Filmes vêm sendo estudados por arquitetos e outros profissionais interessados no campo da arquitetura e urbanismo por oferecerem uma perspectiva mais sutil e responsiva de nossa disciplina, nos informa o arquiteto e professor finlandês Juhani Pallasmaa. A partir de suas particularidades técnicas e estéticas, o cinema pode ir além da simples representação e ser um poderoso meio de transmissão de ideias e conceitos ligados à arquitetura e o espaço urbano.
A liberdade e fluidez espaço-temporal proporcionadas pela montagem cinematográfica aproxima os espaços representados nos filmes da imaterialidade da imaginação - mesmo quando filmados em locações reais. Assim, arquiteturas e cidades se transformam em uma rede fragmentada de espaços na mente do espectador - conectando memórias com outras imagens vividas ou assistidas.
Essa espécie de fluidez e ausência de definições precisas características das imagens do cinema pode encontrar paralelos nas ideias pós-modernas que se multiplicaram na arquitetura e no urbanismo a partir da segunda metade do século XX, em que a profusão de diferentes pontos de vista compunham uma imagem maior do panorama teórico e prático do campo da arquitetura. Nesse sentido, filmes podem ser um bom aporte para compreender a fragmentação do pensamento que caracterizou o pós-modernismo na arquiteura.
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A seguir, veja quatro filmes que abordam aspectos diversos do pós-modernismo no urbanismo e na arquitetura:
A celebração do controle - O Show de Truman: O Show da Vida (Peter Weir, 1998)
Truman é o personagem principal do maior reality show já produzido - mas não sabe disso. Desde que nasceu, milhares de câmeras acompanham sua vida e todos a sua volta fazem parte de uma enorme produção televisiva. O cenário de tal ficção não é menos fictício: uma cidade absolutamente organizada, com residências unifamiliares isoladas em seus lotes, jardins perfeitamente aparados e cidadãos de bem. Projetado aos moldes no novo urbanismo norte-americano, o cenário do programa é o reflexo preciso da superficialidade das personagens e da própria atração televisiva que Truman, sem saber, protagoniza.
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Distopias tecnológicas - Blade Runner: O Caçador de Androides (Ridley Scott, 1982)
Visões distópicas do futuro das cidades também compõem o espectro interseções entre arquitetura e cinema. Exemplo disso é o filme Blade Runner – o caçador de andróides, que apresenta uma cidade fictícia (San Angeles) fruto de uma nova sociedade cibernética, que subrepõe estilos arquitetônicos diversos, resultado de anos de um uso híbrido dos espaços e estruturas, muitas vezes não compatíveis e que acabam por gerar espacialidades residuais. Seus ambientes são manifestações distópicas de um pós-modernismo garantido pela supremacia capitalista da era pós-industrial.
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Suburbanização da vida - Pulp Fiction: Tempo de Violência (Quentin Tarantino, 1994)
Quentin Tarantino retrata a periferia de uma cidade genérica como pano de fundo de uma série de histórias banais: pessoas desempregadas, assassinos, garçonetes e hotéis de beira de estrada compõem uma trama que se enquadra em algo que se poderia chamar de realismo sujo e que pode ocorrer em qualquer parte do mundo. O fenômeno do espraiamento das cidades americanas pode ser percebido em diversas locações do filme, e a baixa densidade urbana pode servir como metáfora para uma espécie de rarefação do sentido de lugar que encontra paralelo na psique das personagens.
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A supressão do lugar - Asas do desejo (Wim Wenders, 1987)
Asas do Desejo se passa em Berlim, pouco antes da derrubada do muro. Fragmentada, a cidade é apresentada como uma sobreposição de retalhos desconexos e desprovidos de memória - condição refletida por seus habitantes. A arquitetura e a cidade, ou o vazio deixado por elas, atingem a psique das personagem, desencadeando memórias íntimas e particulares de lugares que agora só existem enquanto presença de uma ausência, ou como projeção íntima de suas próprias mentes e emoções.
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Publicado originalmente em 15 de julho de 2019, atualizado em 21 de julho de 2021.