Como os arquitetos de hoje interpretam o design de interiores na China?

Como reflexo do comportamento humano, o espaço domiciliar não é apenas a personificação das convenções sociais e hábitos culturais de uma sociedade, mas fundamentalmente um espaço que transparece todas as nossas idiossincrasias. Desde o advento do modernismo, inúmeros arquitetos utilizaram o design de interiores como uma ferramenta para expressar suas principais teorias e conceitos em relação a arquitetura e o espaço. No projeto da Casa Vanna Venturi, Robert Venturi  optou por inserir componentes super-dimensionados em uma casa relativamente pequena, criando uma relação complexa e contraditória entre os seus elementos e o espaço. Na Villa Mairea, Alvar Aalto construiu uma casa “imperfeita”, como uma maneira de subverter os rígidos padrões estéticos impostos pelo funcionalismo. A Casa 2 LDK, projetada pelo vencedor do Prêmio Pritzker de 2012, o arquiteto chinês Wang Shu conseguiu inserir um pátio dentro de uma projeção de apenas cinquenta metros quadrados.

Na China, como resultado do recente e voraz processo de urbanização que transformou o país ao longo das últimas décadas, a maioria dos cidadãos foram forçados à viverem empilhados em apartamentos modulares e estandardizados, estruturas repetitivas construídas às pressas para atender uma demanda cada dia maior. Edifícios assépticos, desprovidos de escala, estilo e completamente desconectados de seus contextos específicos. Felizmente, até mesmo em um mar de estruturas estéreis, arquitetos se mantiveram fiéis aos seus conceitos e teorias, combatendo a padronização com criatividade e sagacidade. A equipe do ArchDaily China entrevistou quatro arquitetos de alguns dos mais importantes escritórios de arquitetura do país, incluindo o Atelier FCJZ, o Qiuye Jin Studio, o Atelier tao + c e o maison h, na esperança de revelar uma sutil diferença entre o significado de “habitação” e “casa”, e como eles têm lidado com estas estruturas altamente padronizadas ao desenvolver projetos específicos de interiores para seus clientes ao redor do país.

Yung Ho Chang / Atelier FCJZ

Para os chineses, espaços interiores não necessariamente são espaços fechados e cobertos. Um pátio pode ser considerado um espaço interior descoberto, por exemplo. Espaços interiores à céu aberto são muito comuns em todo o país, permitindo uma maior proximidade entre arquitetura e paisagem, entre à vida domestica e a natureza. Aqui no FCJZ, procuramos reinterpretar os elementos tradicionais da arquitetura chinesa e adaptá-los à realidade das cidades contemporâneas.

Concrete Vessel. Image © Fangfang Tian + Haier
Split House-Photo. Image © Asakawa Satoshi

No projeto da Split House, por exemplo, dividimos a estrutura da casa ao meio para incorporar a topografia do terreno no espaço “interior” da casa; na Vertical Glass House, por outro lado, utilizamos uma estrutura de piso de vidro em todos os pavimentos, transformando a casa em uma espécie de fosso de luz, onde tudo parece flutuar em meio a um pátio céu aberto; e finalmente, no projeto chamado de Concrete Vessel, embora o edifício esteja confinado entre quatro paredes de concreto, o espaço interior e exterior são praticamente inseparáveis. Para nós, cada vez mais, os espaços interiores não devem estar subordinados à funcionalidade, e sim definidos por seus graus de abertura e as relações que eles criam entre si.

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Qiuye Jin / Qiuye Jin Studio

Atualmente, a maioria dos espaços construídos seguem uma função específica. Em unidades pequenas, ou extremamente compactas entretanto, os espaços costumam servir a mais de uma função: com uma cama no lugar do sofá ou uma máquina de lavar junto à mesa de jantar. A hierarquia dos espaços domésticos está vivendo uma crise existencial, e as pequenas unidades são as que mais sofrem com isso. Na cidade de Pequim hoje, a média dos espaços dos apartamentos não chega aos trinta metros quadrados por habitante.

© Qiuye Jin

Para nós do Qiuye Jin Studio, o design de interiores pode ser resumido em quatro conceitos principais: organização do espaço, mobiliário, escala e ornamentos. Na arquitetura vernacular chinesa, os espaços domésticos eram bastante homogêneos e os móveis serviam para dividir e organizar o programa da casa. Quando este conceito chegou ao Japão, desenvolveu-se uma tendência inversa: com o espaço sendo transformado em mobiliário.

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Chunyan Cai e Tao Liu / Atelier tao+c

Para a maioria das pessoas que atualmente vivem abarrotadas nos centros das grandes cidades chinesas, os edifícios que elas habitam são irrelevantes, apenas um pano de fundo completamente deslocados de suas realidades. Embora estas unidades possam ser confundidas com casas, elas são na verdade uma espécie de depósitos de pessoas. O que constrói o espaço doméstico não é necessariamente a geometria da estrutura em si, mas o conjunto de rituais e hábitos familiares assim como os objetos pessoais que pessoas carregam consigo.

U-shaped room. Image © Fangfang Tian

Em nossa prática projetual, procuramos dar um novo significado à estes espaços impessoais e assépticos, combinando diferentes elementos e estratégias para melhor adaptá-los às reais demandas e hábitos dos seus usuários. Para o projeto de reforma de um apartamento mono-ambiente em forma de U, utilizamos uma única peça de mobiliário, a qual incorpora todos os requisitos funcionais da unidade, unificando e organizando os espaços da casa. Na Casa Biblioteca, por sua vez, utilizamos estantes de livros para definir os espaços da casa, uma estrutura onde o próprio mobiliário se transforma em casa. Uma biblioteca habitada.

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Martijn de Geus / maison h

A típica casa chinesa nem sempre é atrativa em sua forma exterior, tampouco confortável em seu interior. Por outro lado, os inconfundíveis edifícios modernos – que se amontoam no centros de nossas grandes cidades – desconsideram por completo as reais necessidades de seus usuários. Subvertendo a lógica de uma arquitetura funcionalista, onde o principal objetivo era fornecer aos usuários um espaço mínimo, prático e confortável – construídos através de sistemas construtivos modulares e soluções padronizadas –, os edifícios de apartamento de hoje sequer tem motivos para se vangloriar.

A nossa casa deve ser um lugar onde estão expressos os nossos principais valores como seres humanos. Nosso ambiente familiar é também o espaço onde vamos educar os nossos filhos. E isso faz com que todos nós arquitetos sejamos responsáveis também pelo futuro das próximas gerações.

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Sobre este autor
Cita: Han, Shuang. "Como os arquitetos de hoje interpretam o design de interiores na China?" 02 Abr 2020. ArchDaily Brasil. (Trad. Baratto, Romullo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/936213/como-os-arquitetos-de-hoje-interpretam-o-design-de-interiores-na-china> ISSN 0719-8906

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