Ao longo dos últimos três meses, o COVID-19 se espalhou rapidamente pelos quatro cantos do mundo, ultrapassando a marca de 114 países com casos confirmados até a última quarta-feira dia 11 de Março de 2020, tirando a vida de quase 5.000 pessoas até o momento, números que tendem a aumentar exponencialmente ao longo das próximas semanas.
Mas, se pudéssemos deixar de lado por um momento a gravidade desta situação, a pandemia de coronavírus – de maneira pouco ortodoxa – está nos fazendo refletir sobre o futuro das relações de trabalho no mundo. Milhões de pessoas estão sendo forçadas à trabalhar de casa, juntando-se a um já não pequeno número de pessoas que o fazem por escolha ou comodidade. A pergunta que queremos levantar é: seria este o início do fim do tradicional edifício de escritórios?
Vamos esclarecer um pouco as cosias. Obviamente, o surto de coronavírus não será o único responsável por acabar com uma lógica de relação de trabalho construída ao longo de séculos. Entretanto, é fato que esta emergência global está forçando muitas pessoas, que não estavam habituadas a ‘trabalhar em casa’, a experimentarem o tal do ‘home office’. O que mais nos intriga é: qual será o impacto desta experiencia na vida destas pessoas quando esta tempestade passar? Talvez isso seja o início de uma mudança de paradigma. Desde o início do mês passado, milhões chineses passaram a trabalhar em casa. Nos Estados Unidos, funcionários da Amazon, Facebook, Google e Microsoft não deverão por os pés nas sedes físicas das empresas da cidade de Seattle até o fim do mês de março. Ao longo do mês de fevereiro, setenta e sete empresas públicas nos Estados Unidos mencionaram a opção “trabalhar em casa”, enquanto que em janeiro eram apenas cinco. O recorde histórico era de onze empresas em um mesmo mês, fato ocorrido em 2018, principalmente devido às catástrofes naturais que atingiram o país durante aquele período.
O coronavírus pode ter provocado um aumento considerável dos funcionários que trabalham em casa, mas está longe de ser o principal motivo pelo qual as pessoas o fazem. O número de funcionários que trabalham regularmente em casa nos Estados Unidos aumentou 173% desde 2005, e atualmente está na casa dos 4,7 milhões de trabalhadores ou seja, 3,4% da força de trabalho do país. Nos países da União Européia, a porcentagem de trabalhadores remotos em 2017 era de 5% do total, com a Holanda em primeiro lugar com 13,7%, seguida de Luxemburgo com 12,7% e a Finlândia com 12,3%.
Trabalhar de casa está longe de ser uma novidade e isso se deve ao fato de que esta prática tem as suas vantagens. Ela permite que muitas empresas possam ter acesso à mão de obra qualificada independentemente de limites geográficos. Por outro lado, esta prática minimiza as despesas gerais de uma empresa com custos relativos à manutenção e operação. Um estudo realizado com 250 pessoas que trabalham em casa pela Universidade de Stanford em 2017 também revelou que a prática tem um efeito positivo na produtividade dos seus funcionários, minimizando as faltas e principalmente a satisfação dos funcionários com o trabalho. Do ponto de vista dos trabalhadores, as vantagens parecem bastante óbvias: menos tempo perdido com deslocamentos e melhor qualidade de vida. O conceito de home office está se tornando cada dia mais popular entre os trabalhadores. O Global Workplace Analytics observou recentemente que 80% a 90% das pessoas empregadas nos EUA diz que gostaria de trabalhar de casa, pelo menos parcialmente. A mesma pesquisa sugere que, caso todas as pessoas dispostas a fazê-lo passassem a trabalhar em casa nos Estados Unidos, isso poderia resultar em uma economia de 700 bilhões de dólares por ano para as empresas e seus funcionarios, enquanto que a economia global na emissão de gases de efeito estufa seria equivalente ao que é produzido anualmente por todos os trabalhadores do estado de Nova Iorque juntos.
Estes são apenas alguns dados que nos fazem refletir sobre como certas mudanças de atitudes e hábitos podem impactar positivamente no ambiente de trabalho e na economia de recursos. Como arquitetos e designers, sabemos muito bem das vantagens do trabalho remoto, de como é possível compartilhar informações e modelos com nossos colegas ao redor do mundo, seja através da tecnologia BIM, canais de compartilhamento ou servidores remotos. Essa nova prática social terá consequências importantes na maneira como desenvolvemos nossos projetos de edifícios de escritórios, ou até mesmo de uma nova tipologia que possa surgir como resposta a este novo desafio que se desenha.
Embora a tipologia tradicional de edifícios de escritórios pareça não estar nem um pouco ameaçada, o design de interiores pode ser a prática que terá que se adaptar mais rapidamente às mudanças vindouras no ambiente de trabalho causadas pelo incremento de trabalhadores remotos no mundo todo. Segundo algumas estimativas, 40% do espaço de trabalho de um funcionário comum fica ocioso por boa parte do dia. Num futuro onde mais e mais funcionários tendem a passar apenas 50% do seu tempo de trabalhão no escritório, a organização do espaço deverá ser cada vez mais flexível, ou até chegar ao ponto onde os escritórios se parecerão mais com uma “casa do que um ambiente de trabalho.”
Na vanguarda do trabalho remoto está um conceito já bem conhecido de todos nós: o coworking. A WeWork é uma das maiores empresas de coworking do mundo. Fundada em 2010, a empresa cresceu tanto que ao longo dos últimos anos passou a desenvolver projetos próprios, contando com uma equipe interna de arquitetos e até se arriscando no desenvolvimento de projetos em escala urbana. Essa mudança de foco, ou desdobramento, levou a WeWork a contatar nada mais nada menos que Bjarke Ingels como o novo arquiteto-chefe do escritório de arquitetura da empresa. Meses depois, a WeWork anunciou que o arquiteto mexicano Michel Rojkind assumiria o cargo de novo vice-presidente sênior do tal escritório de arquitetura. O coworking parece se firmar como o principal vínculo entre o trabalho tradicional e o remoto: onde um espaço de escritório é criado para ser utilizado coletivamente por trabalhadores remotos de diferentes empresas, pessoas que não tem condições de trabalhar de casa ou que preferem ter um contato mínimo com outros seres humanos mas acabam sendo forçadas à um isolamento domiciliar ou que simplemente não têm a possibilidade de escolher ir para o escritório – por que o seu contratante não tem um escritório.
Por outro lado, a revolução tecnológica e a consequentemente transformação dos meios de produção tem causado um impactado profundo em nosso modo de vida e relações de trabalho, provocando em última instancia, uma mudança determinante na maneira como nos relacionamos uns com os outros. Neste cenário, os arquitetos estão sendo impelidos a buscar respostas aos novos desafios, reinventado as tradicionais tipologias de espaços de vida e trabalho e pondo em cheque a tradicional divisão espacial entre estes dois âmbitos. A questão que levantamos aqui é o que poderíamos fazer com todo o estoque imobiliário de edifícios de escritórios se operássemos uma mudança de tais dimensões? Sería possível ressignificar e dar um novo uso aos tradicionais espaços de trabalho em edifícios corporativos que se amontoam nos centros de nossas cidades?
Ao longo da história recente, o tradicional ambiente de trabalho passou por uma série de transformações radicais em relação ao uso e organização do espaço e principalmente, em relação aos esquipamentos e tecnologias utilizadas cotidianamente. Os escritórios de planta livre surgiram como uma novidade ainda na década de 1940, e atualmente correspondem a 70% do total dos espaços de trabalho em edifícios de escritórios. Como uma consequência imediata da revolução tecnológica dos anos 90, os edifícios de planta livre com suas fachada repetitivas e impessoais, se multiplicaram aos montes, abarrotando as principais ruas de nossas cidades com soluções arquitetônicas tão banais quanto questionáveis. A partir dos anos 2000, a ascensão dos gigantes da tecnologia da era digital trouxe consigo uma nova concepção de espaço de trabalho, o qual é despretensioso e espontâneo, mesclando trabalho e diversão com a desculpa de resultar em uma maior produtividade de seus empregados.
A tendência é que a arquitetura de modo geral continue a evoluir, acompanhando as transformações tecnológicas e as mudanças que elas incorrem no nosso estilo de vida e em nossas relações de trabalho. A próxima revolução pode estar muito mais próxima do que a gente imagina, e quem sabe este seja o início do fim do tradicional espaço de trabalho e consequentemente, dos edifícios corporativos convencionais. Seja uma consequência da automatização dos meios de produção ou, como estivemos debatendo aqui, da popularização (talvez forçada) do trabalho remoto ou home office. Essa transição de um ambiente de trabalho coletivo e fundamentalmente presencial para uma condição de trabalho remota, não começou hoje e tampouco é uma mera consequência à ameaça provocada pela pandemia de coronavírus. Dito isto, esta quarentena forçada que a maioria de nós está experimentando hoje – e que provavelmente a grande maioria dos trabalhadores deverá experimentar ao longo dos próximos meses –, pode ironicamente ser um catalisador para uma profunda transformação na maneira como nos relacionamos uns com os outros, principalmente no ambiente de trabalho – se é que ele ainda continuará existindo da maneira como nós o conhecemos hoje.
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