Nós, arquitetas e arquitetos, nos propusemos a refletir sobre os espaços domésticos, protagonistas dos tempos de quarentena que estamos todos atravessando. Nossas reflexões buscam iluminar algumas melhorias viáveis para o bem-estar de pelo menos parte dos moradores da metrópole a partir de nossa própria vivência e se soma a outras tantas iniciativas que repensam a cidade e a moradia no contexto atual.
Percebemos que todos nós (com ‘nós’ nos referimos à equipe do escritório de arquitetura GOAA - Gusmão Otero Arquitetos Associados) moramos em edifícios construídos há décadas, com espaços e elementos construtivos que, em alguma medida, poderiam ser melhor aproveitados, sobretudo numa situação extrema como esta. O censo de 2010 do município de São Paulo nos mostra que não somos uma exceção: o número pessoas residentes em apartamentos totaliza quase um terço do total da população.
Sabemos e acreditamos que a cidade, a rua e os espaços públicos são locais privilegiados de encontro e do lazer, mas tendo em vista o momento único, onde as recomendações de segurança dizem para ficar em casa, a ideia aqui é repensar este edifício em que moramos isoladamente.
Partimos, portanto, do patrimônio já construído e sua possível adaptação (com soluções técnicas viáveis) para criar espaços que supram melhor as nossas necessidades. Não estamos propondo uma transformação radical da cidade, mas soluções simples que reconfigurem o espaço doméstico. O objetivo ainda é que estas ideias estimulem o imaginário para além da pandemia e contribuam para repensar o próprio desenho básico do edifício habitacional.
As ideias não são novas, nossa proposta é condensá-las, dividindo nosso objeto de análise (o edifício habitacional) em três partes constituintes do todo: a cabeça, o tronco e os pés.
Desde o princípio, fomos inspirados por imagens que circulam de pessoas que, isoladas dentro de seus apartamentos, passaram a fazer novas ginásticas à procura de sol, seja se esticando na sala do seu apartamento ou ocupando espaços alternativos do edifício, espaços não projetados para o uso, como quebra-sóis e marquises.
Cabeça
Começando pela cabeça do nosso objeto, estas imagens nos lembraram que muitas coberturas estão subutilizadas, ocupadas por áreas técnicas e caixas d´água: áreas de puro telhado que poderiam virar pátios bem iluminados para um banho de sol, ambientes de expansão dos horizontes, ampliação das perspectivas visuais, convívio, repouso a céu aberto, atividade física, ócio e lazer.
Assim como nas frequentadas lajes da periferia brasileira, sabemos que em alguns glamourosos edifícios da década de 1950/1960 esses espaços já são muito bem aproveitados. Estimulamos aqui que cada um pense: como é ocupada a cobertura do edifício onde mora? Como com algumas pequenas adequações ela pode se transformar em um espaço generoso de deleite ao ar livre?
Tronco
Num sentido semelhante, o tronco dos edifícios, a fachada que relaciona o ambiente interno ao externo, poderia ser revisto: como o seu apartamento se relaciona com o exterior?
Vemos que são bastante comuns janelas pequenas, metade fechadas por uma veneziana. Repensar estas aberturas para aumentar o contato com a rua, o sol e a claridade traria muitos benefícios para todos. A maioria dos edifícios já construídos possibilitam ainda aumentar as janelas e, em muitos casos, até incorporar novas varandas – respeitando a legislação vigente e o consentimento entre todos os condôminos.
Espaços para manifestações públicas, tomar sol e contato com o outro, a fachada do edifício é um objeto de análise que nos propusemos a repensar. Qual é o cômodo da sua casa que entra mais sol? Você gostaria de uma janela maior no seu dormitório? E uma varanda ensolarada?
Pés
Finalmente, no térreo do edifício, nos seus pés, também encontramos algumas soluções arquitetônicas que poderiam melhor atender às atuais necessidades. Possivelmente, se você mora em um edifício vertical, ele tem um salão de festas que é subutilizado ou uma academia que na maior parte do tempo fica às moscas.
Com uma reforma de interiores simples estes espaços poderiam se transformar em espaços de uso compartilhado entre os moradores, como áreas de recreação infantil ou para receber reuniões de trabalho. Até mesmo, pensando em momentos futuros de reocupação da cidade, o térreo poderia se abrir para a rua para receber um estabelecimento comercial, como uma creche ou um café, que além de alimentar o logradouro público também ajudam a abaixar a conta condominial.
Aproveitar o patrimônio já constituído subutilizado é uma atitude que por si só já é sustentável, economizando energia e investimentos desnecessários em novas construções. Como é ocupado o térreo do seu edifício? O que você gostaria que lá tivesse?
Em suma, propomos um jogo de armar, dividido nessas 3 partes do edifício (cabeça, tronco e pés), elementos que podem ser incorporados, em cada caso, num horizonte de melhoria dos espaço domésticos. Embora essa reflexão tenha sido elaborada a partir de um momento específico e temporário, nos sentimos instigados a pensar sobre o espaço em que habitamos, trazendo algumas possibilidades de transformação.
O contexto pode ser pontual e passageiro mas aponta para mudanças necessárias. O momento atual nos permite olhar para o nosso habitat de uma nova maneira e talvez catalisar intervenções que sempre foram necessárias mas que agora se tornam urgentes. Estas podem ir da simples abertura de uma janela, a uma transformação radical do edifício e, esperamos, a um pensamento mais amplo e inclusivo sobre a cidade.
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