Os patinetes são a última tendência da nova mobilidade. É provável que você tenha visto alguém passando por um desses pequenos, mas ágeis veículos de duas rodas, em alguma grande cidade. Após o crescimento explosivo dos aplicativos de transporte sob demanda e das bicicletas compartilhadas, chegou a vez dos patinetes, que registraram 38,5 milhões de viagens nos Estados Unidos apenas em 2018.
Os patinetes têm muitos benefícios parecidos com os das bicicletas compartilhadas – como viagens rápidas e divertidas para distâncias curtas – ao mesmo tempo em que são menos intimidantes para os novatos. Assim como as bicicletas compartilhadas, os patinetes também têm o potencial de oferecer benefícios significativos para as cidades.
Dados preliminares sugerem que a maioria das viagens de patinete tem entre um e dois quilômetros de extensão. Segundo a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, se os motoristas americanos trocassem o carro pela bicicleta ou a caminhada em viagens de menos de uma milha, seria gerada uma economia de 2 milhões de toneladas de CO2 e de cerca de US$ 900 milhões em custos de combustível e manutenção. Patinetes, como as bicicletas, ajudam com o problema da chamada "última milha" – conectando partes da cidade que anteriormente estavam fora de alcance do transporte coletivo – e expandem o acesso para os moradores que vivem em áreas pouco atendidas pelo transporte coletivo.
Por outro lado, há preocupação com a segurança de quem usa os patinetes, que são pequenos, tem menor centro de gravidade do que as bicicletas, rodam em velocidades relativamente altas, por vezes quebram inesperadamente e expõem as quem usa a conflitos com veículos ou pedestres.
Estudos recentes nos Estados Unidos mostram que andar de patinete traz alguns riscos. Porém, os dados geralmente não indicam que as patinetes são mais perigosos em termos de risco de ferimentos graves ou morte do que outros modos de transporte.
Embora sejam necessários mais dados para entender completamente os riscos relativos entre diferentes modos, sabemos que as cidades estão se tornando mais perigosas para todos os usuários não motorizados – carros estão atingindo e matando pedestres, ciclistas e outros a taxas inaceitáveis. A chegada dos patinetes apenas dá mais urgência ao esforço de tornar as cidades mais seguras para as pessoas se deslocarem pelas cidades sem depender de carros.
Evidências de 4 estudos recentes
Patinetes são um fenômeno novo e ainda não há muitos dados disponíveis nas cidades. No entanto, alguns estudos analisam os dados que começam a aparecer de acidentes de patinetes nas cidades americanas. Vamos discutir com maior atenção um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) divulgado recentemente, mas também vamos examinar outros três estudos para contextualizar.
Austin
O Centro de Controle de Doenças e a cidade de Austin, no Texas, divulgaram recentemente um estudo epidemiológico sobre lesões relacionadas aos patinetes durante um período de três meses de 2018. O estudo analisou múltiplas lesões e variáveis demográficas associadas a 190 usuários de patinetes feridos, dos quais quase metade teve lesões consideradas graves, sendo que 15% sofreram lesão cerebral traumática. A amostra observada resultou em uma taxa de lesões de 20 usuários a cada 100 mil viagens, o que significa que uma pessoa que faz duas viagens de patinete por dia pode se machucar uma vez a cada sete anos. Ao todo, 55% dos usuários se feriram na rua, 33% na calçada e 12% em outros locais. O estudo constatou que 16% dos incidentes envolveram direta ou indiretamente um veículo motorizado. Outros 17% envolveram um meio-fio, um objeto ou um bueiro.
O estudo concluiu que a maioria das lesões na cabeça poderiam ter sido evitadas (apenas uma das pessoas que sofreram traumatismo craniano usava capacete) e propõe dois próximos passos: fortalecer o monitoramento de lesões relacionadas a novos veículos como patinetes e promover a educação sobre uso seguro desses equipamentos, com destaque para velocidades seguras e uso de capacete.
No entanto, existem outras maneiras de interpretar os resultados. Um fator que pode ter contribuído para a alta taxa de lesões é o número de pilotos iniciantes. Mais de 60% dos usuários entrevistados fizeram menos de 10 viagens em um patinete. Mais de 30% dos feridos estavam usando pela primeira vez.
Além disso, dado que 55% se machucaram na rua e que 50% dos entrevistados disseram que as condições do pavimento levaram ao acidente, seria importante analisar o desenho das ruas, a qualidade e a manutenção. Seria interessante, por exemplo, analisar a relação entre locais de lesão e infraestrutura para ciclistas, como ciclovias e outros recursos de desenho urbano. Uma rápida visualização das lesões relatadas no estudo cruzadas com o mapa da infraestrutura cicloviária considerada “de alto conforto” em Austin já é um ponto de partida (veja o gráfico aqui). A maioria das lesões ocorreu fora da infraestrutura protegida.
Comparar a taxa de lesões dos patinetes com outros modos durante o período do estudo (normalizado por número de viagens ou horas de viagem) também poderia esclarecer se as ruas da cidade são uma ameaça a todos os usuários vulneráveis ou se os patinetes têm necessidades de segurança específicas.
Los Angeles
Outro estudo recente analisou 249 pacientes com lesões associadas ao uso de patinetes elétricos em dois setores de emergência de um centro médico da UCLA no sul da Califórnia. No período de um ano, 32% dos pacientes com ferimentos após viagens de patinete tiveram lesões em músculos, ligamentos ou tendões. Apenas 4% dos pacientes usavam capacete no momento da lesão, mas a maioria dos pacientes (94%) receberam alta no mesmo dia. Apenas 2 dos 15 pacientes internados tiveram lesões graves.
Este estudo é interessante porque captou como os usuários de patinetes ficaram feridos. Ao todo, 80% caíram do patinete, 11% colidiram com um objeto e 9% foram atingidos por um veículo ou objeto em movimento. O estudo não entra em detalhes, mas seria interessante correlacionar o tipo de acidente com a gravidade da lesão.
Portland
Para avaliar uma fase de testes de 120 dias de patinetes compartilhados, Portland analisou uma combinação de dados qualitativos e quantitativos, incluindo dados de viagem fornecidos pelas empresas de patinetes compartilhados, visitas de emergência e uma pesquisa representativa municipal.
As descobertas incluem:
- A maioria das lesões foram leves
- Acidentes com patinetes representaram 5% das lesões no trânsito
- Dessas lesões, 84% foram em função de quedas sem envolvimento de outros veículos e 13% após colisões com carros.
- Ruas com ciclovias tiveram o maior índice de uso de patinetes
- As pessoas usaram menos o patinete na calçada quando as ruas tinham limites de velocidade baixos ou ciclovias protegidas, o que demonstra a importância da infraestrutura e da gestão de velocidades para minimizar conflitos entre pedestres, patinetes e carros.
Bird
A Bird, empresa de patinetes compartilhados, também publicou recentemente um estudo sobre segurança, que concluiu que patinetes e bicicletas têm riscos semelhantes. Segundo o levantamento, a taxa de usuários de bicicleta que precisa de atendimento de emergência é de 59 a cada 1 milhão de milhas pedaladas, de acordo com um estudo de 2017 em países de alta renda. A Bird reportou uma taxa de 38 feridos a cada 1 milhão de milhas para patinetes (com base nos ferimentos relatados diretamente à Bird pelos usuários). O estudo também encontrou uma associação entre as cidades com melhores índices de segurança para ciclistas e menos registros de acidentes com patinetes – a avaliação mostrou que tornar o trânsito mais seguro para ciclistas também aumenta a segurança para quem usa patinete.
Uma pesquisa perguntou o que faria os usuários se sentirem mais seguros e a maioria dos participantes respondeu: ciclovias protegidas, pavimento mais liso, ciclovias mais largas e estacionamento próprio para as patinetes.
O fator escondido: desenho das ruas
Esses estudos podem ajudar com ideias sobre potenciais riscos para quem usa patinetes e sobre as velocidades mais adequadas. Porém, à medida que o uso de patinetes cresce, os gestores das cidades precisam considerar um fator que vai além dos usuários: o desenho das ruas.
Na última década, o número de pessoas mortas em atropelamentos cresceu 35%nos Estados Unidos, enquanto o número de quilômetros percorridos por carros se manteve estável. Motoristas mataram mais pedestres nos Estados Unidos em 2016 e 2017 do que em qualquer outro ano desde 1990 e, globalmente, os números também estão piorando.
O desenho de ruas atual, centrado nos carros, faz com que outros modos de transporte – principalmente bicicleta, caminhada e, agora, as patinetes – fiquem mais vulneráveis a colisões com carros. Colisões com maior desigualdade nas velocidades são muito mais letais do que colisões entre meios de transporte ativo, ou da chamada micromobilidade.
O que as cidades podem fazer para tornar suas ruas mais seguras para as patinetes e outros meios de transporte ativos? Veja algumas recomendações a partir do trabalho do WRI:
- Investir em soluções de desenho de cidades seguras, como ciclovias protegidas (que também podem ser usadas por patinetes), redesenho de interseções e medidas para acalmar o tráfego que podem salvar vidas como: lombadas, chicanas, travessias de pedestres elevadas e melhores pavimentos. As cidades podem dar escala e a essas intervenções por meio de programas de ruas completas e de Visão Zero.
- Gestão das velocidades: reduzir – e fiscalizar – o limite de velocidade de 50km/h para 30 km/h em áreas urbanas movimentadas pode reduzir a chance de acidentes fatais com pedestres e ciclistas de 85% para 30%. Pistas mais estreitas, calçadas mais largas, travessias de pedestre elevadas e extensões de meio-fio também incentivam velocidades mais seguras.
Se os patinetes vão ajudar a transformar as cidades para melhor, oferecendo opções de transporte de baixo custo e baixas emissões para mais pessoas, vai depender do trabalho conjunto entre empresas e autoridades municipais. O setor público, por exemplo, pode criar políticas que incentivem as patinetes e oferecer medidas de segurança. As evidências sugerem que ciclovias protegidas e de alta qualidade podem proteger os usuários das patinetes, assim como os ciclistas. As empresas também podem fazer sua parte compartilhando dados com as cidades (muitas já se comprometeram, através dos Princípios da Mobilidade Compartilhada) e até mesmo ajudando as cidades a desenvolver ou testar a melhor infraestrutura para tornar as patinetes mais seguras.
Via WRI Brasil.