A medição de impacto é uma etapa indispensável para que uma Rua Completa seja implementada com sucesso e de fato atenda às necessidades da população. Como não existe um modelo único de Rua Completa, o processo se torna ainda mais necessário: para garantir que as diferentes intervenções sejam eficazes e positivas, é fundamental conhecer os cenários de antes e depois das mudanças e avaliar os impactos do projeto na prática.
As Ruas Completas variam conforme as necessidades locais e o tipo de uso de cada rua. Assim, podem apresentar diferentes elementos e características dependendo do contexto em que estiverem inseridas, mas o objetivo é o mesmo: promover uma divisão equilibrada do espaço da via entre os diferentes meios de transporte e criar um ambiente em que todos, independentemente de suas condições de mobilidade, possam circular com conforto e segurança.
As intervenções feitas em uma Rua Completa – ampliação das calçadas, criação de rotatórias ou ilhas de refúgio, extensões de meio fio, entre outras possibilidades – influenciam a maneira como as pessoas se deslocam e interagem com o ambiente ao seu redor. Por isso medir os impactos dessas mudanças é tão importante. E as cidades que já implementaram ou estão implementando seus projetos devem trabalhar também nessa etapa. É o que vem sendo feito em São Paulo, Porto Alegre e Juiz de Fora, por exemplo.
São Paulo trabalha atualmente com uma metodologia já utilizada pelo Laboratório de Mobilidade Sustentável (LABMOB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em diversos estudos. Já Porto Alegre e Juiz de Fora ainda estão em uma fase de inicial de aplicação da metodologia, que envolve dois processos: a coleta de dados na Rua Completa antes e depois da intervenção e a definição de uma “rua de controle”, onde a mesma coleta é realizada para fins de comparação. A rua de controle deve ser uma via próxima à Rua Completa, com uso e características semelhantes. A avaliação dos cenários antes e depois e a comparação com a rua de controle inclui características físicas e aspectos socioeconômicos.
Na elaboração dos projetos, as cidades definem os principais objetivos a serem alcançados com cada rua completa. Os indicadores coletados na medição de impacto devem ser selecionados com base nesses objetivos – recomenda-se que sejam poucos, mas que representem bem os objetivos definidos. Dessa forma, tem-se uma avaliação de impacto mais precisa e eficiente.
Joel Carlos Borges, São Paulo: 92% de aprovação
Em São Paulo, a Rua Joel Carlos Borges, implementada em setembro de 2017, obteve 92% de aprovação na pesquisa feita após a intervenção. Ponto de acesso à estação Berrini, uma das mais movimentadas do metrô de São Paulo, a rua é intensamente utilizada por pedestres. No horário de pico da manhã, já registrou cerca de 1800 pessoas a pé e apenas 67 veículos. A intervenção consistiu na ampliação do espaço de circulação dos pedestres, com duas faixas pintadas nos dois lados da via, reforço na pintura das faixas de segurança e uma melhor sinalização, com balizadores, placas e outros, além de incluir mobiliário urbano e vasos de plantas. Antes, o espaço destinado aos pedestres era de 29% da via, passando para 70% com a intervenção.
O estudo de impacto da Joel foi desenvolvido pelo LABMOB e pela Cidade Ativa, com apoio do WRI Brasil. A rua de controle escolhida para comparação foi a Gomes de Carvalho, com características semelhantes às da Joel. Além da aprovação geral, foram avaliados aspectos como segurança, travessias e a relação com o comércio local. Em relação à percepção de segurança na via, 80% das pessoas que passam pela Joel consideram a rua mais segura depois da intervenção, enquanto apenas 49% dos passantes entrevistados na Gomes de Carvalho disseram o mesmo. O estudo mostrou ainda que 91% dos consumidores acessam a rua utilizando modos de transporte ativo ou coletivo – indicando uma percepção equivocada dos comerciantes, que acreditavam que a maioria dos clientes chegava de carro.
João Alfredo, Porto Alegre: cruzamento mais seguro
Em Porto Alegre, a João Alfredo foi a escolhida para se tornar a primeira Rua Completa da cidade. Localizada em um bairro boêmio, a rua tem intensa movimentação noturna – mas acaba “abandonada” durante o dia. No final de março, a situação começou a mudar. Uma intervenção de urbanismo tático em um dos cruzamentos da via ampliou o espaço de circulação dos pedestres e criou novos pontos de travessia, ilhas de refúgio e uma nova rótula. Na inauguração da intervenção, foram feitas pesquisas de opinião com os moradores. Agora, o projeto deve incorporar as sugestões dos entrevistados antes de ser estendido para toda a rua. Foi um primeiro passo para medir os impactos da mudança.
A análise dos resultados comprovou a necessidade de mudanças no desenho viário que melhorassem as condições de segurança e acessibilidade para quem circula pela rua. Dos entrevistados, 91% consideram que a rua poderia ter mais travessias de pedestres, 95% acreditam que as bicicletas devem ser priorizadas no trânsito e 100% entendem que a qualidade das calçadas não é boa. A rua de controle escolhida para comparação foi a Rua General Lima e Silva, de características e uso semelhante à João Alfredo. O próximo passo da cidade agora é a coleta dos dados de percepção das pessoas no cenário após a mudança.
Marechal Deodoro, Juiz de Fora: urbanismo tático
Juiz de Fora também utilizou uma intervenção de urbanismo tático para testar sua Rua Completa. A rua selecionada foi a Marechal Deodoro, localizada na área central da cidade. Conforme contagens da prefeitura, circulam por hora no local cerca de 1200 pedestres e apenas 10 veículos. O diagnóstico realizado antes da intervenção apontou a necessidade de pedestrianização das vias e melhorias de acessibilidade, iluminação e segurança.
A intervenção incluiu pintura de travessias, calçadas niveladas com tablados em alguns pontos da via, redistribuição dos quiosques dos camelôs para melhorar a circulação dos pedestres e instalação de mobiliário urbano e pequenos espaços de permanência. Na pesquisa feita durante a intervenção, os cidadãos apontaram como principais problemas a ocupação irregular das calçadas (27%), más condições de acessibilidade (20%) e segurança pública (18%). A maioria acessa a rua a pé (60%) ou de ônibus (28%) e 95% gostariam que a rua Marechal fosse exclusiva para pedestres.
De forma semelhante à capital gaúcha, esse foi um primeiro movimento para avaliar os impactos da intervenção. Além da percepção das pessoas, outros impactos importantes a serem avaliados em uma medição completa são mudanças na divisão modal, redução de acidentes, melhoria da economia local.
Via WRI Brasil.