Como o coronavírus está afetando o cotidiano dos arquitetos? Nossos leitores respondem

À medida em a China anuncia o fechamento de hospitais temporários em Wuhan em decorrência da diminuição dos casos de COVID-19 e estabilização da pandemia, países do ocidente assumem posturas cada vez mais restritivas para impedir que a epidemia se alastre. Em face das políticas de quarentena e isolamento impostas por autoridades do mundo todo, perguntamos aos nossos leitores como o coronavírus está afetando o cotidiano dos arquitetos. As respostas ajudam a compor um quadro geral do clima instaurado pela pandemia - e o modo como estamos lidando com ela.

A pesquisa abrangeu nossas plataformas em espanhol, inglês e português e contou com a participação de mais de 600 leitoras e leitoras. A maioria dos participantes tem entre 21 e 30 anos de idade (39%), seguido pelo grupo que tem entre 31 a 40 anos (29%). Na sequência, 13% dos que participaram da pesquisa têm entre 41 e 50 anos de idade e 9% têm entre 51 e 60. Menores de 20 anos contabilizaram 2% e maiores de 60 anos, 7%.

O regime de trabalho remoto, chamado comumente de home office, imposto por muitas firmas do mundo todo nas últimas semanas, não é novidade para a maioria dos participantes. Aproximadamente 65% das leitoras e leitores afirmaram já ter experiência com este tipo de rotina, mesmo que apenas em parte da jornada de trabalho. Para os demais, o home office é uma novidade que traz muitos desafios, seja em relação à disciplina ou à comunicação com os colegas de profissão. 

Comunicação e acesso remoto

Para muitos dos que participaram da pesquisa, um dos principais desafios do regime de home office é a falta de contato pessoal com os demais profissionais do escritório. A ideia de se manter em isolamento por um período indefinido de tempo, além de contribuir com a sensação geral de ansiedade, traz consigo consequências negativas também para o fluxo habitual de trabalho, exigindo maior esforço de comunicação entre todos e, consequentemente, melhores ferramentas para isso. Videochamadas, redes sociais e mesmo ligações telefônicas foram citadas como fundamentais para manter a sinergia entre os membros das equipes.

O acesso aos documentos de trabalho é outro fator determinante. Arquivos localizados em servidores na nuvem podem ser uma alternativa viável em tempos de trabalho remoto. A lentidão e instabilidade dos serviços de internet foi apontada por leitores de nossas três plataformas como grave fator desfavorável ao home office.

© Marc Goodwin

Disciplina e ritmo de trabalho

Outro desafio àqueles que passaram a trabalhar em casa é a dificuldade em manter o ritmo e disciplina laboral. Distrações causadas por outros membros da família - que também estão em casa agora -, animais de estimação, ruídos da vizinhança ou afazeres domésticos diversos foram citados como os principais incômodos ao trabalhar em casa. A falta de espaços dedicados ao trabalho exigiu também que parte dos leitores improvisassem pequenos escritórios na sala de estar ou quarto, fato que também é citado como empecilho para a concentração e ritmo de trabalho. 

A ausência de um limite concreto entre a vida doméstica e o trabalho parece preocupar parte dos leitores, que se veem trabalhando mais horas que o habitual agora que estão em casa. 

Recessão econômica

Dentre as preocupações dos leitores, a sombra de uma eventual recessão financeira de escala global talvez seja a mais alarmante. Projetos já iniciados estão tendo seguimento - até onde o trabalho remoto permitir - mas novos contratos não estão sendo fechados. Os clientes não querem assumir o compromisso de novos projetos, queixam-se muitos leitores. A previsão de uma crise de grande escala e a falta de investimentos no setor assombra arquitetos e outros profissionais da construção civil de muitos países e parece ser um problema que, ao menos por enquanto, é difícil de mensurar. 

Canteiro de obras

O home office pode ser a solução temporária para muitos arquitetos e designers, mas ele só funciona para parte dos processos envolvidos no setor da arquitetura. Enquanto que modelos virtuais e documentos na nuvem servem muito bem àqueles que permanecem em quarentena trabalhando de casa, edifícios são construídos com a força de trabalho de pessoas que precisam, efetivamente, ir ao canteiro de obras. Esta é uma verdade ainda absoluta na arquitetura, que se apresenta como um gargalo neste momento de crise. Para se fazer existir no mundo, a arquitetura precisa ser construída, e isso implica, necessariamente, interação social - precisamente o que nos é vetado pelo regime de quarentena e que pode ter consequências profundas na vida de alguns trabalhadores da construção civil.

Foto de Josue Isai Ramos Figueroa, via Unsplash

Trabalhar de casa em um país de terceiro mundo é um privilégio não compartilhado pela maioria mais pobre, a qual pertence nossa força de trabalho. E enquanto nós, arquitetos, podemos nos dar ao luxo de trabalhar em casa, nossa força de trabalho não pode, e tem que escolher entre ir trabalhar e se expor ao vírus ou praticar esse distanciamento social e permanecer em casa, privando-se de necessidades básicas, já que vive do trabalho e nossos governos carecem de iniciativas humanitárias para ajudá-la nesse momento. - Jeric Rustia, arquiteto filipino

Além disso, outro entrave é o congelamento de praticamente todos os trâmites municipais envolvidos na aprovação de projetos, impedindo não apenas o início de obras, mas também o seguimento de projetos que poderiam ser desenvolvidos em regime de trabalho remoto. 

Mais tempo disponível

Por outro lado, apesar da miríade de desafios e problemas impostos pelo isolamento, existem vantagens em trabalhar remotamente e elas foram muito bem lembradas pelos leitores que participaram da pesquisa. Não precisar se deslocar até o escritório - o que em cidades como São Paulo ou Nova Iorque, por exemplo, pode levar até duas horas - oferece ao trabalhador um tempo que antes não lhe era disponível para atividades que podem estar relacionadas ao lazer e bem estar (desde que dentro de casa!). Passar mais tempo com a família, cozinhar, ler e assistir a séries online são atividades que agora cabem na rotina, desde que o tempo de trabalho seja ministrado com disciplina a não exceda as horas regulares. 

Oportunidades de gestão

A maior oportunidade, no entanto, está em como subverter este momento de crise e repensar o modelo de trabalho que vem sendo replicado na grande maioria dos escritórios de arquitetura do mundo. Melhorar a comunicação remota, fazer uso de arquivos na nuvem, empregar modelos BIM de forma generalizada e qualquer outra mudança menor exige, na realidade, a revisão do modelo de gestão dos escritórios. Além disso, a própria noção de horas de trabalho está sendo colocada em xeque, uma vez que, em trabalho remoto, não importa se o profissional está diante do computador durante 8 horas diárias -  se a comunicação é satisfatória e os resultados (esperados e factíveis) são atingidos, a missão foi cumprida.

É preciso repensar completamente nosso papel como profissional de arquitetura. Seremos, todos, necessários nesse setor? Penso que não. Na Itália, somos 153 mil e a arquitetura ainda é vista como um serviço de luxo. O coronavírus mudará a mente e as prioridades das pessoas para o bem, e a minha também. Esta é uma ótima oportunidade para definir o que meu projeto está realmente trazendo de bom para a vida de outras pessoas. - Francesca Perani, arquiteta italiana.

O fim do começo

Como qualquer situação da vida, há muitas formas de enxergar a crise causada pela pandemia de COVID-19 no mundo. Para além da tremenda infelicidade das fatalidades, em especial na China e Itália, e de todos os revezes de ordem prática e econômica, a crise que estamos vivendo, vista a partir do prisma da arquitetura, pode ser o ponto de partida de uma transformação profunda nos modos de fazer de nossa disciplina. Temerários dos efeitos de uma possível recessão, nossos leitores, arquitetas e arquitetos de diferentes partes do globo, parecem buscar forças para acreditar em um futuro melhor e mais humano para a profissão.

Convidamos você a conferir a cobertura do ArchDaily relacionada ao COVID-19, ler nossas dicas e artigos sobre produtividade ao trabalhar em casa e aprender sobre recomendações técnicas de projetos para a saúde. Lembre-se também de checar os conselhos e informações mais recentes sobre o COVID-19 no site da Organização Pan-Americana da Saúde OPAS/OMS Brasil.

Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Como o coronavírus está afetando o cotidiano dos arquitetos? Nossos leitores respondem" 24 Mar 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/936045/como-o-coronavirus-esta-afetando-o-cotidiano-dos-arquitetos-nossos-leitores-respondem> ISSN 0719-8906

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