Qual é a parcela de culpa da arquitetura nas mudanças climáticas?
Foi com esta seríssima pergunta que decidimos iniciar o debate com os nossos leitores, e a quantidade de respostas recebidas impressionou a todos. Depois de ler e compilar os comentários enviados tanto por profissionais da industria da construção, estudantes e pessoas interessadas, chegamos à conclusão de que nas escolas de arquitetura, pouco se fala à respeito das características e propriedades físicas dos materiais assim como sobre custo energético agregado a estes.
Em uma recente entrevista com o escritório de arquitetura argentino BAAG, ouvimos a seguinte reflexão: “não apenas estamos interessados em utilizar determinados tipos de materiais, mas também procuramos entender de que maneira eles são produzidos, de onde são extraídos e como se dá este processo, assim como qual o custo energético agregado e quem o comercializa. É preciso pensar na pegada dos materiais que utilizamos em nossos projetos, em sua durabilidade e de que maneira ele reage às intempéries e envelhece com o passar dos anos. Procuramos refletir sobre as qualidades intrínsecas aos materiais, o que é que eles nos permitem construir, qual o seu significado e como as pessoas os enxergam.”
Muitas vezes, parece que a nossa escolha por um ou outro material está baseada apenas em uma questão de interesse comercial, econômico ou estético. Os critérios que nos levam a eleger e empregar alguns materiais em detrimento de outros, infelizmente não carregam consigo nenhuma sabedoria adquirida na universidade – porque ninguém nos ensina – ou na prática profissional, tampouco estão amparados por critérios ideológicos ou políticos.
Ponto de vista 1:
A academia não está fazendo a sua parte
“A academia é cúmplice ao fomentar projetos baseados majoritariamente no uso de materiais com uma alta pegada energética, ao não discutir de forma consciente o custo agregado dos materiais e principalmente quando não prioriza a eficiência energética e a sustentabilidade na arquitetura em seus currículos.” Escreveu um de nossos assíduos leitores, enquanto outros afirmam que, de forma geral, o ensino da arquitetura ainda hoje opera profundamente enraizado em preceitos modernistas que “por sua própria geometria e materialidade – ao contrário da arquitetura vernácula – não é capaz de adaptar-se à natureza.”
Outro leitor foi ainda mais categórico: “há um completo descaso e ignorância à respeito dos processos de produção dos materiais utilizados na construção civil,” e que se faz necessário abordar com maior profundidade “a atuação política na micro-escala, com as pequenas ações individuais que podemos fazer; como privilegiar o uso de materiais locais, minimizando os custos com transporte ou priorizar o reuso adaptativo de estruturas existentes.”
Punto de vista 2:
Materiais aparentes: moda ou necessidade?
No que se refere à atuação profissional, alguns dos nossos leitores comentam que na “maioria dos casos, somente buscamos agradar aos nossos clientes, desconsiderando o enorme impacto que as nossas decisões de projeto podem causar quando pensamos não em um, mas nas centenas e milhares de edifícios construídos todos os dias ao redor do mundo.”
Como arquitetos, ao buscar atender apenas as necessidades individuais, talvez por medo de perder “clientes” ou “projetos”, deixamos de lado nosso compromisso ético sem prestar atenção aos danos que podemos causar à outras pessoas.
Frente às solicitações que nos são impostas, também “nos tornamos cúmplices do próprio mercado, menosprezamos o vernáculo à favor de uma arquitetura de capa de revista.” Neste sentido, “os arquitetos são também responsáveis pelo aparecimento ou desaparecimento de determinados tipos de materiais” e “na corrida para ver quem ganha mais gastando menos, materiais sintéticos e baratos estão ganhando cada vez mais espaço no mercado.”
A arquitetura, quando bem pensada, nunca representou um problema para o meio ambiente.
Em muitos casos, lamentavelmente, na prática isso se traduz como “o barato sai caro”, pois “na hora de tomarmos nossas decisões de projeto estamos sempre procuramos por soluções cada vez mais econômicas.”
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“O principal problema é a desconsideração por materiais locais na hora de projetar, uma prática na qual predomina o fator econômico, parâmetro que por si só seria compreensível. Mas quando decidimos utilizar materiais fabricados do outro lado do mundo, gerando um consumo desnecessário de recursos, estamos incentivando a universalização de soluções arquitetônicas em detrimento de uma linguagem própria do lugar.”
Ponto de vista 3:
Construir mais significa extrair mais
Se nossas cidades continuarem crescendo à esse ritmo vertiginoso, alguém vai precisar inventar novas formas para construí-las – e isso significa que alguém deverá decidir quais materiais poderemos utilizar e quais não.
“São as pessoas que contribuem para o agravamento das mudanças climáticas, acima de tudo aquelas que tem muito poder – ou diga-se dinheiro –, as quais são responsáveis por definir o rumo que o nosso planeta está tomando, digo isso sem rodeios. A arquitetura, por sua parte, é uma mera ferramenta utilizada para dar forma ao modelo de negócio que estas pessoas procuram vender.” Neste sentido, o que se observa é “a construção massiva de edifícios e casas a um custo ambiental altíssimo, o qual as autoridades locais fazem questão de ignorar.”
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“As restrições com as quais comumente nos deparamos no dia-a-dia da prática profissional apenas se referem ao âmbito territorial, deixando a desejar no que diz respeito à questões relativas à salvaguarda do meio ambiente. Códigos de obras e suas normativas deveriam ser mais restritivos em relação à isso, principalmente porque até o nosso menor movimento pode causar danos irreparáveis a uma série de ecossistemas.”
São poucos aqueles arquitetos que se preocupam pelos resíduos gerados pela construção civil, ou pela origem dos materiais que eles utilizam em suas obras.
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