Ao longo das últimas décadas, postos de gasolina passaram de uma novidade à objetos onipresentes em paisagens urbanas e rurais do mundo todo. Com a popularização dos automóveis durante a segunda metade do século XX, postos de gasolina transformaram-se em uma das tipologias arquitetônicas universais mais vulgares. Hoje, somente nos Estados Unidos, existem cerca de 130.000 estruturas deste tipo espalhadas pelos quatro cantos do país, uma para cada 2.000 mil veículos da frota americana que beira atualmente os 270 milhões. No entanto, à medida que a população mundial continua migrando das áreas rurais para às cidades, áreas urbanas cada vez mais densas e com sistemas de transporte público cada dia mais eficientes e sustentáveis, é hora de reinventar esta tradicional tipologia para que ela não se torne obsoleta da noite para o dia.
É fato que a tipologia do posto de gasolina já entrou em declínio a algum tempo. Em 2016, estimava-se que 116.000 postos de gasolina estivessem em operação em toda a Europa, entretanto, até o final de 2017, esse número havia caído para 77 mil. Somente no Reino Unido, o número de postos de gasolina caiu 80% dos anos 70 para cá, apesar de que o consumo de combustível tenha aumentado em um 75% no mesmo período. Um estudo realizado em julho de 2019 pela BCG concluiu que, “até 80% dos atuais postos de distribuição e comercialização de combustíveis não serão mais rentáveis daqui a 15 anos.” Isso pode até parecer mentira, mas existem várias razões para começarmos a acreditar que o futuro dos postos de gasolina não é nem um pouco animador.
Por um lado, o constante e crescente fluxo de pessoas para as cidades tem acelerado uma mudança generalizada dos meios de transporte privados por alternativas públicas cada dia mais eficientes e sustentáveis. No final de 2018, por exemplo, Luxemburgo tornou-se o primeiro país do mundo a oferecer transporte público gratuito a todos os seus cidadãos, e apenas algumas semanas depois, Paris decretou que o transporte público seria gratuito para todas as crianças menores de 11 anos, entre outras tantas mudanças que apontam em direção a uma transformação radical na maneia como nos relacionamos com veículos movidos a combustíveis fósseis. À medida que mais e mais cidades ao redor do mundo adotam políticas progressistas em relação ao transporte público e investem em novas alternativas, como o exemplo recente de Sydney ou Gotemburgo, o declínio do tradicional posto de gasolina torna-se cada dia mais evidente.
Enquanto isso, até a indústria dos veículos privados também está colaborando decisivamente para a decadência dos postos de gasolina. Em 2018, a frota global de carros elétricos ultrapassou a marca de 5 milhões, com um impressionante aumento de 2 milhões de veículos em apenas um ano, quase que duplicando a frota elétrica entre 2017 e 2018. Ainda que as atuais tecnologias fazem dos carros elétricos dependentes de uma rede pública de pontos de recarga, muitos destes instalados dentro dos próprios postos de gasolina, a atual autonomia de 300-400 quilômetros de veículos elétricos como o Tesla, só deve aumentar. Como o próprio Elon Musk apresentou em seu novo empreendimento chamado de “Solar City”, no futuro, os veículos elétricos terão autonomia para rodar livremente durante o dia, sendo abastecidos à noite em casa, eliminando a necessidade de postos de gasolina em cada esquina ou rodovia.
A revolução tecnológica que aponta a uma maior autonomia dos veículos elétricos também tende a reduzir radicalmente a demanda por veículos privados. Em 2014, o MIT Senseable City Lab desenvolveu um experimento chamado de HubCab, onde mais de 150 milhões de corridas de táxi pela cidade de Nova Iorque foram mapeadas para identificar os diferentes padrões dos passageiros, com o objetivo de fornecer dados para tornar o compartilhamento de veículos mais eficiente. Neste estudo, o Laboratório coordenado por Carlo Ratti estimou que o aprimoramento das tecnologias de compartilhamento de veículos poderia reduzir drasticamente o número de viagens de carro em até 40%, minimizando congestionamentos e emissões de gases do efeito estufa, economizando tempo e dinheiro.
Se mais cidades adotassem o conceito de mobilidade compartilhada, quatro em cada cinco veículos particulares poderiam ser retirados das ruas, diminuindo o tempo de viagem, causando menos impacto no espaço urbano e melhorando a qualidade do ar que respiramos. Dado que a maioria dos veículos urbanos fica ocioso entre 95% e 99% do dia, antigos estacionamentos dariam lugar a novos projetos que beneficiariam as cidades e seus habitantes. Com o crescente sucesso de empresas de compartilhamento de veículos, como a ZipCar e a DriveNow, a diminuição substancial do número de veículos contribuirá para a prescindibilidade dos postos de gasolina em um futuro próximo.
Considerando o crescente interesse dos nossos usuários do ArchDaily, mapeados pelos nossos mecanismos de pesquisa, podemos perceber uma mudança de paradigma em direção a iniciativas alternativas de sistemas de transporte urbano. Em nosso relatório anual de tendências que influenciarão as discussões urbanas e arquitetônicas ao longo do ano de 2019, observamos um crescimento substancial do interesse dos nossos leitores pelos temas “Transporte Público” (um aumento de 206% em comparação ao ano anterior) e “Mobilidade” (+143%) em relação àquelas pesquisas relacionadas aos meios de transporte privados. Mesmo quando consideramos o interesse de nossos leitores por veículos individuais, o principal foco de interesse são veículos autônomos (que também registrou um aumento de 160% em relação ao ano passado) e veículos elétricos (+177%). Nossos colegas de profissão, assim como o mundo todo, demonstram cada dia menos interesse pela salvaguarda dos postos de gasolina como os conhecemos hoje.
Então, devemos nos perguntar: qual será o futuro dos posto de gasolina? Esta é uma questão recorrente em nossa disciplina ainda que cada dia mais rara em nossas mesas de trabalho. Em 2015, a Combo Competitions organizou um concurso intitulado “Rethink Refueling”, solicitando aos participantes que re-imaginassem a tradicional tipologia de postos de gasolina, criando propostas inovadoras mas que se mantivessem reconhecíveis. Quatro anos depois, a GoArchitect decidiu seguir o mesmo exemplo, lançando um novo concurso de projeto intitulado “Gas Station of the Future”, o qual está aberto ao público até o próximo dia 1º de dezembro.
Por outro lado, mudanças já estão começando a aparecer na prática, como aquelas oferecidas pela empresa de energia sustentável GRIDSERVE. A companhia britânica está investindo mais de 1 bilhão de libras em cerca de 100 postos de gasolinas espalhados por todo o Reino Unido, adaptando-os para o abastecimento de veículos elétricos além daqueles movidos a combustível. Desenvolvido em colaboração com a ARUP, o projeto da GRIDSERVE tem como objetivo proporcionar estações para o abastecimento de veículos elétricos, criando novos espaços de apoio como cafeterias, supermercados, salas de espera e até centros educacionais e centros de pesquisas.
Os principais líderes do setor da energia também estão preocupados com o futuro destas estruturas que por tantos anos foram elementos inseparáveis da vida cotidiana de grande parte da população mundial. O CEO da Chargepoint, a maior empresa de recarga de veículos elétricos do mundo, prevê que o aumento dos veículos elétricos levará ao "desaparecimento" dos postos de gasolina das cidades. Em uma matéria divulgada pelo Financial Times em fevereiro de 2018, Pat Romano disse que “postos de gasolina não serão mais necessários, tampouco as estações de recarga de veículos elétricos porque a demanda será muito menor.” Enquanto isso, empresas como a Shell e a BP se comprometeram a instalar pontos de recarga de veículos elétricos em seus postos de gasolina. Pensando no futuro, a Shell adquiriu recentemente os direitos da empresa de recarga elétrica NewMotion e a BP está investindo mais de US$ 5 milhões na empresa de tecnologia FreeWire. No ano passado, Elon Musk revelou planos para construir uma série de cinemas drive-in como uma alternativa para disponibilizar mais pontos de recarga para veículos da Tesla.
Fundamentalmente, a questão sobre o futuro dos postos de gasolina representa um paradigma interessante para nós arquitetos. Estes edifícios, muitas vezes ocupando áreas enormes e com infraestruturas massivas, nos oferecerão infinitas possibilidades. O futuro que se desenha é que estas estruturas continuem a ser utilizadas, adaptando-se as novas necessidades e demandas de um setor em constante transformação. A prevista e considerável diminuição na demanda por estações de reabastecimento, seja de combustível seja de energia, também oferecerá uma grande oportunidade para suplantá-las por novas infra-estruturas do futuro, desde estações de drones até data center sustentáveis. Ou talvez, os postos de gasolina apenas fecharão as suas portas, serão abandonados, transformando-se em estruturas decadentes, “ruínas da modernidade;” relíquias onipresentes que servirão como lembranças de uma era onde o urbanismo esteve subordinado à industria do automóvel.