O Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) foi uma das principais bandeiras da política habitacional em nível federal dos últimos governos. O MCMV, que se configura através do financiamento de novas habitações populares, incentiva incorporadoras a desenvolver seus projetos em áreas distantes dos centros urbanos. Isto ocorre pois, em razão das métricas de desempenho considerarem apenas quantidade de unidades entregues, há um forte incentivo econômico às incorporadoras para construir longe dos centros urbanos, onde os terrenos são mais baratos. Isso significa que boa parte dos empreendimentos estão distantes de boas oportunidades de emprego e serviços básicos, assim como isolados das redes públicas de transporte de massa que, por natureza, não têm condições de atender áreas periféricas de baixa densidade urbana.
A situação social nos empreendimentos do MCMV, de forma geral, é desafiadora. Em um sistema misto entre financiamento público e construção privada, muitos moradores se tornam endividados, com risco de perder suas moradias. Outros sublocam irregularmente seus imóveis, evidenciando a dificuldade de controle da política. Muitas das comunidades, criadas de forma artificial, monofuncionais e pouco acessíveis, foram tomadas pelo tráfico ou por milícias, como no Rio de Janeiro, onde o Estado já não tem fácil acesso para provimento de serviços essenciais em diversas regiões. Ainda, alguns empreendimentos são usados como justificativa para remoção de comunidades informais já estabelecidas, ao invés de as autoridades públicas efetuarem trabalho mais sensível de regularização fundiária e urbanização.
O MCMV também parte do princípio de que o principal objetivo é transferir o imóvel como propriedade, independente do lugar, tamanho e particularidade dos moradores, enquanto esta não deveria ser a única questão em jogo, conforme a nota pública da Rede Cidade e Moradia, assinada por dezenas de entidades e pesquisadores ligados às políticas habitacionais no Brasil. O programa também pressupõe que o déficit habitacional deve ser atendido diretamente por habitações novas, embora produtos novos sejam, via de regra, mais caros que produtos usados ou antigos. Em outras palavras, as moradias em regiões centrais que, com o tempo, desvalorizaram e se tornaram mais acessíveis, são candidatas potenciais para atender moradores de baixa renda. Além disso, segundo Alain Bertaud, ex-urbanista chefe do Banco Mundial e atual pesquisador sênior do NYU Marron Institute, em uma política habitacional séria não existem filas para conseguir uma habitação via alocação, mas sim um maior acesso dos moradores às unidades de mercado, permitindo maior liberdade de escolha do tipo e da localização do imóvel de acordo com as suas necessidades.
Assim, é interessante a iniciativa do governo atual de repensar a sua política habitacional sobre novas bases. A proposta de desenvolvimento habitacional em discussão pelo Ministério da Economia, propondo a utilização de imóveis inutilizados da União para empreendimentos que teriam um percentual de locação social, visa endereçar alguns dos problemas identificados, embora possivelmente seja insuficiente para atender o déficit habitacional de forma isolada. Apesar da estimativa entre 10 e 20 mil imóveis ociosos da Secretaria de Patrimônio da União, o Minha Casa, Minha Vida até agora entregou mais de 5 milhões de unidades e ainda estamos longe de resolver o problema da moradia. É preciso aumentar a acessibilidade ao mercado formal de moradia, permitindo um aumento drástico da sua oferta. A falta de acessibilidade à moradia surge em muitas cidades brasileiras através da restrição à produção imobiliária em centros urbanos, seja por barreiras geográficas inerentes à cidade, seja por barreiras legais municipais que ora restringem a quantidade de moradia produzida ora limitam o padrão formal de moradia produzida pelo mercado, incentivando a informalidade em padrões muito piores.
Goiânia, cidade que possivelmente tem as menores barreiras em ambos sentidos, sem limites de construção nas áreas centrais e sem grandes barreiras geográficas, não coincidentemente tem um dos melhores índices de acessibilidade à moradia do país: a razão entre custo de moradia e renda per capita é a mais baixa entre as grandes capitais e a cidade tem apenas 0,27% da sua população morando nos chamados “aglomerados subnormais”, comparado com 5,39% da vizinha Brasília, e cerca de 6% da população em nível nacional. Já o Rio de Janeiro, que restringe o desenvolvimento urbano nos arredores do Centro e na Zona Sul, onde estão concentrados maior parte dos empregos, e que ainda possui grandes barreiras geográficas tanto de morros como do oceano, é a capital menos acessível à moradia considerando o valor dos imóveis e a renda per capita, e conta com a maior população morando em favelas do país.
Políticas urbanas que influenciam na oferta de moradia local são definidas em nível local. No entanto, atualmente, as cidades que fazem a pior gestão de uso do solo e sua oferta imobiliária são aquelas que mais acabam necessitando de recursos federais para a sua infraestrutura ou moradia, com manchas urbanas espalhadas no território e altos índices de habitação informal.
Assim, uma forma de política habitacional em nível federal seria condicionar repasses de recursos mediante comprovada boa gestão urbana em nível municipal, evitando o desalinhamento de incentivos de ambas partes hoje existente. Da mesma forma, mediante tal investimento em infraestrutura e urbanização, municípios estarão capacitados a permitir a ampliação da oferta à moradia em regiões centrais de forma sustentável, tanto construindo novas unidades como regularizando áreas informais existentes.
Via Caos Planejado.