As aglomerações, do ponto de vista natural, representam uma nucleação semelhante ao “modelo gravitacional”, onde os fluxos de energia e matéria seriam “otimizados”, através da aproximação e articulação – o centro urbano. Etimologicamente, como sabemos, pólis, do grego, indica o caráter coletivo e político da formação do espaço urbano.
Civitas, do latim, denota o caráter público, cívico, civilidade de uma sociedade organizada e regida por leis. A cidade, portanto, tem idealmente uma vocação coletiva e abrangente. Grande parte de seus problemas advêm do fato contraditório de serem predominantemente construídas por intermédio de decisões individualistas ou oligopolistas, desenhando os traços da chamada insustentabilidade (RIBEIRO, 2008).
No debate sobre o ambiente urbano atual persistem fatos tais que: a “expansão descontrolada”, a fragmentação (tensão e distensão das “células urbanas”), as dinâmicas periféricas e das bordas da cidade e os ditos “assentamentos subnormais”, a segregação socioespacial dinâmica, a violência, as deficiências de oportunidades e de provimentos urbanos, a crônica escassez de recursos decorrente e os impactos negativos ao meio ambiente natural. Os fenômenos configuram um ciclo vicioso forte e acelerado que mantém e aprofunda a problemática. Esses aspectos complexos são comumente observados como elementos do “caos urbano”, que têm conduzido a um ambiente visto como ineficiente e nocivo aos seres humanos. Na verdade, o chamado “caos urbano” é um efeito da lógica complexa de correlação de forças dos agentes que produzem e reproduzem a cidade, onde se podem identificar leis socioespaciais ligadas às localizações, às propriedades físicas e configuracionais dos espaços urbanos.
Os fenômenos são resultantes da interação de ações e projetos e do jogo de interesses e necessidades dos atores que interagem na cidade. Ou seja, nesses casos, o “caos” não seria algo imprevisível, sem possíveis controles e domínios ou explicação, mas se aproximaria de certas necessidades humanas, dadas as localizações urbanas e as desigualdades socioespaciais existentes na cidade. Assim, existem razões, padrões ocultos e ordens implícitas e persistentes no chamado “caos urbano”, pois, na observação de um dado tecido intraurbano, por exemplo, a primeira impressão é de pura desordem; um cenário que pode ser visto como “caótico”. Mas quando observamos outros assentamentos urbanos, percebemos uma espécie de reincidência, como uma desordem que se repete. Mas, por outro lado, supostas desordens que se repetem podem não ser desordens, ou conjunto de fatos aleatórios; apresentam, na verdade, ordens implícitas, ou disfarçadas, ocultas, à espera de que sejam desvendadas (SOBREIRA, 2003).
Um pensamento de Fernand Braudel (1985) busca ilustrar a perspectiva dinâmica da ocupação urbana, quando diz que “as cidades são transformadores elétricos, que aumentam as tensões, precipitam as trocas, agitam continuamente a vida dos homens.” Na verdade, os homens é que constroem a cidade e a sua dinâmica e de seus percursos. Pela reflexão de Braudel, pode-se imaginar a cidade como um verdadeiro “liquidificador”, onde entrassem todos os atores da cena urbana e a dinâmica das transformações e diferenciações se desse de forma mais rápida, mais agitada. Apenas a cidade, e mais nenhuma outra configuração espacial, possui esse papel de “transformador elétrico” privilegiado, onde a energia é conduzida basicamente através dos seus percursos urbanos de transformação, linhas condutoras de acesso ao longo do tempo e do espaço. Na cidade, as noções de totalidade e fragmentação são influenciadas pelo fato de que as dimensões política e econômica se sobrepõem à dimensão social do espaço. Esse aspecto se mostra importante no processo de diferenciação socioespacial e na formação de territórios distintos e distanciados na cidade, com impactos na acessibilidade, na mobilidade e na segregação urbana. A segregação social aumenta em função da “superacumulação” e da cultura yuppie – com desenvolvimento de enclaves residenciais (alta renda) – e favelas.
Segundo West (2014), apesar da grande variedade, como lugares indisciplinados, existe certo padrão nas transformações dos espaços urbanos, pois possuiriam o mesmo “DNA” porque todas são produzidas por seres humanos, onde as supostas “regularidades” seriam reflexo dos sistemas de redes e de certas “conexões” que amparam a vida nas variadas escalas – as “regularidades” e “regras” emergem das interações humanas. O surgimento de novas redes de acessibilidades em tempo-real alteraram as relações espaciais, sobrepondo dois sistemas: um espacial e outro virtual, com influências nos aspectos fisicoespaciais.
Os custos urbanos e o preço da alta entropia socioeconômica na cidade são pagos por todos nós no ciclo vicioso urbano. O conceito de entropia deriva da segunda lei da termodinâmica e, de maneira resumida, é um indicador de desgaste energético ou material nos ciclos de funcionamento do sistema (medida da quantidade de desordem de um sistema). A alta entropia revela uma baixa eficiência energética e uma desarmonia sistêmica, ao passo que a baixa entropia revela alta eficiência energética ou uma harmonia sistêmica.
Expostos os intrincados fenômenos, persiste a pergunta: em que medida ainda é possível planejar efetivamente a cidade, no século XXI?
Referências bibliográficas
BRAUDEL, F. La Dynamique du Capitalisme. Paris; Arthaud.1985.
RIBEIRO, Edson Leite. Cidade: caminhos e aspirações. João Pessoa; Palestra realizada na sede da OAB, PB, 2008.
SILVEIRA, José Augusto R. “Caos urbano”: (mais) algumas reflexões sobre a lógica complexa de produção e reprodução da cidade. Rio de Janeiro. Cadernos do PROARQ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura - UFRJ, 2011.
SOBREIRA, Fabiano José Acádio. A lógica da diversidade: complexidade e dinâmica em assentamentos espontâneos. Tese de doutorado. Recife, MDU UFPE, 2003.
WEST, Geoffrey. Fronteiras do pensamento. São Paulo, 2014.