O ano de 1932 é um marco na história do Ceará. Uma das piores secas já vistas assolou o sertão e levou a uma cena já descrita em clássicos da literatura brasileira — tais como Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e O Quinze, de Rachel de Queiroz: retirantes que se veem obrigados a deixar suas casas para fugir da fome e da miséria.
Logo ao início do ano, as estradas se encheram de flagelados que caminhavam rumo à capital, Fortaleza, ou ao menos até alguma cidade equipada com estação de trem, facilitando o trajeto. Como o número de pessoas chegava aos milhares, as passagens foram suspensas e algumas das cidades por onde o trem parava passaram a ter uma nova função: abrigar os retirantes em campos de concentração, com a promessa de que ali seriam fornecidos trabalho e comida.
No entanto, ao contrário do que a expressão pode levar a entender, os campos de concentração cearenses não eram como os nazistas, que posteriormente tiveram o objetivo de exterminar os judeus na Segunda Guerra Mundial. No Brasil, eles impediam os famintos de continuarem sua viagem às cidades grandes, proibindo sua locomoção. A morte, porém, foi inevitável. Com falta de alimentos, falta de infraestrutura e um contingente humano cada vez maior, doenças começaram a se proliferar.
Na época, foram sete os campos de concentração construídos no estado: Ipu, Fortaleza, Quixeramobim, Craiús, Crato e Senador Pompeu — o único que ainda mantém a estrutura utilizada na época. Dados oficiais estimam que 73,9 mil pessoas passaram por esses campos, sendo 16,2 mil só em Senador Pompeu.
Os campos foram extintos junto com o fim da seca, no ano seguinte.
“Os campos de concentração funcionavam como uma prisão. Os que lá chegavam não podiam mais sair, ou melhor, só tinham permissão para se deslocar quando eram convocados para o trabalho, como a construção de estradas e açudes ou obras de ‘melhoramento urbano’ de Fortaleza, ou quando eram transferidos para outro campo”, explica a historiadora Kênia Souza Rios em seu livro Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na seca de 1932.
“Durante esses deslocamentos, sempre havia uma atenta vigilância para evitar as fugas ou rebeliões. Os flagelados só se deslocavam dentro de caminhões e, a todo momento, ficavam sob o atento olhar de vigilantes”, frisa.
Ruínas tombadas fortalecem memória dos acontecimentos
Este capítulo do Ceará promete ser preservado com mais cautela. Em julho de 2019, a Prefeitura de Senador Pompeu tombou suas ruínas como patrimônio municipal. A área chamada de Sítio Histórico de Patu possui nove mil m² de área e integra o Campo de Concentração, o Cemitério das Almas da Barragem, o Açude Patu, a Vila dos Ingleses, a Estação, o Hospital e a Casa de Pólvora.
Segundo informações do jornal Diário do Nordeste, a intenção da prefeitura é de restaurar os prédios e de dar continuidade no processo de preservação do patrimônio com um pedido de tombamento da área no nível estadual.
As informações históricas contidas no texto são do livro Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na seca de 1932, com autoria de Kênia Souza Rios.
Publicado originalmente em 14 de agosto de 2019, atualizado em 12 de agosto de 2020. Via Gazeta do Povo / Haus.