Emmanuel sai de casa com as duas filhas às 5h todas as manhãs. Eles pegam um mini ônibus da sua casa em Awoshie, um bairro residencial de Accra, em Gana, até a região de negócios onde Emmanuel trabalha. A viagem de ida e volta geralmente custa US$0,90, o que equivale a cerca de 20% do salário médio diário em Accra, e leva bem mais de uma hora. Quando o tráfego está pesado, o custo dobra. Para economizar uma passagem de ônibus, Emmanuel às vezes coloca uma filha no colo da outra.
Deslocamentos como os de Emmanuel estão se tornando o padrão para habitantes de muitos centros urbanos, especialmente de cidades em desenvolvimento na Ásia, África e América Latina. Um novo estudo do WRI concluiu que, ainda que as cidades concentrem empregos e outras oportunidades, grande parte da população tem cada vez mais dificuldades para acessar esses benefícios. Análises feitas na Cidade do México e em Johanesburgo apontam que 56% e 42% da população, respectivamente, não consegue acessar empregos com facilidade em razão da localização de suas casas, das opções limitadas de transporte, ou de ambas as coisas. Muitos habitantes dessas cidades passam por viagens longas e caras, frequentemente desconfortáveis, em veículos inseguros e em meio ao trânsito pesado. Outros têm opções de deslocamento e acesso a oportunidades tão restritos que acabam isolados.
O padrão de restrição de acesso da Cidade do México e de Johanesburgo está presente em outras partes do mundo. O acesso a emprego, saúde, educação e outras oportunidades está cada vez mais fora do alcance de milhares de pessoas como Emmanuel.
O que é acessibilidade?
"Acessibilidade" é a facilidade com que as pessoas conseguem chegar aos locais de trabalho, ensino, saúde, entretenimento e outras oportunidades.
Níveis de acessibilidade dependem de diversos fatores. Alguns dizem respeito à localização: a disponibilidade de serviços, sua distribuição na cidade e se o sistema de transporte permite que pessoas os acessem de forma segura, eficiente e a um custo acessível. A acessibilidade é uma questão tanto de uso do solo quanto de transporte e depende do quão eficientemente os dois, juntos, atendem a cidade.
Outros fatores são específicos sobre as pessoas, como, por exemplo, a capacidade de gastar (tanto dinheiro quanto tempo) para chegar até um local de interesse, as escolhas de moradia e o grau de tolerância em relação à segurança e o conforto nos deslocamentos. Quando os sistemas de transporte coletivo são inseguros ou não foram projetados de forma inclusiva, mulheres, crianças e pessoas com deficiência enfrentam maiores barreiras à acessibilidade do que outros grupos populacionais, por exemplo.
Por que as cidades estão ficando menos acessíveis?
A acessibilidade é fundamental para a qualidade de vida e a mobilidade social, porém a maioria das cidades concentra esforços na oferta de transporte (quantos quilômetros de vias exclusivas ou linhas de ônibus existem) ou na eficiência do transporte (quantas pessoas viajam em determinadas rotas dentro de um determinado período de tempo) em vez de focar no que o sistema de transporte realmente permite que as pessoas façam. Para agravar esse problema, as políticas de uso do solo favorecem o crescimento longe do centro das cidades e das redes de transporte coletivo existentes.
À medida que as cidades cresceram, o mesmo aconteceu com o número de veículos motorizados nas vias. Em 2010, havia 2,5 novos registros de veículos para cada criança nascida na América Latina; na Índia, havia três para cada nascimento.
Embora muitas pessoas interpretem a posse de um carro como algo que irá aumentar sua acessibilidade, na realidade isso é verdade só até certo ponto. Afinal, o congestionamento dificulta a mobilidade para todos. As estimativas de custo do tempo perdido no congestionamento já variam entre 2% e 5% do Produto Interno Bruto (PIB) na Ásia. Isso cria um ciclo vicioso. Mais carros na cidade significa mais infraestrutura que prioriza os carros em detrimento das pessoas. O desenvolvimento urbano que prioriza veículos particulares em comparação a pedestres, bicicletas e o transporte coletivo incentiva o espraiamento das cidades e o aumento da duração das viagens. Esses padrões de desenvolvimento levam, por sua vez, a extensas caminhadas, esperas mais longas e maiores custos de viagem, tornando as cidades menos acessíveis. Também levam a maiores emissões de gases de efeito estufa devido às longas distâncias percorridas por pessoas e mercadorias.
Esse padrão está se repetindo ao redor do mundo. Na região de Pretoria e Joanesburgo, na África do Sul, os moradores de assentamentos informais na periferia da cidade viajam entre 20 e 23 quilômetros em média à procura de trabalho. Em Pequim, os motoristas gastam uma média de quase três horas no trânsito todos os dias da semana e perdem uma média de US$ 159 por mês – 13% do salário médio mensal – no congestionamento.
Joanesburgo: um estudo de caso de acessibilidade
Joanesburgo, com seus 5 milhões de habitantes, espraiou-se nos últimos 20 anos. Embora projetos como os Corredores de Desenvolvimento Orientado ao Transporte tenham tentado melhorar o transporte coletivo, quase metade dos moradores continua desassistido pelas opções de transporte existentes.
Usando empregos para medir o acesso a oportunidades de maneira geral, calculamos o número de empregos formais e informais que podem ser acessados em 60 minutos de viagem, seja a pé, utilizando transporte coletivo (formal e informal) ou utilizando veículos particulares. Descobrimos que o residente médio de Joanesburgo consegue acessar apenas 49% dos empregos disponíveis na cidade. O grupo de moradores com menor acesso (cerca de 13% da população) só consegue chegar a 3% dos potenciais empregos na cidade dentro de uma hora. Por outro lado, 10% dos moradores com maior acessibilidade conseguem chegar a aproximadamente 87% dos empregos.
As pessoas mal atendidas em Joanesburgo – ou seja, aqueles que ficam abaixo da média de acesso a oportunidades de emprego em deslocamentos de até 60 minutos – estão gastando muito tempo e dinheiro se deslocando pela cidade ou simplesmente não têm acesso às oportunidades porque as opções de transporte são proibitivamente caras ou longas.
Então, como melhorar a acessibilidade para todos?
Em essência, a acessibilidade é uma questão de justiça e equidade. O acesso a oportunidades é necessário não apenas para que os indivíduos desfrutem da vida urbana, mas também ascendam na escada socioeconômica. Da mesma forma, argumentamos que, ao promover a acessibilidade multimodal que prioriza as necessidades dos mal atendidos, cidades equitativas podem ascender na escada socioeconômica, proporcionando mais benefícios aos habitantes, alcançando maior produtividade econômica e melhorando a qualidade ambiental.
Para melhorar o acesso de todos, as cidades precisam quebrar o ciclo vicioso de declínio da densidade urbana, aumento do uso de veículos particulares e desenvolvimento orientado para carros. Para fazer isso, as cidades devem se concentrar em três áreas de ação:
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Construir redes de ruas completas, democráticas e seguras. Isso inclui a construção de ruas que se conectam a comunidades recém-formadas e de baixa renda, priorizando o espaço nas ruas para pedestres e transporte coletivo em vez de carros, e implementando medidas de segurança, como faixas de pedestres elevadas.
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Desenvolver serviços de transporte integrados e orientados ao usuário. As cidades devem se concentrar em conectar os serviços existentes entre si, (tanto formais quanto informais), e coordenar os serviços de transporte coletivo independentes em uma rede integrada de transporte multimodal que atenda toda a cidade. Medellín, na Colômbia, por exemplo, conectou suas redes aéreas de bonde, ônibus e trem tanto fisicamente como pelo sistema tarifário. Isso torna viagens complexas mais rápidas e mais acessíveis para os moradores de toda a cidade.
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Gerenciar a demanda de veículos particulares. As cidades devem utilizar esquemas de taxação de congestionamento e de estacionamento para que elas recuperem os custos sociais (por exemplo, poluição, engarrafamento) do excesso de uso dos modos motorizados e promovam soluções compartilhadas de mobilidade. A demanda por veículos particulares também é significativamente influenciada pelas políticas de uso do solo. As cidades devem garantir que o desenvolvimento seja orientado para o transporte sustentável (ou seja, com facilidade de acesso ao transporte coletivo, densificação e uso misto no entorno das estações de transporte) ou tenha potencial de receber bom serviço de transporte coletivo no futuro.
Via WRI Brasil.