A capacidade das legislações urbanas em alcançar resultados completamente diferentes daqueles previstos é notória. Como é de costume, as diversas experiências frustradas registradas em cidades pelo mundo não são suficientes para impedir que novas leis e regulações sejam postas em prática.
Se às vezes esses resultados são extremamente nocivos à cidade, na maioria das vezes a população local encontra uma maneira de lidar com as novas leis. Essa capacidade de adaptação, aliada à incapacidade dos legisladores em prever o resultado das suas leis, foi responsável pela criação e manutenção de características marcantes na arquitetura de algumas cidades.
Reunimos neste artigo alguns exemplos:
Amsterdã e suas casas estreitas
A capital dos Países Baixos é uma cidade peculiar não só pelos seus canais ou pela sua abordagem flexível em relação ao comércio de alguns produtos, mas também pelas características únicas da sua arquitetura. O exemplo clássico é o das casas excepcionalmente estreitas que podem ser vistas por toda a extensão dos seus canais. Essas casas, que costumam ser muito altas para compensar a extensão de sua fachada, têm na origem do seu estilo um mistério.
A explicação mais provável é que os terrenos foram delimitados e distribuídos dessa forma pelo governo da cidade, no século XVII. Outra explicação popular, mas não confirmada, é que os prédios são assim graças à instituição de um imposto pela largura do prédio, e não pela área construída. A cidade passava por um boom econômico e havia desenvolvido seu sistema de canais, e diversos comerciantes se mudaram para a base destes para facilitar o transporte de seus produtos. O pagamento de taxas mais altas trairia a lógica que os levaram a construir as casas nesse espaço em primeiro lugar — e o resultado, apesar de diferente do imaginado, é um dos cartões postais da cidade.
Cairo e suas construções inacabadas
Nos anos 50, o governo da cidade do Cairo buscava uma forma de incentivar seus cidadãos a terminar a construção de suas casas. A solução, além de simples, ajudaria a população mais pobre: o imposto sobre os imóveis da cidade só seria cobrado quando eles estivessem completos. Com o dinheiro economizado, os cidadãos poderiam terminar as obras com mais facilidade, o que elevaria o número de prédios finalizados na capital egípcia.
O resultado não poderia ser mais distante do imaginado. A cidade é até hoje repleta de prédios cinzas, incompletos e com pequenos cômodos inacabados, maneira que a população encontrou de evitar o imposto indefinidamente. A medida foi revista nos últimos anos, o que deve incentivar os donos dos imóveis a completar e disponibilizar no mercado os andares superiores (normalmente os que estavam “em reformas”) — mas é improvável que a já estabelecida estética da cidade mude tão cedo.
Montreal e suas escadas externas
A principal cidade francofônica das Américas também tem uma característica peculiar em sua arquitetura: as escadas externas “vazadas” que são encontradas em boa parte dos imóveis do seu centro urbano. Quem caminha pelo Plateau Mont-Royal pode observar uma série dessas em sequência.
Assim como as casas estreitas de Amsterdã, a origem das escadas de Montreal não é tão clara, mas é muito provável que esteja, também, em uma das legislações instauradas no início do século XX, época do crescimento econômico da então maior e mais pujante cidade canadense. À época, a administração estipulou uma distância mínima entre a fundação dos novos prédios e a calçada, limitando o espaço para construção. Como forma de aproveitar melhor seus terrenos, os moradores passaram a construir seus imóveis com as escadas do lado de fora.
Outras duas leis podem ter influenciado a popularização dessas escadas: em 1845 o voto era reservado para homens que tinham terra e para os locatários que tivessem uma entrada própria, incentivando as construções de outras entradas e de escadas que dessem acesso a estas. Outra legislação, de 1869, ajuda a explicar o fato das escadas serem abertas: a lei obrigava as pessoas a plantarem árvores do lado de fora das suas casas, e as escadas com vãos abriam espaço para as plantas.
Reino Unido e suas janelas cobertas
No Reino Unido do século XVIII, a ideia do governo ter acesso a informações pessoais como a renda de uma família era vista como uma afronta às liberdades civis. Isso dificultava em muito a cobrança dos impostos, em especial das famílias mais ricas. A solução, como sempre, foi tão lógica que parecia à prova de falhas: foi criada uma taxa por número de janelas. Dessa maneira, o taxman não precisaria invadir a privacidade de ninguém — era preciso apenas contar o número de janelas de uma residência para definir o valor a ser cobrado.
A essa altura já é possível imaginar o resultado. Para evitar a cobrança excedente de impostos, diversas famílias taparam as janelas de suas casas como puderam. O imposto, que ficou conhecido como “imposto sobre saúde” e “imposto sobre luz e ar”, viria a ser derrubado no meio do século seguinte, em meio a críticas intensas da população.
Com base em um artigo publicado em Caos Planejado.