Um dos museus mais queridos pela população lusófona e de sucesso incontestável, o Museu da Língua Portuguesa se prepara para reabrir as portas após o incêndio que sofreu em 2015. A oportunidade de repensar a instituição e compreender sua própria relação com o público foram as principais premissas que foram de encontro com as novas necessidades de uso e desejos de melhoria que permearam todo o pensamento por trás da reabilitação do edifício.
O projeto e suas diretrizes
O projeto original de Paulo Mendes da Rocha e Pedro Mendes da Rocha prevaleceu como partido da reforma, portanto, as grandes intervenções concebidas anteriormente no edifício, assim como o próprio conceito, foram mantidos. Inclusive, muitas das novidades que estão por vir já foram discutidas no passado, mas por diferentes razões não foram realizadas.
Já no térreo será possível ver um dos primeiros ganhos do novo museu. Ao realizar um desejo dos órgãos de patrimônio, agora a Estação da Luz - um edifício "para inglês ver", feito para esconder as plataformas de trem numa tipologia muito atípica de estações na qual o pedestre circula no térreo e o trem está enterrado - se tornará mais permeável visual e fisicamente ao ativar os saguões da ala leste e oeste.
A grande intervenção realizada pelos arquitetos no projeto original foi a introdução de quatro elevadores nas torres. No entanto, no passado, foi pensada uma museografia de sequência narrativa que começava e terminava no mesmo ponto, e também haviam questões de operação do museu que fizeram com que o público circulasse apenas pela ala leste, sem conhecer a área oeste e seus elevadores.
Hoje a exposição foi repensada e, apesar de ter um percurso sugerido, possui uma liberdade de fruição que não determina um início ou fim, já que não possui uma narrativa fixa. Assim, o térreo será ativado através de seu programa e diferentes acessos ao museu: na ala oeste haverá uma bilheteria para públicos agendados, como grandes grupos e escolas, e contará com uma loja, e a ala leste seguirá como espaço de entrada do público espontâneo e abrigará um café. Além disso, optou-se por manter uma estrutura metálica com vidro para cobrir os pátios, criando um diálogo com a linguagem adotada no museu de artes vizinho, a Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Novidades no térreo
São três as principais mudanças que acontecerão no térreo. No projeto anterior não foi possível enterrar o poço dos elevadores, assim eles ficavam aparentes na laje criando degraus e gerando uma descontinuidade de nível no pátio. Agora, a tecnologia permitiu levar o poço para o subsolo em áreas da CPTM, possibilitando a integração de todos os pátios num mesmo nível.
Anteriormente, as máquinas do sistema de ar-condicionado ocupavam o térreo. No projeto atual foi possível criar passarelas técnicas maiores e levar esses equipamentos para as fachadas posteriores, liberando mais espaço nos pátios.
Por fim, os arcos decorativos da fachada do edifício foram abertos. Apesar de serem desencontrados, a criação desses vãos trouxe permeabilidade à estação que agora está mais conectada com as ruas do entorno, possibilitando uma integração física e visual que gera uma área pública de convivência.
Novo acesso e café no terraço
Um novo elevador e escada de emergência, pedida pelo Corpo de Bombeiros, foram instalados na Torre do Relógio. Serão o principal acesso para visitar o novo café que será instalado na cobertura da estação, com vista para todo o entorno e principalmente para o verde do Parque Jardim da Luz. Este novo acesso também gera uma integração com o saguão da CPTM por onde passam diariamente 300 mil pessoas e poderá ser aberto de acordo com diferentes atividades propostas para atrair parte desse público para o museu.
Neste mesmo saguão há um mezanino que liga as duas alas do edifício e se manteve fechado ao público. A ideia, agora, é que a partir do primeiro pavimento as pessoas possam conhecer e circular por esse ambiente, vendo o público que passa pela estação de trem abaixo.
Novo programa na área oeste
A Estação da Luz já sofreu dois incêndios, um em 1946 e outro em 2015. Felizmente, por uma configuração do próprio edifício, nenhum destes atingiu a ala oeste que segue com sua arquitetura original de 1901 - uma verdadeira joia arquitetônica da cidade. Agora ela será aberta ao público de forma controlada e terá como programa o Centro de Referência do Museu da Língua Portuguesa - que abrigará um núcleo de pesquisa e estudos -, administração do museu e salas multiuso para cursos, atividades e pequenas exposições.
Espaço expositivo
Anteriormente, o museu ocupava apenas as alas leste e central. Vale salientar que a primeira, após a reforma do incêndio de 1946, recebeu um pavimento extra e, portanto, possui um nível a mais que a ala oeste. Com isso, o segundo pavimento é o único que possibilitou uma ocupação de ponta a ponta, na qual é possível ver a extensão completa do edifício.
Na intervenção passada, Paulo Mendes da Rocha indicou para este pavimento uma grande tela em analogia à proporção alongada do trem da estação. Esta intervenção será mantida mas terá seu conteúdo e montagem renovada graças às novas tecnologias. Agora, com projetores de curta distância, será possível mantê-los próximo da tela e evitar a sombra das pessoas, liberando mais espaço para circulação e ocupação de outras paredes.
Antigas alas de serviço também serão transformadas em espaços expositivos: o vídeo que passava nessa grande tela voltará a ser projetado no formato de um mini-auditório e outra sala receberá o Beco das Palavras. Além disso, a Linha do Tempo será transformada ao trazer novos fatos históricos e internacionais, revendo o modo como a história da própria língua foi interpretada e ganhando ainda mais potência no espaço.
Praça da Língua e os desafios da obra
No terceiro pavimento da ala leste encontra-se a "Praça da Língua" - a experiência considerada mais impactante do Museu da Língua Portuguesa - será mantida no mesmo lugar, mas com algumas novidades. A volumetria e composição anteriores foram respeitadas, mas surgiu a oportunidade de criar uma estrutura mais contemporânea. Após negociação com órgãos de patrimônio e bombeiros, optou-se por uma estrutura mista de madeira com tirantes metálicos.
A madeira foi escolhida por ser um elemento seguro em caso de incêndios. Por queimar de fora para dentro, cria uma camada isolante que retarda o colapso do elemento; diferente de estruturas metálicas que derretem ao atingir determinadas temperaturas. Para isso, a seção estrutural foi calculada considerando uma camada de 5 cm em todo o perímetro das peças, obtendo-se, assim, a dimensão final das tesouras de madeira.
Pretende-se que o edifício receba a certificação LEED. Para isso, o uso da madeira (e outros elementos) passaram por um controle extenso. No caso das tesouras, foram adotadas madeiras maciças que vieram de Itacoatiara, Amazonas. Durante o processo, descobriu-se que o mercado interno de madeira certificada está muito voltado para a exportação e preparado para vendas de peças padrão. No caso de um projeto especial como este, existe o desafio de encontrar um fornecedor que esteja disposto a trabalhar fora das dimensões usuais.
Outro fato aprendido é que no momento de compra da madeira, não é possível escolher o tipo, mas apenas ver quais estão disponíveis na época de corte - no caso do museu foi utilizada a Cumaru. Em resumo, o processo segue a ordem de compra da árvore na floresta, o acompanhamento do corte desta, estufa, transporte, etc. Um enorme esforço logístico é necessário para que o edifício seja construído tal como imaginado.
Além disso, parte das madeiras das antigas treliças que não foram consumidas pelas chamas, foram recicladas e reutilizadas na montagem das esquadrias do segundo pavimento.
Se a língua é o que nos une e permite o coletivo humano, o Museu da Língua Portuguesa retornará com um partido arquitetônico ainda mais forte ao se integrar com seu entorno e possibilitar o acesso de cada vez mais pessoas. Compreender não apenas parte da nossa história e do nosso idioma, mas também o modo como habitamos os espaços - seja de um museu, de uma estação ou da cidade - é um passo fundamental para uma civilização em constante mudança e que busca o melhor para si.
SERVIÇO
O Museu da Língua Portuguesa é uma iniciativa do Governo de São Paulo em parceria com a Fundação Roberto Marinho e conta com parceiros da iniciativa privada – EDP, Grupo Itaú e Grupo Globo. A abertura do novo museu está prevista para o primeiro semestre de 2019, ainda sem uma data definida, com sede no mesmo endereço anterior, a Estação da Luz em São Paulo.