Criança quer ir para a rua! O futuro dos espaços públicos para os pequenos

Só num mundo distópico poderíamos imaginar que nossas crianças não teriam permissão para brincar livremente na rua com seus amigos. Antes da pandemia, estávamos vivendo tempos de luta para que as crianças passassem mais tempo ao ar livre, em contato com a natureza, ocupando os espaços públicos. A maior parte de nossas crianças vive em contextos urbanos e no Brasil, por conta do sentimento de insegurança, brincar na rua para muitas famílias não é considerado uma opção.

Brincar ao ar livre traz diversos benefícios, tais como melhorias para a coordenação motora, além de contribuir para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social. Ainda pode reduzir a tristeza, a raiva e prevenir o estresse tóxico.

Frame de uma esquete do programa do Stephen Colbert : Uma criança entra no banheiro, escondida de seus cuidadores, para folhear uma revista, numa próxima cena vemos a criança apreciar imagens do espaço público e da natureza. O nome da revista: PlayOutside. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

A prefeita de Barcelona, Ada Colau, publicou recentemente em sua conta no Facebook um texto dizendo que estava preocupada com a saúde psicológica e emocional das crianças por conta do confinamento. Ao final da carta, dizia: “No esperéis más: Liberad a nuestros niños!” (Não esperem mais: liberem nossas crianças!).

As medidas de quarentena (lockdown) têm sido diferentes em cada país. Na Suécia, por exemplo, as escolas primárias sequer fecharam. Em Portugal, todas as escolas estão fechadas, mas as crianças podem fazer curtas caminhadas ao ar livre e exercícios, sempre acompanhadas de seus responsáveis e perto de casa. Na Espanha, as crianças até a semana passada, não tinham permissão para sair. 

Quando nossas crianças poderão voltar ao espaço público? Como elas irão viver e passar por essas três etapas: o agora; o período de transição; e o pós-COVID-19.  

O QUE PODEMOS FAZER AGORA? Já que não podemos deixar nossas casas ou podemos apenas sair muito rapidamente e lá fora tudo parece um não-lugar.

Playgroung do Jardim do Centro Cívico de Vila Nova de Gaia, Portugal. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

O  mais importante agora é manter a sanidade mental  – quem tem filho pequeno em casa sabe do que estou falando –  e ficarmos perto dos nossos afetos, nos conectarmos mais e mais com as pessoas de que gostamos. 

Jardim do Morro, Vila Nova de Gaia, Portugal. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

E como criar encontros significativos para as crianças nesses tempos de coronavírus? Se elas não podem frequentar as escolas, parquinhos ou qualquer equipamento público.

Passamos a nos conectar pela internet, a partir de interesses em comum. 

Todos os dias a @wendymac, desenhista do Brooklin, faz uma live ensinando crianças a desenhar, via instagram. Com aulas dinâmicas ela consegue segurar o público infantil.

A bambolê oficinas criou o grupo “Atividades para Crianças” no WhatsApp para que pais e cuidadores pudessem partilhar ideias de atividades infantis para que as crianças passem por essa quarentena da melhor forma possível. A proposta é trocar atividades e ideias que estão sendo feitas com as crianças e criar uma rede de apoio.

No projeto “First Steps Around the World”, professores de música de diferentes nacionalidades contam estórias e canções tradicionais de seu país de origem para as crianças.

São eventos pequenos, com poucos participantes,  nos quais as crianças podem se ver e ter o mais perto do que possa se chamar de um encontro real. É, a internet passou a ser nosso espaço de encontros e os encontros online passaram a fazer parte da nossa rotina, numa vontade de fazermos parte desse movimento #togetherapart .

E por ora fomos obrigados a criar um mundo alternativo temporário. Em Portugal, as crianças estão desenhando arco-íris e colocando na janela. A ideia é passar uma mensagem de esperança e de que tudo vai ficar bem (#vaificartudobem).

O arco-íris que desenhamos aqui em casa, em foto de Patrícia Campos. Não podíamos sair de casa, pois estávamos com sintomas, e ela nos trouxe comida e alguns mimos. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

Logo depois, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia usou esse símbolo para espalhar esperança.

Propaganda da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

Na Bélgica as escolas e parques estão fechados, mas as crianças podem sair para caminhar, acompanhadas de seus responsáveis e respeitando a distância física. Por lá, lançaram a caça ao urso, e, quando as crianças saem às ruas, são estimuladas a procurar por ursos nas janelas da vizinhança. Além da questão lúdica, a ideia é conectar as pessoas e integrar as comunidades. O cartaz está disponível para download em 20 línguas diferentes. #bearhunt

Urso na janela e cartaz “procura-se ursos”. Para baixar o arquivo do cartaz “procura-se ursos” é só acessar: http://berenjachtvooriedereen.be/. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

COMO TRAZER A NATUREZA PARA DENTRO DE CASA? Sem poder sair e morando nos grandes centros? 

Há lojas online que enviam uma caixa de atividades para crianças, algumas caixas trazem um kit com folhas secas, galhos, sementes e cascas secas para brincar. Caixas de brincadeiras com conteúdos da natureza podem ser uma boa opção para esse período em que não podemos circular. 

E nos locais em que as crianças ainda podem fazer caminhadas ao ar livre em seu bairro, o contato com qualquer natureza próxima de casa já é válido. 

Todos os dias esse gato preto vem nos visitar, passamos a alimentá-lo e com isso vieram as gaivotas. Nesses dias de confinamento ficamos à janela, observando-os se alimentar. O tempo tem outro significado. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

COMO MANTER A CIDADE VIVA E VIBRANTE PARA UMA CRIANÇA?

Há alguns anos atrás, o ilustrador Paul Middlewick passou a procurar animais nos mapas das linhas de metrô de Londres, o sucesso foi tanto, que criou o projeto Animals on the Underground, ressignificando os mapas através das suas qualidades.

Print screen do site www.animalsontheunderground.com. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

E se as crianças pudessem usar os mapas da cidade para realizar caminhadas à procura de animais e objetos, tal qual o projeto de Paul Middlewick?

A ideia é desafiar a criança a encontrar no mapa de seu bairro, personagens, animais ou objetos. As crianças poderiam fazer caminhadas individuais, utilizando um desses Apps de corrida ou passeio de bike que, ao final da jornada, mostra em imagem o desenho do percurso e essa imagem poderia ser compartilhada com amigos e vizinhos.

Isso faz com que as saídas para caminhadas sejam mais divertidas, estimula o jogo e a troca entre outras crianças.  Afinal, para que servem os mapas agora, se não estamos indo a lugar algum.

OUTRAS IDEIAS

Também é possível resgatar os murais de mensagens, como os dos projeto #beforeIdie, da artista Candy Chang. Cada um com seu giz podendo trocar mensagens, deixar textos e interagir com o espaço público de maneira segura e compartilhada.

Savannah, GA, EUA. Foto de © Trevor Coe. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

Para crianças maiores, que devem estar sentindo muita falta do espaço público e das áreas verdes, pode ser interessante fazer um plano para o futuro, perguntar o que elas querem fazer quando tudo passar, junto com os pais ou os amigos criar uma “to do list” para depois. Nesse sentido, o Instituto a Cidade Precisa de Você criou uma hashtag #saudadedarua para que as pessoas listem, falem, comentem coisas de que elas sentem saudade.

COMO SERÁ A TRANSIÇÃO DO CONFINAMENTO PARA UMA VOLTA AO USO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS?

As crianças são possíveis portadoras do vírus e, na maior parte dos casos, não apresentam sintomas. Escolas, parquinhos, casa de brincadeiras se tornam lugares arriscados para se frequentar. Com tudo isso, como será essa transição? Teremos receio de levar nossas crianças para locais com outras crianças? Evitaremos aglomerações? Evitaremos o transporte público?

Para os cuidadores nas creches, será um grande desafio quando todas as crianças voltarem à escola. Sabe como é a primeira semana de uma criança pequena na creche? Agora imagine uma sala cheia de crianças na primeira semana. Nos deixa pensando nos desafios que as escolas irão enfrentar e em como eles irão se preparar para esse retorno.  

Na China as coisas estão voltando, aos poucos, ao "novo normal" e o nível de vigilância   extrapola os padrões de uma democracia. Será que teremos algo parecido? Um teste rápido para entrar na escola e, se você está infectado, volta para casa? E para frequentar outros espaços públicos, seremos testados? 

A brasileira Rebecca Steinhoff, que vive com sua família na China, em Changzhou, cidade a 675km de Wuhan, relatou em sua conta no Instagram que, após 100 dias sem aulas, suas filhas voltaram à escola. Segundo seu relato, antes das crianças irem para a escola todos precisam medir a temperatura e gerar pelo celular um QR code de saúde, que deve ser encaminhado aos professores para verificação. Na porta da escola, todos passam por um scanner de temperatura e só depois dessa verificação as crianças podem entrar.

“Ao entrar na sala elas não sentam mais ao lado do amiguinho, agora sentam sozinhas. Os amigos ficam afastados uns dos outros. Não podem tirar a máscara e não podem abraçar os amigos. Durante o dia, as professoras trocam as máscaras das crianças e medem a temperatura de cada uma. Se a criança passar de 37°C vai para o hospital dentro da escola aguardar para medir a temperatura novamente”.

Foto de @eunachina com o que ela chamou de “kit pandemia”, composto por máscaras, toalha de rosto, toalha para bandeja de comida, lenço de papel para banheiro, lenço umedecido para banheiro e para limpar a mesa da sala de aula, álcool gel, talheres para almoço e saco de lixo. ImageCortesia de Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você

Minha filha  tem dois anos e uma ânsia de desbravar o mundo, conhecer coisas novas, se aventurar, o que é normal em toda criança. Elas possuem a habilidade de transgredir as regras e ressignificar os lugares e as coisas e por aqui não é diferente: rolar e lamber o chão da rua é uma das dinâmicas que acontecem nas nossas saídas. Uma tática que usamos em duas das nossas saídas, para ela não sair pegando em tudo e rolando pelo chão, foi falar para ela levar um carrinho de boneca para passear, então nesse passeio ela anda, acelera, para, mas sempre com o carrinho nas mãos, cuidando para que sua boneca não caia. Depois de 30 dias sem pisar no chão da rua, ela saiu correndo e gritando: “Eu gosto de casa, eu gosto de prédio, eu gosto de árvore, eu gosto de céu”. Foi um momento emocionante.

E O PÓS-COVID-19?

Quando as crianças poderão viver a cidade de novo? Os equipamentos públicos e culturais que já não fazem mais parte da nossa rotina farão sentido num futuro próximo?  Como será os aspectos dos novos parquinhos? Iremos desenhar espaços de convivência pensando no distanciamento físico?

Estamos todos pensando o que faremos depois, nos projetos para adiante. Temos de ficar atentos e revisar esses projetos, porque o depois não vai ser a mesma coisa. Ideias como "desemparedamento" da infância, pensar a cidade como território educativo, brincadeiras ao ar livre e aproximação da natureza: como elas serão encaixadas no novo normal? 

São questões em aberto que nos trazem muitas reflexões, uma coisa é certa, mais que resilientes, precisaremos nos reinventar.

Escrito por Vanessa Espínola via Instituto a Cidade Precisa de Você.
Esse ensaio faz parte da campanha #saudadedarua. Confira mais sobre no Instagram @acidadeprecisadevoce.

Vanessa Espínola é designer generalista, mestre em comunicação e semiótica (PUC-SP) com dissertação sobre poéticas e ativismo no espaço público. Atuou em projetos de intervenção urbana e na implementação dos parklets na cidade de São Paulo. Vanessa também faz parte do Instituto a Cidade Precisa de Você e facilita sessões de co-criação e oficinas criativas sobre cidadania ativa e sustentabilidade com o público infantil.

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Sobre este autor
Cita: Vanessa Espínola. "Criança quer ir para a rua! O futuro dos espaços públicos para os pequenos" 07 Mai 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/938923/crianca-quer-ir-para-a-rua-o-futuro-dos-espacos-publicos-para-os-pequenos> ISSN 0719-8906

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