Devemos entender os edifícios como depósitos intermediários de matérias-primas

Aumento das áreas urbanizadas, produção exagerada de resíduos, consumo de bens materiais e exploração de recursos naturais. São muitos os fatores que influenciam no impacto ambiental dos humanos no Planeta Terra. A escassez de matérias-primas e recursos não renováveis já é a realidade para alguns materiais em determinados locais e a natureza já não consegue recuperar os renováveis no mesmo ritmo que é explorada. O impacto das atividades humanas é tão notável que cientistas apontam que estamos vivendo na era geológica do Antropoceno (palavra de origem grega que designa “a época recente do ser humano”). E a indústria da construção civil é das maiores consumidoras de recursos e geradora de resíduos. Na União Européia, a construção e o uso de edifícios representa cerca de 50% de todo o consumo de recursos e energia extraídos, bem como cerca de um terço de todo o consumo de água. [1] Em 2014, 52% de todos os resíduos foram atribuídos ao setor de construção. [2].

Por mais desalentadores que esses fatos sejam, há pessoas que os observam como potenciais para mudanças benéficas ao planeta. Conversamos com Annette Hillebrandt, que junto a outros autores, desenvolveu o livro Manual of Recycling: Buildings as Sources of Materials. Além de textos acadêmicos sobre o tema e a exposição de exemplos de projetos bem-sucedidos com elementos reciclados, o livro é um guia abrangente que fornece explicações detalhadas sobre métodos de cálculo e aspectos de licitação envolvendo a reutilização de materiais na construção. Anette aponta que “em todo o mundo, os depósitos de matérias-primas estão mudando. Muitas matérias-primas não estão mais em sua fonte original, mas em novos repositórios antropogênicos, sobretudo em edifícios. Grandes quantidades de matérias-primas são armazenadas em nossas construções.” É esse conceito de “mineração urbana” que pauta o livro. Trata-se de mudar o raciocínio em relação a todo o estoque construído das cidades, observando-as como verdadeiras minas de recursos úteis para construções futuras.

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A autora expõe que “a Alemanha, por exemplo, possui um depósito de mais de 50 bilhões de toneladas de material antrópico na forma de bens ou produtos residuais, e esse volume está atualmente crescendo a uma taxa anual de 10 toneladas por habitante [3]. ‘Mineração urbana’ significa recuperar o material desse estoque antropogênico para relançá-lo em um novo processo de produção. Trata-se de uma mudança paradigmática que afeta a indústria da construção no antropoceno - a época em que o impacto humano na biologia, geologia e atmosfera da Terra se tornou primordial - isso implica a separação dos processos e materiais de construção e a reciclagem de alta qualidade destes últimos.

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Encapsulado no conceito de "mineração urbana", isso envolve planejamento circular e todos os custos ao longo de todo o ciclo de vida de um edifício, incluindo seu impacto ecológico. Por outro lado, significa afastar-se do pensamento econômico linear, com sua lógica unidirecional de expansão, visão unilateral dos custos de investimento e cenários finais de disposição de aterros.”

Para tal, todas as partes envolvidas na construção possuem funções primordiais, que não se restringem ao projeto ou à construção, mas que vão bem além disso. Segundo ela, os edifícios futuros não devem mais ser planejados para descarte / desperdício / aterro, mas como depósitos intermediários ("minas") de matérias-primas.:

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  • o proprietário / construtor garante a construção - e no final de sua fase de utilização - sua desconstrução;

  • a indústria compromete-se com uma política de fabricação responsável, com a obrigação de devolver seus produtos e materiais ou usar (ou estabelecer novas) formas oficiais de reciclagem, 

  • arquitetos e construtores defendem os métodos de uma construção desmontável para futura desconstrução e especificam materiais recicláveis.

Pensar em toda a vida útil do projeto, desde sua construção até o destino das suas partes após a desmontagem é das principais lições do livro. Isso envolve desde pensar em juntas desmontáveis e destacáveis, até a especificação de materiais recicláveis e sustentáveis em todos os aspectos. A autora ressalta que os arquitetos possuem importância ímpar no processo, e devem estar bem informados, para que possam desmascarar as estratégias pouco éticas da indústria de produtos de construção. "Evitar materiais com componentes suspeitos ou aqueles para os quais o processo de produção ou reciclagem não é transparente o suficiente, de modo que o setor seja forçado a se adaptar a essas preocupações integrais em torno dos materiais. Para os clientes, eles podem esclarecer seus clientes sobre os custos gerais dos edifícios, não apenas a respeito dos custos de construção e operação, mas também os custos de manutenção e demolição e taxas de descarte no final da vida útil do edifício.”

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Wattenmeerzentrum in Ribe (DK). Architektur: Dorte Mandrup, Kopenhagen | Vadehavscentret in Ribe (DK). Architecture: Dorte Mandrup, Copenhagen. Image © Jakob Schoof

É inegável que precisamos mudar nossos raciocínios e ações para atingir mudanças significativas para o futuro. A construção no Antropoceno dependerá da recuperação e reciclagem de materiais de construção do "ecossistema urbano, de materiais de construção separáveis, a preocupação com os ciclos de vida, planejamento circular, entre muitos outros fatores. Como escrito no início do livro, o conceito de "mineração urbana não pretende ser um novo estilo de construção, mas um novo paradigma: o desperdício é uma falha de projeto!"

Notas

[1] Relatório da comissão ao Parlamento Europeu sobre a utilização eficiente dos recursos no setor da construção, Bruxelas 2014
[2] Federal Statistical Office (Destatis), Environment, Waste Balance 2014, Wiesbaden 2016
[3] Umweltbundesamt: Pressemitteilung Nr. 30 vom 6.9.2017 »Urban Mining – Rohstoffquellen direkt vor der Tür«, PM-2017-30, Urban Mining.pdf

Sobre este autor
Cita: Eduardo Souza. "Devemos entender os edifícios como depósitos intermediários de matérias-primas" 06 Dez 2019. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/929483/devemos-entender-os-edificios-como-depositos-intermediarios-de-materias-primas> ISSN 0719-8906

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