Em 1955, o Museu de Arte Moderna de Nova York organiza seu primeiro levantamento de arquitetura latino-americana: a exposição Latin American Architecture since 1945. Sob a curadoria do historiador e teórico da arquitetura moderna Henry-Russell Hitchcock, a exposição e o catálogo que a acompanha agenciam um discurso específico sobre a arquitetura latino-americana produzida entre 1945 e 1955, sob a rubrica de dois conceitos unificadores: o do modernismo e o da América Latina[1].
Em virtude da importância que o evento assume, sua ampla circulação e reverberação midiática, e aos efeitos legitimadores dos EUA como centro de elaboração da crítica e teoria cultural no segundo pós-guerra, a exposição certamente corresponde a um dos momentos fundamentais da construção internacional de um imaginário particular de arquitetura moderna latino-americana, consagrado na historiografia quase como axioma. A idealização da exposição, que insere a produção cultural latino-americana na agenda de uma das instituições culturais mais influentes no Hemisfério Ocidental, bem como o próprio discurso da curadoria sobre as práticas arquitetônicas dos países “ao sul da fronteira”, apresentam sentidos circunscritos tanto ao campo disciplinar da arquitetura e à revisão que o modernismo sofrerá no segundo pós-guerra, quanto ao âmbito dos disputas ideológicas da Guerra Fria, que por sua vez terá impactos definitivos sobre a cultura. Esse complexo campo de forças –que por sua vez é constituído por diversos esforços, sejam eles individuais, coletivos, institucionais, profissionais, diplomáticos, econômicos ou sociais–, atua de forma decisiva na consolidação da trama discursiva agenciada por Hitchcock, posteriormente difundida mundo afora. À luz de necessária revisão da narrativa hegemônica de arquitetura moderna latino-americana, este breve artigo, que se apresenta como desdobramento de uma pesquisa de iniciação científica[2] desenvolvida de 2016 a 2018, pretende lançar olhares para os esforços que penetraram os processos de construção do cânone, buscando compreender a posição da América Latina no emblemático arcabouço de rearranjos geopolíticos do segundo pós-guerra no campo disciplinar da arquitetura, analisando de que maneiras estes tensionamentos ecoaram nas escolhas da curadoria, vislumbrando assim desnovelar os densos emaranhados que vão se estratificando sobre sua historiografia.
Se na Segunda Guerra Mundial, a iminência da Política de Boa Vizinhança –que vislumbrava sobretudo o fortalecimento das relações interamericanas– se fazia vital para garantir apoio das repúblicas centro-sul-americanas aos Estados Unidos com esforços de guerra, a cessão do conflito potencializa a postura de integração continental, na medida em que tornava-se imperioso manter a América Latina a salvo da ameaça comunista que se potencializaria com o constante confronto das duas superpotências que emergiam da Guerra. Nesta empreitada, o meio cultural constituiu-se como poderosa ferramenta estratégica da política externa norte-americana, e o MoMA assumiria, portanto, papel central no fortalecimento dos laços entre as repúblicas do sul e os EUA. Nesse sentido, a consonância entre a agenda cultural do Museu e o projeto imperialista norte-americano irradiado a partir da cultura mostra-se evidente.
Para além dos sentidos da exposição no âmbito da Guerra Fria, a trama argumentativa de Hitchcock alinhava-se aos acalorados debates internacionais de arquitetura, que ao longo do século XX, procuravam definir a verdadeira expressão da modernidade. Na perspectiva da renovação do olhar do estrangeiro para a América Latina como resposta às crises e anseios intrínsecos ao campo[3], os discursos presentes na publicação buscam identificar, na produção latino-americana, preciosas contribuições à expressão universal da arquitetura em disputa. Essa postura reverbera na trama sintetizada na publicação de Hitchcock, uma vez que o historiador exaltaria produção cultural das ex-colônias ibero-americanas, apontando a inventividade local, seus aspectos líricos, poéticos e a consideração da arquitetura com as questões climáticas dos trópicos, indicando os caminhos para uma nova linguagem possível para a arquitetura moderna –conferida sobretudo pelo “curious flavor[4]” que o curador identifica na arquitetura latino-americana–, contornando assim as críticas vigentes em relação à passividade da construção seriada e rígido funcionalismo do estilo internacional[5], em crise sobretudo nos primeiros anos pós-guerra. O esforço de Hitchcock em buscar na América Latina saídas satisfatórias para estes embates contribuiria substancialmente para tecer boas relações com as repúblicas ao sul do Rio Grande, bem como para legitimar a supremacia cultural nova-iorquina, impondo-se, na disputa com os polos culturais europeus, como centro metabolizador de sínteses práticas e teóricas do século XX no campo da cultura moderna.
Entretanto, sabendo que os EUA não operam como único ponto de origem dos discursos sintetizados em Latin American Architecture since 1945, mesmo que aqui se reconheça seu papel fundamental, seria insustentável tratar de sua elaboração como processo unívoco. Sabendo que a formulação e validação daquela visão particular de arquitetura latino-americana não teria os mesmos contornos sem a atuação efetiva de arquitetos, membros das elites e outros agentes locais, se faz necessário colocar em cheque a ideia de um imperialismo cultural[6] enviesado pela ação determinante dos Estados Unidos, na medida em que os discursos presentes na publicação de Hitchcock são tributários de complexa circulação transnacional de ideias, motivadas por interesses, aspirações e anseios diversos. Nessa perspectiva, pretende-se aqui desmistificar a quimera da influência do centro em relação à “periferia cultural” na construção deste imaginário coletivo, na medida em que a permanência indireta do conceito de influência nas tramas historiográficas acaba por “ignorar relações de reciprocidade, negociações, adaptações, reações, trocas múltiplas e disputas inerentes a qualquer encontro entre culturas[7]”. Não se trata, contudo, de rechaçar o cânone em função de uma pretensa realidade que o empurre para uma posição secundária, mas sim olhar para os imaginários culturalmente construídos como fatores fundamentais das trajetórias historiográficas que aqui se pretende esmiuçar.
Nesse sentido, é necessário ter em mente a dimensão multilateral da consolidação do discurso sobre a arquitetura presente no catálogo, cujas especificidades serão analisadas a seguir, entendendo-as portanto como resultado de diversos interesses transnacionais que desempenharam papel fundamental em sua agência historiográfica, ainda que em pesos e medidas diferentes.Todavia, a atuação desses outros agentes latino-americanos na consolidação da narrativa difundida pelo MoMA em 1955 será tema para a pesquisa de mestrado em desenvolvimento, uma vez que a iniciação científica que precedeu este artigo se ateve essencialmente à compreensão dos desígnios imperialistas norte-americanos, das questões inerentes ao campo da arquitetura e em como essas duas dimensões se entrelaçam, se afirmam e se complementam na consolidação desta trama narrativa.
A arquitetura moderna latino-americana sob o olhar do estrangeiro
Apresentadas as circunstâncias que tangenciam a idealização de Latin American Architecture since 1945, nos atemos agora ao que concerne especificamente o imaginário de arquitetura moderna latino-americana cristalizado no catálogo e aos rebatimentos deste esforço historiográfico no campo ampliado. Afinal, quais os aspectos apontados sobre a arquitetura retratada? O que se dizia sobre ela? Quais os principais arquitetos exaltados na exposição? E por fim, como a produção arquitetônica selecionada foi apreendida pelos olhos do estrangeiro?
O amálgama de elementos da linguagem universal da arquitetura moderna com aspectos da tradição local (sejam eles expressos por elementos pré-colombianos, indígenas, barrocos ou herdados das metrópoles europeias[8]), é uma das qualidades enfatizadas exaustivamente por Hitchcock ao longo da publicação, que exemplifica sua recorrência nos azulejos da Igreja de São Francisco de Assis (Oscar Niemeyer, 1943), associados à azulejaria portuguesa; no mural da fachada frontal Biblioteca Central da Universidade da Cidade do México (Juan O’Gorman, 1951-1953), que por sua vez recupera temáticas da trajetória cultural mexicana desde a era pré-hispânica até a modernidade; e os Frontões da Universidade do México (Alberto T. Araí, 1952), cujos aspectos formais dialogam com os grandes templos e pirâmides astecas de Teotihuacán. A fusão da tradição com a modernidade na arquitetura, preconizada na exposição Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942, organizada por Philip Goodwin no MoMA em 1943 –que por sua vez trouxe às discussões vigentes as tensões entre passado, presente e futuro, e entre tradição e tempos modernos[9] a partir da arquitetura brasileira, iluminando as pranchetas dos arquitetos de todo o mundo[10]–, apresentava-se como grande contribuição da produção latino-americana para os debates arquitetônicos no circuito internacional.
A nova linguagem oferecida pela arquitetura latino-americana também é exaltada por Hitchcock no que diz respeito à variedade de dispositivos de controle de raios solares e do calor excessivo do clima tropical, qualidade frisada em grande parte das obras analisadas na publicação. Estes elementos, que nas palavras do autor “fornecem fachadas e efeitos plásticos muito característicos”[11] é enfatizado ao longo do catálogo por cotejar os pressupostos defendidos por aqueles teóricos mais radicais do estilo internacional, que argumentavam a favor de uma arquitetura universal, pensada a partir de uma linguagem única para qualquer território, definida sobretudo pela lógica da matriz corbusiana[12]. Assim, a admiração no olhar do estrangeiro para os brises-soleils “magnificamente utilizados[13]” é parte fundamental da imagem desta arquitetura concebida na argumentação de Hitchcock. O autor aponta sua recorrência sempre que possível nos diversos exemplares presentes no catálogo, destacando, por exemplo, os cobogós do conjunto residencial do Pedregulho (Affonso Reidy, 1948-1950), as diversas tipologias de brises nas habitações do Centro Técnico de Aeronáutica de São José dos Campos (Oscar Niemeyer, 1947-1948), e na “feliz combinação das grelhas cerâmicas dos blocos residenciais do Parque Guinle[14]” (Lúcio Costa, 1947-1953).
A presença de cores vivas e fortes configura-se como outra característica plástico-formal que a América Latina propõe como inovação para a arquitetura moderna, no discurso abordado na publicação. Para Hitchcock, as cores – empregadas de maneiras distintas, seja na pintura das paredes, em painéis de mosaicos, minerais ou azulejos–, provocavam efeitos visuais exóticos próprios da América Latina, além de que sua ocorrência estaria relacionada com as condições de iluminação da região, cujas paredes brancas tenderiam a causar ofuscamentos. O autor ratifica o uso das cores em diversos projetos analisados, sempre comentando suas especificidades em cada exemplo. Em alguns momentos a exaltação do autor a respeito de tal qualidade se sobressai, como é o caso do Estádio Olímpico da Cidade Universitária do México (Augusto Pérez Palacios, Raúl Salinas Moro e Jorge Jiménez, 1951-1952), sobre o qual enfatiza os minerais coloridos utilizados na decoração da parte frontal. Também comenta em tom elogioso as “cores fortes e bem escolhidas[15]” dos parapeitos das varandas do Centro Urbano Presidente Juárez no México (Mario Pani, 1950-1952), e o uso de “cores peruanas[16]” empregadas na Unidad Vecinal Matute (Santiago Agurto Calvo, 1952), entre outros.
Outra forte característica que permeia o discurso de Hitchcock no que tange sua narrativa sobre a linguagem da arquitetura moderna latino-americana, é a associação dos elementos arquitetônicos com obras de artes plásticas, buscando identificar, nos exemplares analisados no catálogo, consonâncias com os circuitos internacionais que debatiam a questão da “síntese das artes[17]” desde os anos 1930. A articulação de obras de artes plásticas com a arquitetura é comentada sempre que possível nos diversos projetos presentes no catálogo, dentre os quais a Cidade Universitária de Caracas apresenta-se como exemplo emblemático. No caso, as “simpatias cosmopolitas[18]” do arquiteto Carlos Raúl Villanueva, responsável pela construção dos pavilhões da Universidade, permitiram a plena manifestação da integração das artes em seu melhor exemplo, uma vez que esculturas e painéis de artistas estrangeiros como Hans Arp, Antoine Pevsner, Fernand Léger, Matteo Manaure e Alexander Calder, pontuam os diversos prédios da universidade caraquenha. Hitchcock destaca os móbiles de Calder que funcionam como tratamento acústico para o auditório da Aula Magna (Carlos Raúl Villanueva, 1952-1953), onde arte e arquitetura se articulariam de forma integrada e funcional. Também comenta o diálogo entre arte e arquitetura em outros momentos, elogiando, por exemplo, os azulejos presentes no térreo do edifício Antonio Ceppas (Jorge Machado Moreira, 1952), bem como os mosaicos dos Laboratórios CIBA, no México (Alejandro Prieto e Félix Candela, 1953-1954).
O “certo lirismo[19]” da produção latino-americana, que para Hitchcock é uma condição local derivada do “temperamento ibérico[20]”, está presente em seu discurso como fator inerente da arquitetura da região de forma geral. Esta qualidade estaria vinculada sobretudo às curvas e possibilidades plásticas do concreto armado, sendo Niemeyer seu precursor e maior expoente. Para além dos elogios conferidos às obras do mestre brasileiro mais cedo internacionalmente consagrado, Hitchcock exalta a qualidade da manipulação do material, por exemplo, na arquibancada curva do Estádio Olímpico da Cidade Universitária de Caracas (Carlos Raúl Villanueva, 1950-1951), na cobertura abobadada da Piscina do Departamento de Esportes de São Paulo (Ícaro de Castro Mello, 1952-1953) e nos arcos que recobrem o Cabaret Tropicana localizado na capital cubana (Max Borges Jr., 1952).
Entre Goodwin e Hitchcock: reflexos e reminiscências
Como todo trabalho curatorial, Latin American Architecture since 1945 é permeada por ausências, apagamentos e protagonismos, cujas escolhas estão alicerçadas nas conjunturas globais e locais em disputa, aqui brevemente comentadas. Isso se reflete na seleção de países que aparecem na exposição, bem como nas discrepâncias entre o número de obras de cada país mencionado. Dentre as 88 obras retratadas na publicação, referentes a 11 países latino-americanos (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, México, Peru, Porto Rico, República do Panamá, Uruguai e Venezuela), 22 são obras de arquitetos brasileiros. À luz desses dados empíricos e da análise dos argumentos cristalizados na publicação, depreende-se que o evidente protagonismo da produção brasileira na exposição de 1955 não se deu pelo simples acaso, como bem nota Patrício Del Real:
“A ambiguidade do modernismo brasileiro ia além da sua capacidade de representar a América Latina. A Escola Modernista carioca, a arquitetura moderna desenvolvida no Rio de Janeiro, postulou uma condição nacional –brasilidade– através da habilidade de representar o etos geral da América Latina[21]”.
Na perspectiva destas colocações, verifica-se um movimento pendular entre a exposição de 1955 e a exposição Brazil Builds. As características da arquitetura latino-americana identificadas por Hitchcock possuem seus alicerces no que já havia sido consagrado em 1943 com a exposição de Goodwin, que apresentou o “caso brasileiro como topos fundamental do imaginário da arquitetura do século 20[22]”, na perspectiva de que para Hitchcock e para a crítica internacional o Brasil havia criado um novo idioma nacional dentro da linguagem universal da arquitetura moderna, mostrando que a produção brasileira havia constituído uma expressão arquitetônica capaz de dar conta das especificidades locais. Nesse sentido, o Brasil ofereceria, para o estrangeiro, novos caminhos possíveis para a arquitetura universal em debate. Se a exposição de 1943 inaugura a projeção internacional da arquitetura brasileira –associada quase que exclusivamente ao talento individual de Niemeyer–, bem como uma matriz de leitura que se tornaria recorrente na historiografia[23], a exposição de 1955 recupera o êxito consagrado da narrativa construída em torno do “milagre brasileiro[24]”, que reverbera de forma plena nas escolhas das obras e na argumentação do curador de Latin American Architecture since 1945 –na conciliação da liberdade formal com o racionalismo do Movimento Moderno, na inventividade local, na convivência com a tradição, e sua adequação ao contexto local.
Sendo assim, o historiador da arquitetura ampara sua argumentação no que a arquitetura moderna brasileira já havia oferecido como revisão do Movimento Moderno, identificando aspectos plástico-formais na produção arquitetônica de diversas cidades latino-americanas que pudessem ser associados ao sucesso internacional sobretudo da Escola Carioca. Também não é estranho afirmar que as próprias escolhas das obras que apareceriam no catálogo da exposição são resultado do êxito internacional dessa historiografia mais cedo legitimada, uma vez que todas as construções abordadas no catálogo margeiam de forma mais ou menos fiel este imaginário pré-concebido. Nesse sentido, a partir do evidente reflexo das constatações de Goodwin –cujos imaginários por ele sintetizados em 1943 também devem ser analisados como construções culturais consequentes de esforços multilaterais– na publicação de Hitchcock, é notável que o modernismo brasileiro tratou de amparar as escolhas da curadoria na exposição de 1955 e de caracterizar, com a consolidação da narrativa ali proposta, a produção latino-americana de forma geral.
Arquitetura e identidade
A partir da identificação de categoriais que englobam de forma quase homogênea a arquitetura latino-americana, vinculada sobretudo ao que já havia sido consagrado em torno da arquitetura brasileira, o historiador aponta a existência de uma consistência geral da arquitetura daquele “continente e meio[25]”, utilizando-se de artifícios estratégicos para amparar sua argumentação, dentre eles: o tratamento das fotografias em P&B, o que conferia, a partir dos tons monocromáticos, uma sensação de continuidade e homogeneidade entre as obras do catálogo; a disposição adjacente de projetos com elementos formais semelhantes, o que salientava a ideia de proximidade entre arquiteturas de localidades e contextos diferentes; para além de seu próprio discurso textual. O esforço de síntese historiográfica sobre a produção das ex-colônias americanas em um imaginário uniforme atinge seu ponto máximo na última seção do catálogo intitulada Fachadas Urbanas, que contribui fundamentalmente para justificar a existência de uma atmosfera latino-americana definida pela arquitetura, mais tarde solidificada como aforisma na historiografia. Fachadas Urbanas compreende 3 colagens de 16 edifícios de apartamentos e de escritórios, localizados em cidades distintas (Bogotá, Buenos Aires, São Paulo, Havana, Lima, Caracas e Cidade do México), apresentados a partir de suas fachadas frontais –assim negando sua totalidade e contexto–, o que sugeria a composição de uma “cidade latino-americana análoga[26]”, que viria a legitimar a ideia de um ethos geral da latinidade, cuja homogeneização quase agressiva inerente ao discurso de Hitchcock tendia a apagar ou reduzir a diversidade de manifestações arquitetônicas latino-americanas.
Na perspectiva de que a arquitetura e o urbanismo na América Latina se relacionam com a invenção ou imaginação de identidades[27], os argumentos e estratégias presentes no catálogo acabam por definir “imagens mentais[28]” que extrapolam o campo disciplinar da arquitetura e tocam âmbitos de maior amplitude. Com isso, é possível dizer que Latin American Architecture since 1945, através da construção historiográfica de uma atmosfera latino-americana, assume papel decisivo não somente na construção e difusão internacional de um imaginário específico sobre a arquitetura moderna da região, mas pavimenta, a partir do campo arquitetônico, uma identidade supranacional latino-americana que se consagra e que terá desdobramentos posteriores, quiçá até a contemporaneidade.
Notas
[1] DEL REAL, 2007, p.95.
[2] Este artigo é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso desenvolvido em 2018 na Escola da Cidade –Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, resultante de uma pesquisa de iniciação científica (2016-2018), que por sua vez vem se desdobrando na pesquisa de mestrado em desenvolvimento na FAU-USP. A iniciação científica, intitulada “Latin American Architecture since 1945: história e historiografia”, realizada com financiamento da FAPESP (processo nº 2016/04495-2), bem como a pesquisa de TCC, foram orientadas pela Profa. Dra. Marianna Boghosian Al Assal. A pesquisa de mestrado também está sendo fomentada pela FAPESP (processo nº 2019/01038-8), sob orientação da Profa. Dra. Nilce Cristina Aravecchia Botas.
[3] Ver Liernur (2004, 2008a, 2010b).
[4] HITCHCOCK, 1955, p.13.
[5] O conceito de International Style, ou estilo internacional, diz respeito ao caráter funcional e racional da arquitetura moderna defendido por grupos de arquitetos desde o final dos anos 1920, como os CIAMs, a Bauhaus e The Stijl. O termo aparece pela primeira vez no catálogo da exposição Modern Architecture: International Exhibition, organizada em 1932 por Phillip Johnson e Henry-Russell Hitchcock, que inaugura o Departamento de Arquitetura e Design do MoMA.
[6] Sobre o projeto imperialista norte-americano irradiado no continente americano a partir da cultura, ver Tota (2000).
[7] AL ASSAL, 2014, p.30.
[8] A questão da identidade e da tradição se manifestam na arquitetura moderna das diversas cidades na América Latina de maneira distinta. Ver Segawa (1999) e Gorelik (2005).
[9] DEL REAL, 2012, p.13.
[10] LIERNUR, 2010, p.282.
[11] HITCHCOCK, 1955, p.60.
[12] A matriz corbusiana aqui referida diz respeito aos preceitos da arquitetura universal definidos pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier, sobretudo àqueles expressos revista francesa L’Esprit Nouveau em 1926, sob os quais a moderna arquitetura deveria se amparar. Os 5 pontos na nova arquitetura por ele defendidos funcionariam no século XX como grande norte da produção arquitetônica universal. Eles são: os pilotis para desimpedir o térreo; a planta livre, em oposição à planta paralisada das construções em alvenaria portante; a janela horizontal em fita; a fachada livre (as aberturas deixariam de depender da estrutura convencional); e os terraços-jardim, que previam banhos de sol e comunhão com o céu (COHEN, 2013, p.109).
[13] LIERNUR, 2010, p.282.
[14]HITCHCOCK, 1955, p.154.
[15] HITCHCOCK, 1955, p.123.
[16] HITCHCOCK, 1955, p.133.
[17] Ver Espada (2011); Pedrosa (1981).
[18] HITCHCOCK, 1955, p.17.
[19] HITCHCOCK, 1955, p. 26.
[20] HITCHCOCK, 1955, p. 26.
[21] DEL REAL, 2012, p.13.
[22] LIERNUR, 2010, p.169.
[23] MARTINS, 1999, p.10.
[24] LIERNUR, 2010, p.207.
[25] HITCHCOCK, 1955, p.11.
[26] CABRAL, 2010, p.21.
[27] AL ASSAL, 2014, p.23.
[28] LE GOFF, 1994, p.16.
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