Quando se é internado no hospital, entra-se numa experiência de angústia e incertezas. No momento em que sobreviver é o único objetivo, atributos estéticos parecem irrelevantes e a análise da ambiência do espaço hospitalar pode parecer um capricho inoportuno.
Entretanto, estar numa Unidade de Terapia Intensiva pode ser ainda mais aflitivo se o paciente não tem uma janela que indique se é dia ou noite. Ou quando, no momento da triagem do primeiro diagnóstico, a pessoa passa por corredores estreitos e uma sequência de saletas fechadas para os primeiros contatos com plantonistas e enfermeiros: um verdadeiro labirinto.
Não precisaria ser assim, mas esta é a realidade da grande maioria dos hospitais no país, desde os públicos até muitos particulares que atendem a caros planos de saúde.
Com um certo grau de casualidade, em meio à crise do coronavírus, será inaugurado no próximo dia 14 de maio o mais notável projeto hospitalar público no país em mais de uma década. O Brasil já teve um know-how de excepcionais centros de saúde concebidos por grandes projetistas como João Filgueiras Lima (Lelé) e Jarbas Karman. Agora, a excelência arquitetônica é retomada no Hospital de Urgências de São Bernardo do Campo, de autoria do arquiteto Angelo Bucci e seu escritório SPBR.
O edifício pode ser imenso – 185 metros de comprimento –, mas a organização espacial permite que médicos e pacientes tenham instintivamente a noção de onde se encontram no interior do hospital.
São vários os fatores que fazem deste edifício público o anti-labirinto. Há o aspecto funcionalista: a distribuição lógica dos diferentes setores. Igualmente decisivos são os eixos nos seis pavimentos de atendimento que operam como índices claros para as leituras dos indivíduos de seus respectivos posicionamentos no interior do edifício: em termos mais simples, corredores lineares de largura generosa que atravessam toda a extensão do prédio.
Não se sentir perdido também é virtude da transparência das fachadas de vidro, gerando planos com vista plena para o lado de fora – de piso a teto e em toda largura nos quartos de internação, UTIs e salas cirúrgicas. Esta relação visual com a cidade – índice essencial aos enfermos de percepção e pertencimento ao mundo ao redor – repete-se nas extremidades das áreas de circulação.
A frente principal do hospital se dá pela rua Joaquim Nabuco, onde está a porta da recepção aberta ao atendimento de qualquer cidadão. Na fachada oposta, há uma via de acesso restrito a ambulâncias e funcionários.
Ambas as entradas estão no meio do edifício. Próxima a elas, no térreo, está a Unidade de Decisão Clínica (UDC), na qual se identifica o enfermo pelo grau de risco. Bucci explica que “a gravidade de atendimentos vai decrescendo do centro, onde o paciente acessa, até as extremidades do edifício” para onde vão os casos menos complexos.
O pavimento imediatamente acima é o andar crítico, com salas de cirurgia e UTIs. O arquiteto destaca: “A proximidade nesse caso é extremamente importante.” Principalmente na chegada de pessoas com ferimentos graves.
Esses primeiros andares descritos conformam um embasamento facilmente cognoscível nas ruas ao redor. Acima dele, destaca-se um trecho do edifício que parece ser um prédio à parte. Esta pronunciada distinção formal antecipa sugestivamente ao cidadão, ainda do lado de fora, como pode vir a ser o funcionamento do interior do hospital – uma informação prévia sutil porém fundamental para entrarmos confiantes no imenso não-labirinto.
A parte superior é a lâmina dos três andares de internação, visualmente marcada pelos brises de chapas metálicas brancas. Estes protegem os quartos da incidência direta de raios solares, de modo que esses postos de internação hospitalar não precisam de ar-condicionado, “mantendo a performance térmica ao longo do ano”, como atentou Bucci. A redução dos gastos de energia e de equipamentos na construção é resposta sensata às limitações de verba pública no país.
Isto não inviabiliza que os quartos sejam espaçosos, com pés-direitos de mais de três metros de altura e com soluções inteligentes dentro das regras: cada quarto precisa ter quatro leitos, mas, ao posicionar o banheiro no meio, tem-se a sensação de somente dois pacientes no ambiente.
Entre o embasamento e o bloco superior de internações, há o terraço. O espaço ao ar livre destina-se ao descanso de médicos e demais funcionários em intervalos e horários de refeição, sem serem abordados por pacientes e parentes naturalmente angustiados. Ambientes para relaxamento da equipe de saúde também são importantes para o tratamento médico.
As características do hospital de São Bernardo passam a fazer parte de um receituário arquitetônico para unidades de saúde em todo mundo. Todavia, no momento de pandemia global, o que atende a urgência são os hospitais de campanha.
Existem arquitetos e empresas com projetos de pré-fabricados desenvolvidos para essas conjunturas emergenciais.
Por exemplo, o japonês Shigeru Ban desenvolveu módulos de rápida montagem com o reaproveitamento de bobinas de papelão como estrutura. Ele aplicou esta técnica tanto em campos de refugiados em Ruanda quanto para atendimento após o terremoto e acidente nuclear de Fukushima em 2011.
Há empresas internacionais, como a Weatherhaven, que detêm acervos de projetos e equipamentos para montar, em poucos dias, hospitais em tendas de lona e armação metálica. Assim fizeram no Haiti pós-terremoto de 2010, com o arquiteto carioca Pedro Évora.
O problema é a escala dessa crise global. Nunca se cogitou um estoque de estruturas de hospitais de campanha suficiente para suprimir uma crise sanitária em todos os continentes.
A solução está sendo utilizar estruturas genéricas de eventos temporários, disponíveis em quantidade e rapidez, adequando-as com instalações elétricas, de água e oxigênio, para implantar posições de atendimento hospitalar.
A celeridade da COVID-19 praticamente extingue o tempo de planejamento arquitetônico: complexos trabalhos de meses são feitos em um fim de semana. Na pressa, imperam as demandas técnicas elementares e a busca do maior número possível de leitos.
Assistimos assim à conversão de centros de convenções e estádios de futebol em centros de atendimento a pacientes do coronavírus. Arquiteturas que, por princípio, são de grandes e alegres reuniões de pessoas demonstram-se espaçosas para apartar e curar os enfermos.
Tal como o Anhembi, também se transformaram em hospitais temporários o Palácio dos Festivais de Cannes, o Javits Center de Nova York e os pavilhões onde ocorrem a feira de arte Arco, em Madri. Todos eles nos sugerem uma imagem algo semelhante ao labirinto no qual Dédalos aprisionou o Minotauro em Creta: um gigantesco grid de quartos hospitalares em que não se enxerga direito a saída.
Convidamos você a conferir a cobertura do ArchDaily relacionada ao COVID-19, ler nossas dicas e artigos sobre produtividade ao trabalhar em casa e aprender sobre recomendações técnicas de projetos para a saúde. Lembre-se também de checar os conselhos e informações mais recentes sobre o COVID-19 no site da Organização Pan-Americana da Saúde OPAS/OMS Brasil.