O Brasil urbano é feio demais. Por que isso aconteceu? Alguns acusam “a ausência de planejamento urbano e de zoneamento, os gabaritos manipulados, o poder nefasto das empreiteiras e construtoras influindo na elaboração dos planos diretores”.
Apesar de ser um entendimento popular sobre o que ocorre na cidade, a história do urbanismo brasileiro mostra algo diferente. Porto Alegre, por exemplo, é planejada há mais de um século, e a sua Secretaria de Planejamento abertamente reconhece a tradição em planejamento da cidade. Em uma análise que fiz da legislação municipal existente que regula o ambiente construído, contabilizei mais de 1000 páginas de regras que ditam exatamente como cada edificação e calçada deve ser. No meu entendimento, é este planejamento demasiado, que impede que o desenvolvimento urbano responda às demandas dinâmicas de transformação, que gera resultados indesejáveis.
Zoneamento, existente há mais de meio século, separa os lugares de morar, de trabalhar ou de consumir. Planejamento corta a cidade com viadutos e grandes avenidas, e regras determinam desde recuos obrigatórios nas edificações a vagas obrigatórias de garagem. Estas, por exemplo, isolam os prédios dos pedestres nas calçadas e criam as famosas “bandejas” de estacionamentos na base dos prédios, como relatam David e Rogerio Cardeman no excelente livro “O Rio de Janeiro nas alturas”, analisando as diferentes formas de verticalização da cidade sob cada plano urbanístico vigente.
Publicado no ano passado, livro de título semelhante, “São Paulo nas Alturas”, de Raul Juste Lores, explica muito bem porque São Paulo teve seus anos de glória na arquitetura durante as décadas de 50 e 60 e depois “degringolou”. As principais obras arquitetônicas que valorizam a paisagem paulistana nestas épocas foram criadas por uma relação saudável entre incorporadores e arquitetos no mercado imobiliário. Projetos emblemáticos e diferenciados, como a Galeria do Rock, foram lucrativos para os seus investidores. Ainda, era muito mais comum ver a figura do arquiteto-incorporador, onde o projetista tomava controle e arcava com o risco das suas decisões.
Em seguida, o crédito fácil do BNH durante o período da Ditadura Militar piorou a qualidade arquitetônica, pois tirou os obstáculos do mercado imobiliário anterior, onde a criatividade era chave para a lucratividade de um projeto. Aliado a isso, no final dos anos 50 surgiram as legislações abraçavam o modelo de uma cidade espraiada, de baixa densidade, onde se depende bastante do carro e, ao contrário do que normalmente se imagina, restringindo significativamente o mercado imobiliário comparado com anos anteriores. Como exemplo direto, nem o COPAN nem o Conjunto Nacional poderiam ser construídos a partir das legislações da década de 60. Os quitinetes, tão conhecidos como opção de moradia de baixo custo, foram desincentivados por lei sob a justificativa de que eram “anti-família”, já que elas não caberiam em apartamentos tão pequenos.
É comum culparmos o setor produtivo, o último agente visível que coordena a ordem de execução do concreto e dos tijolos de uma edificação. Mas a realidade é mais complexa, e são os incentivos desenhados a priori, desde o planejamento urbano das nossas cidades aos incentivos regulatórios do mercado imobiliário, que levam ao verdadeiro caos planejado.
Via Caos Planejado.