquitetura pode ser contada através destes percursos à céu aberto. A cidade de Nova Iorque talvez, seja um dos melhores exemplos disso, um livro aberto da história da arquitetura, uma experiência que vai muito além de apenas algumas jóias da arquitetura moderna, como a Lever House ou o Sagram Building.
Oitenta e cinco anos depois, a casa branca implantada na East 48th Street, projetada por William Lescaze ainda impressiona. Suas Imaculadas paredes brancas e formas puras faz com que ela se destaque em um entorno especialmente marcado por edifícios soturnos, construídos em pedra e tijolo. Ela salta aos nossos olhos assim como se destaca do plano de fachada de seus edifícios vizinhos, avançando sobre a calçada, um objeto deslocado no tempo e no espaço, uma jóia encrustada entre um típico edifício residencial de meia altura e a universal arquitetura miesiana dos arranha-céus norte-americanos. A ruptura na pureza do volume branco, atravessada por dois consistentes e desajeitados panos de tijolos de vidro, é compensada pela plasticidade da marquise de concreto e de suas formas sinuosas dos seus pavimentos inferiores. Os cinco pontos da nova arquitetura definidos por Le Corbusier e publicados em 1926 são facilmente identificáveis neste projeto (menos a cobertura jardim). Construída em 1934 a partir do que sobrou de uma antiga casa da era da Guerra Civil americana, esta foi a primeira casa modernista edificada nas ruas da cidade de Nova Iorque.
É como se pudéssemos abrir uma janela e observar a Nova Iorque da década de 1930, ainda assim, este edifício é uma testemunha única, um objeto irredimível na historia da arquitetura americana. Ele representa o breve momento em que a arquitetura moderna do período entre guerras lutou bravamente para encontrar seu lugar no conservador cenário arquitetônico da cidade de Nova Iorque. Uma tentativa de fazer frente à opressora conjuntura das “Brown Decades”, termo cunhado por Mumford para definir a estética do pós primeira guerra, marcado pelo romanticismo dos tons terrosos do Woolworth Building e pelas fantasias concretas do Decô americano. Junto ao pé do Empire State Building, na 34th Street, uma obra pseudo-construtivista parece ainda mais deslocada. Mais além, na East 53rd Street, destacam-se as formas originais do Museu de Arte Moderna. E na Park Avenue e na 57th Street, o edifício da Universal Pictures de 1947 é outro exemplo que não encontra paralelismo na história da arquitetura moderna americana. Nova Iorque, ao contrário de tudo aquilo que podemos imaginar, vai muito além de Mies van der Rohe e Skidmore, Owings and Merrill.
Por falar no edifício da Universal Pictures, projetado pelo escritório Kahn & Jacobs, este foi um dos primeiros a fazer uso das novas tecnologias modernistas de construção, como a pré-fabricação, modulação e replicabilidade. Desconhecido e pouco valorizado, por tudo aquilo que representa para a história da arquitetura americana, o edifício da Universal encontrar-se ameaçado, e o que é ainda pior: ele ainda não foi tombado pelo patrimônio histórico da cidade de Nova Iorque. "O edifício da Universal Pictures ainda está entre nós, ainda mas não por muito tempo", diz Kyle Johnson, no capítulo da série Tri-State sobre a cidade de Nova Iorque, produzido pela Docomomo, a principal instituição voltada para a documentação e conservação do patrimônio da arquitetura moderna no mundo.
"Um dos aspectos particulares da Lei de Tombamento da cidade de Nova Iorque [criada em 1965], que é bastante incomum, é que os edifícios precisam ter apenas 30 anos para poder ser considerado "patrimônio" - quando o padrão nacional, e da maioria das outras cidades americanas, é de 50 anos", explica John Arbuckle, membro do conselho e chefe do conselho da Johnson. "Acontece que a maioria dos edifícios acabam sendo demolidos nessa lacuna de 20 anos"
Trocando em miúdos, a arquitetura moderna - que nunca foi amplamente aceita na cidade de Nova Iorque - não teve muito tempo para cair nas graças do público. Nestas circunstâncias, edifícios precisavam impressionar as pessoas e causar impacto imediato, caso contrário, seriam substituídos antes mesmo de sua primeira pintura desbotar. O edifício projetado por Lescaze, tombado em 1976, pode até ter lançado uma pequena onde de esperança para seus contemporâneos", mas para a maioria deles, o "dia D" nunca chegou as vias de fato.
Mas para os poucos consagrados monumentos modernistas novaiorquinos, o tombamento chegou antes mesmo de pudessem envelhecer de fato. A famosíssima Lever House, já mencionada anteriormente, e o edifício das Nações Unidas (Wallace Harrison e Oscar Niemeyer), representam um ótimo exemplo de tombamento extemporâneo na cidade de Nova Iorque. Isso porque, ao contrário do simbolismo modernista do estuque branco, que carregava consigo a conotação do socialismo tão combatido durante a guerra fria, as novas torres corporativas representavam a estabilidade do patriarcado americano. Praças públicas, como a que fica ao lado do Seagram Building de Mies (1958) - “talvez o arranha-céu mais meticulosamente detalhado já construído”- representam a arrogância condizente dos seus patrocinadores. Como no caso do fundador da Seagram, Samuel Bronfman.
Four Walking Tours of Modern Architecture, publicado pelo Museu de Arte Moderna e pela Sociedade Municipal de Arte de Nova Iorque em 1961, é um astuto e divertido guia de bolso da "grande maça", onde alguns destes fascinantes arranha-céus são brevemente apresentados para o deleite de moradores e visitantes da cidade, a representação máxima do "sonho americano". Ada Louise Huxtable, dividiu a cidade em quatro distritos, mas sem afastar-se nunca do centro da cidade. É verdade que pouca coisa estava acontecendo fora de Manhattan, ou no Brooklyn por exemplo, muito menos em Staten Island. O Queens, por sua vez, só começou a se desenvolver de fato, a partir dos anos 50 e 60. O mais oriental dos cinco distritos de Nova Iorque, presenciou um crescimento vertiginoso durante o pós-guerra, incomparável a qualquer outro bairro novaiorquino. Durante esta pujança arquitetônica, o “modernismo vernacular” foi adotado quase como uma linguagem oficial, diz Frampton Tolbert, fundador do Queens Modern, um banco de dados online com cerca de 400 edifícios catalogados. “Procurando desesperadamente por novas áreas onde construir, a cidade passou a atacar áreas subtilizadas, parques ou pistas de corridas e clubes de campo para abrir caminho para o desenvolvimento desenfreado da maior metropole dos Estados Unidos. Havia, naquela época, muito espaço para construir”, explica ele. Ironicamente, nesta corrida maluca pelo desenvolvimento, o depósito de lixo de Flushing foi então desativado, dando lugar ao parque público Olmstedian, onde foram realizadas duas feiras mundiais. Remanescentes da feira de 1964 - entre eles, o vibrante New York Hall of Science, projetado por Wallace Harrison - talvez seja uma das estruturas mais emblemáticas e modernas do Queens.
À medida que, a cada dia mais, assistimos um revivalismo brutalista - ou ao menos a revalorização de um estilo historicamente questionado-, o Community College projetado por Marcel Breuer no Bronx está desfrutando de seus dias de sol. Neste fantástico campus projetado por Breuer, talvez o Begrisch Hall seja aquele que mais se destaca.
Talvez a arquitetura mais "implacavelmente moderna" da cidade de Nova Iorque, não esteja de fato confinada às estreitas ruas de Manhattan. É preciso caminhar. É preciso ir além, passear pelo Bronx, pelas partes baixas de Manhattan, na orla do Queens ou ir até Staten Island. No Brooklyn também. No bairro mais populoso de Nova Iorque, o Brooklin, encontram-se mais de 300 blocos de edifícios construídos em concreto e tijolos aparentes, os quais abrigam uma população de quase meio milhão de pessoas. Conceitualmente discutíveis, talvez; insuficientemente cuidados ou mantidos, certamente - eles são a evidência da maior campanha de construção de moradias públicas nos Estados Unidos. Esses locais, com todas as suas diversidades e desigualdades, são o exemplo de que o modernismo, em vez de ser simplesmente se preocupar com o umbigo de sues patrícios, apontavam para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.