Para a maioria dos moradores de São Paulo, favelas como Paraisópolis são um problema que deve ser enfrentado pela cidade. No entanto, quando se olha o processo de urbanização da cidade mais ao fundo, vemos que, apesar das dificuldades da região, ela tem muito a ensinar aos bairros nobres de São Paulo — como seu vizinho, o Morumbi.
Paraisópolis surgiu na década de 60, fruto de uma ocupação de famílias nordestinas que vinham à capital, muitas delas para trabalhar em construção civil. Enquanto São Paulo adotava uma série de regras e limitações para se construir na cidade, a comunidade crescia à margem das regras do Plano Diretor e do Código de Obras. Restrições como recuos frontais e laterais, coeficiente de aproveitamento ou zoneamento exclusivamente residenciais nunca foram um problema por ali.
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Em poucas décadas, a comunidade se tornaria a segunda maior favela de São Paulo e uma das maiores do Brasil. Segundo o IBGE, 43 mil pessoas moram na região, porém estimativas informais (e talvez mais precisas) apontam para mais de 100 mil habitantes divididos em cinco bairros internos.
O mais surpreendente deste processo é que Paraisópolis está estabelecida em uma área relativamente pequena. A região é de aproximadamente 0,8 quilômetros quadrados — metade do Parque Ibirapuera, por exemplo.
A poucos metros dali, o bairro do Morumbi foi construído de maneira absolutamente diferente. No primeiro processo de urbanização durante a década de 20, um grande terreno foi planejado para ser um condomínio de luxo formado por casas unifamiliares, uma espécie de Alphaville da Zona Sul de São Paulo.
Na segunda etapa, a região começou a ser ocupada por prédios que deveriam seguir as regras dos Planos Diretores mais recentes. A liberdade que sobrava na favela, faltava no asfalto. Apesar de ter sido verticalizado, o grande Morumbi (formado pelos bairros adjacentes como o Panamby) se tornou um lugar pouco denso, dadas as grandes áreas verdes e vazias entre os edifícios.
O levantamento do último Censo mostra que cerca de 32 mil pessoas moram no Morumbi em uma área de 11,4 quilômetros quadrados. Ou seja, Paraisópolis abriga 3 vezes mais pessoas em uma região 14 vezes menor, tendo uma densidade de 125 mil pessoas por quilômetro quadrado, enquanto no bairro vizinho são apenas 3 mil.
Quando tiramos as restrições para a construção, a tendência das grandes cidades é aproveitar os terrenos da melhor maneira possível, promovendo o adensamento em áreas bem localizadas.
E é esta a lição que precisamos aprender com as favelas brasileiras, apesar das diversas dificuldades que enfrentam essas regiões: quando tiramos as restrições para a construção, a tendência das grandes cidades é aproveitar os terrenos da melhor maneira possível, promovendo o adensamento em áreas bem localizadas.
Fazendo uma ilustração hipotética, se o centro expandido da cidade de São Paulo tivesse a densidade de Paraisópolis, 23,6 milhões de pessoas (praticamente o dobro da população de São Paulo) poderiam morar na região mais desejada da cidade. Nem o Morumbi e nem Paraisópolis existiriam neste cenário, já que ambos bairros têm a mesma causa: criamos uma série de restrições para se construir e a cidade começou a espraiar para longe do centro.
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Mas alguns leitores podem estar se perguntando: a saída é transformar São Paulo em uma grande Paraisópolis? Não, Paraisópolis está longe de ser um paraíso, mas nos mostra que tal demanda por espaço deveria poder ser atendida pelo mercado formal, o que nos leva a duas agendas que deveriam ser assumidas pelos gestores públicos brasileiros.
Paraisópolis está longe de ser um paraíso, mas nos mostra que tal demanda por espaço deveria poder ser atingida pelo mercado formal.
A primeira é levar o processo de urbanização para as favelas, formalizando o que já existe: o Brasil carece de um processo de urbanização social. Urbanizar as regiões que já estão ocupadas, respeitando o atual desenho urbano e levando infraestrutura adequada se torna uma alternativa mais barata e viável. Drenagem urbana, saneamento básico, regularização fundiária, pavimentação adequada e iluminação pública são essenciais neste processo. No entanto, pelo menos na cidade de São Paulo, esta pauta virou uma agenda perdida. Em Paraisópolis, por exemplo, a canalização do córrego do Antonico (uma das principais pautas locais) está paralisada desde 2008.
Do outro lado, a segunda consiste em facilitar o acesso à cidade formal: as restrições a se construir reduzem a oferta de imóveis nas principais regiões da cidade e também limitam os produtos imobiliários que podem ser construídos, inflacionando os preços e tornando inacessível à maior parte da população. Se um cidadão não tem condições de comprar o produto mínimo permitido no mercado formal, lhe resta apenas as alternativas do mercado informal. A revisão dessas regras é medida importantíssima para a democratização das cidades brasileiras no século XXI.
Paraisópolis já nos mostrou que, mesmo com os graves problemas de infraestrutura e regulação e sem grandes ferramentas como verticalizar, é possível adensar uma pequena região — mas para isso temos que acabar com a divisão entre cidade formal e informal, que cada vez mais amplia a segregação social existente.
Via Caos Planejado