Estratégias de projeto para habitação: ventilar a cobertura ou acrescentar isolante térmico?

Desde a época da faculdade estudantes de arquitetura aprendem que a ventilação dos recintos é importante para retirar o excesso de calor dos ambientes. Mas nem sempre são delimitadas as situações nas quais isso realmente proporciona ambientes com desempenho térmico adequado, principalmente quando se fala na ventilação da cobertura de uma habitação.

Soluções de projeto de coberturas com aberturas em posições opostas podem contribuir para que a troca de ar no ático aconteça, seja em decorrência das diferenças entre as temperaturas entre o ar interior e exterior, seja pela ação dos ventos. Entretanto, o desempenho térmico da cobertura depende também das características térmicas dos componentes, como a presença de materiais isolantes térmico como lã de rocha e lã de vidro, barreiras radiantes, como mantas aluminizadas colocadas sob as telhas e da refletância à radiação solar da superfície externa da cobertura (cores claras ou escuras). 

Deve-se considerar ainda que aprimoramentos no desempenho térmico da cobertura da edificação precisam ser analisados de modo a identificar seu efeito no desempenho térmico dos ambientes como salas, dormitórios e cozinhas, locais onde as pessoas permanecem por muitas horas durante o dia.

O que diz a norma de desempenho 

A norma ABNT NBR 15575 conhecida no meio da construção civil como “norma de desempenho” contém exigências para avaliação do desempenho térmico de edificações habitacionais.

Há três métodos de avaliação do desempenho térmico de habitações, dois métodos detalhados que levam em conta a habitação como um todo, por meio de medições e simulações computacionais e um método simplificado, que estabelece valores limites para características térmicas de componentes. 

Mapa das Zonas Bioclimáticas Brasileiras. Imagem via flexmade.com.br

Para coberturas, o método simplificado indica valores limites máximos para a sua transmitância térmica – U, fator relacionado ao isolamento térmico, em função das características do clima do local - oito Zonas Bioclimáticas Brasileiras constantes na norma NBR 15220-3 (ABNT, 2008). Na Figura 1 são indicados exemplos de coberturas com baixa transmitância térmica (com materiais isolantes térmicos sobre laje de concreto e barreira radiante sob as telhas) e cobertura com maior transmitância térmica (com forro de drywall e telhas cerâmicas). 

Figura 1 – À esquerda, exemplo de cobertura alta transmitância térmica, à direita, cobertura com baixa transmitância térmica

Para locais com clima predominante de verão (Zonas Bioclimáticas Brasileiras 7 e 8), o método simplificado estabelece também um Fator de Ventilação do ático - FV, que permite a utilização de coberturas menos isolantes, ou seja, com maior transmitância térmica, caso haja aberturas para a ventilação no telhado para ventilar o ático.  

A ventilação do ático de uma habitação é uma das estratégias que podem ser utilizadas para reduzir a quantidade de calor transmitida aos ambientes abaixo desse recinto. Entretanto, nem sempre garante um desempenho térmico adequado à habitação, por não afetar as trocas térmicas que ocorrem por radiação. Isso é evidenciado por autores como Brito e Akutsu (2015) e Ferreira, Souza e Assis (2017), por exemplo, que apontam a necessidade de se utilizar coberturas isolantes, o que requer o emprego de forros com materiais isolantes térmicos ou barreiras radiantes.

Análises de uma habitação típica de interesse social

Para identificar qual solução tem contribuição mais significativa para a melhoria do desempenho térmico de uma habitação, a ventilação do ático ou a isolação térmica da cobertura, é possível citar um estudo realizado por Brito, Pires e Akutsu (2018), que analisaram a resposta térmica de uma habitação térrea típica de interesse social localizada em Manaus – AM (Zona Bioclimática 8). A habitação tem dois dormitórios, sala integrada à cozinha e banheiro, com paredes de 10 cm de concreto, forro de drywall e telhado em telhas cerâmicas.

Os autores usaram o método detalhado de avaliação do desempenho térmico de habitações constante na Norma ABNT NBR 15575 (ABNT, 2013), por meio de simulações computacionais da habitação em um dia típico de verão. A habitação foi simulada com as seguintes opções de cobertura:

  • Sem forro;
  • Forro sem isolante térmico com ventilação (taxa de ventilação da cobertura de 1, 5 e 10 renovações do volume de ar do ambiente por hora – Ren/h); 
  • Forro com material isolante térmico (lã de rocha), com espessuras de 2,5 cm, 5 cm e 10 cm e ventilação da cobertura a uma taxa fixa de 1 renovação do volume de ar do ambiente por hora (Ren/h);

Os autores analisaram o efeito das variações no projeto da cobertura no valor da temperatura máxima do ar no ático e em um dormitório que possui maior área de fachada exposta à radiação solar, com potencial para apresentar condições térmicas mais críticas quanto ao conforto do usuário. No dormitório foi verificado também se é atendido o critério “Mínimo” de desempenho térmico da norma de desempenho (ABNT, 2013), ou seja, se a temperatura máxima do ar interior é menor ou igual à temperatura máxima do ar exterior.

O que acontece no ático

Nas situações com forro sem material isolante térmico, o aumento da taxa de ventilação do ar de 1 Ren/h para 10 Ren/h proporciona uma redução no valor máximo da temperatura do ar no ático de 3,5 oC (de 46,5 oC para 43 oC) – Figura 2.

Com a colocação de material isolante térmico sobre o forro e taxa fixa de ventilação de 1 Ren/h, o valor máximo da temperatura do ar no ático é da ordem de 50 oC, independentemente da espessura do material isolante (2,5 cm a 10 cm). 

Em resumo, nas situações com material isolante térmico, o valor da temperatura máxima do ar no ático é significativamente maior em comparação com as situações com o ático ventilado, com uma diferença de até 7 oC (Figura 3).

Figura 2 – Temperatura do ar no ático

O que acontece no dormitório

No dormitório, no caso sem forro, a temperatura máxima do ar interior é de 36,5 oC. Nas situações com forro sem material isolante e ventilação de até 10 Ren/h no ático, a temperatura máxima do ar no dormitório é da ordem de 35,5 oC. Em ambos os casos não é atendido o nível mínimo de desempenho térmico conforme a norma NBR 15575 (ABNT, 2013).  

Com o acréscimo de, no mínimo, 2,5 cm de material isolante térmico sobre o forro, a temperatura máxima do ar interior do dormitório é de 34,6 oC, atendendo o critério referente ao nível “Mínimo” de desempenho térmico. Destaca-se ainda que nesse caso, há uma redução da ordem de 2 oC em comparação com a temperatura máxima do ar interior nesse recinto sem forro.

Figura 3 – Temperatura do ar no dormitório

Conclusões

Aumentar a ventilação da cobertura contribui para reduzir a temperatura máxima do ar nesse ambiente, mas isso não foi suficiente para melhorar o desempenho térmico do dormitório.

Ventilar o ático é uma opção adequada em comparação com uma situação sem forro. Somente com o acréscimo de materiais isolantes térmicos na cobertura há uma melhora das condições térmicas da habitação e o atendimento do nível “Mínimo” de desempenho térmico. 

Esses resultados são válidos para ambientes habitacionais nos moldes dos analisados, com fontes internas de calor pouco significativas. Para outros modelos de edificação ou ambientes com fontes internas de calor significativas é necessário realizar estudos específicos para verificar a adequação de se utilizar materiais isolantes térmicos em componentes construtivos.  

Referências

  • ABNT ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575-5 Desempenho –Parte 5: Requisitos para sistemas de cobertura -. Rio de Janeiro, 2013.
  • _________________ NBR 15220 Desempenho térmico de edificações -. Rio de Janeiro, 2008.
  • BRITO, A. C.; AKUTSU, M. CONTRIBUIÇÃO DA COR DA COBERTURA NA MELHORIA DO DESEMPENHO TÉRMICO DE HABITAÇÃO NO PERÍODO DE VERÃO. In: XIII Encontro Nacional e IX Encontro Latino-americano de Conforto no Ambiente Construído, 2015. Campinas. Anais... Campinas: ENCAC ENLACAC, 2015. 
  • FERREIRA, C. C.; SOUZA, H. A. de; ASSIS, E. S. de. Discussão dos limites das propriedades térmicas dos fechamentos opacos segundo as normas de desempenho térmico brasileiras. Ambiente Construído, Porto Alegre, RS, v. 17, n. 1, p. 183- 200, jan./mar. 2017. ISSN 1678-862.

Adriana Camargo de Brito é pesquisadora e professora no IPT desde 2006, na área de conforto ambiental, atuando principalmente no desempenho térmico de edificações e projetos de edifícios. conforto@ipt.br

Sobre este autor
Cita: Adriana Camargo de Brito. "Estratégias de projeto para habitação: ventilar a cobertura ou acrescentar isolante térmico?" 20 Out 2019. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/926646/estrategias-de-projeto-para-habitacao-ventilar-a-cobertura-ou-acrescentar-isolante-termico> ISSN 0719-8906

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