Recentemente, perguntamos aos nossos leitores qual cenário de videogame os impressionava mais em termos de imagem ou visualização e por quê. Recebemos centenas de respostas, as quais apontavam nas mais variadas direções, deixando claro que não há um consenso ou um elemento unânime responsável pelo sucesso de um jogo entre os nossos leitores. Fato é que, o ambiente virtual é a chave para o sucesso ou o fracasso de um sistema de simulação baseado na experiência do usuário.
A arquitetura de um ambiente virtual, representa muito mais do que um mero pano de fundo de uma cidade imaginária ou a representação de um cenário existente, ela é, na verdade, um componente fundamental capaz de transportar os usuários para dentro do jogo, transcendendo os limites entre realidade e virtualidade – e adicionando uma dose extra de adrenalina.
(CUIDADO: os vídeos e imagens apresentados neste artigo podem provocar convulsões em pessoas com epilepsia fotossensível)
Quando questionado à respeito da importância da arquitetura de ambientes virtuais, Thiago Klafke, artista e criador de cenários da Blizzard Entertainment, compartilhou algumas de suas opiniões com o ArchDaily:
TK: Acredito que o objetivo de um artista de cenários e ambientes virtuais é transportar temporariamente o usuário para dentro de uma realidade outra. Um ambiente bem articulado tem o poder de transmitir uma série de sentimentos e emoções. Esta realidade outra é composta por infinitos elementos e detalhes que podem escapar aos olhos destreinados, mas que definitivamente, são responsáveis por produzir esta sensação de “entrar no jogo”. Porque ao projetar estes cenários, estamos dando forma a um mundo de ficção, e isso nos dá total liberdade para projetar estes espaços de uma forma que potencialize a narrativa que queremos construir. Podemos mudar as coisas de lugar, projetar edifícios e estruturas impossíveis, compondo sequências espaciais que não necessariamente fazem sentido, mas capazes de transmitir a sensação exata que queremos despertar no usuário. Entretanto, este poder ilimitado que nos é outorgado pode ser uma faca de dois gumes, isso significa que se formos longe de mais e nos afastarmos muito da realidade como ela é, todo o encanto será perdido.
TK: Na maioria das vezes, porém, o cenário de um ambiente virtual opera meramente como uma referência, uma espécie de guia que permitirá ao usuário navegar facilmente pelo espaço virtual. Às vezes basta inserir um único ponto de luz em um canto escuro, ou um edifício imponente no horizonte. Nada pode ser mais irritante do que não saber o que fazer nem para onde ir! Há momentos também, onde o cenário é tão exuberante que acaba distraindo o usuário que vai sendo levado pelo encanto da imagem. Por um brevíssimo período de tempo, toda a fantasia parece suspensa no ar, e o jogador se vê, de fato, habitando outra realidade. Isso acontece com aqueles que passam horas “do outro lado”, o que para nós, desenhistas de ambientes virtuais, é algo mágico de assistir.
De um ponto de vista objetivo, cenários de jogos podem ser mais ou menos “arquitetônicos”. De uma maneira ou outra, ambientes virtuais também são “espaços construídos”, ainda que virtualmente. Guardadas as devidas proporções, os ambientes 3D criados para jogos de videogame são a imagem e semelhança dos nossos projetos de arquitetura. Se existe um valor que devemos reconhecer nesta prática, como arquitetos, não é a precisão dos edifícios e ambientes em si ou a qualidade gráfica, na verdade, o que faz destes cenários virtuais tão atrativos ao olho humano é o seu poder de construir narrativas: a experiência de navegar entre o ponto A e o ponto B, interagindo com o espaço e com os personagens que ali habitam.
Utilizando novas tecnologias e softwares de última geração, designers de cenários e ambientes virtuais estão redefinindo os próprios limites da representação do espaço e da arquitetura. Não muito diferente da arquitetura per se, os espaços virtuais também são capazes de transmitir sensações e despertar as mais variadas emoções nos usuários. Segundo Benjamin Cordero, back-end developer do ArchDaily e também ex-projetista de games, a arquitetura de ambientes virtuais nasce de uma mistura entre o que é real, ou que se pretende como realidade, e o que é imaginário, fruto da inventividade da mente humana. Não obstante, há uma grande diferença entre a experiência física e virtual do espaço, e o principal problema com que os designers de games precisam lidar em seu trabalho é como apropriar-se da arquitetura para construir uma experiência que em determinados momentos avulta essa diferença, e em outros, as sobrepõe de forma a desfocar as suas dessemelhanças. O objetivo é arquitetar uma experiência super imersiva e envolvente, na qual o usuário tem seus sentidos estimulados ao máximo ao ponto de transcender a sensação de realidade.
Entretanto, é evidente que existem muitas diferenças entre a arquitetura como ela é, aquela que experimentamos com todos os nossos sentidos através de um corpo físico, e a aquela do mundo virtual, que se revela através de imagens e é intimamente dependente do sentido da visão. Neste sentido, de que maneira a experiência física do espaço pode servir de inspiração para a criação desta outra arquitetura?
Em primeiro lugar é preciso observar as tipologias construídas que habitam as nossas cidades e como as pessoas interagem com elas. De forma simplificada, as tipologias de uma cidades podem ser vistas como espaços positivos e negativos – sendo os edifícios os elementos “cheios” e os espaços abertos os “vazios”. Neste sentido, os domínios públicos e privados são igualmente importantes para a experiência do usuário, seja no âmbito físico ou virtual. Uma rua completamente deserta ou um edifício em ruínas podem ser utilizados para transmitir uma sensação de “mistério” ou “ambiguidade”. Tomemos como exemplo uma cena qualquer do Walking Dead ou Assassin's Creed: a intenção dos projetistas destes jogos é que os usuários experimentem uma sensação de incerteza para que o próximo passo não seja tão óbvio, convidando-os a explorar os espaços criados com tanto esmero pelos desenhistas de cenários. Por outro lado, é importante que o usuário não se perca a cada esquina, por isso os designers muitas vezes “editam” o espaço, afunilando ruas ou adicionando elementos que possam chamar a sua atenção.
Em praticamente todos os videojogos, elementos espaciais são manipulados a todo momento para construir uma narrativa que faça sentido para quem está jogando. Materiais, texturas e acabamentos desempenham um papel fundamental na forma como os jogadores percebem os espaços. Se você deseja criar uma sensação de peso, você pode carregar o ambiente com estruturas “volumosas”, se a intenção é destacar um único elemento, criar contraste entre os componentes do cenário é uma ótima solução. É aqui que entra em jogo o design de interiores (nos desculpem pelo trocadilho). Como os projetistas constroem ambientes tridimensionais e não apenas gráficos em duas dimensões, princípios básicos de design de interiores são extremamente úteis para ajudar os usuários a entenderem o espaço e como navegar nele; ordem ou orientação, para que o jogador possa se situar no espaço, complexidade, para que o usuário se sinta transportado para dentro do espaço do jogo, e expressão, ou a construção de uma narrativa capaz de despertar as mais variadas sensações em quem está jogando. Todos esses princípios devem estar em perfeita harmonia para que a experiência virtual funcione e cative o jogador.
Thiago Klafke: Você não precisa ter um diploma de arquitetura para ser um bom projetista de ambientes virtuais, mas se você o tiver, isso pode ser um enorme diferencial! No mundo virtual não existem limitações para a sua criatividade, podemos criar tudo aquilo que somos capazes de imaginar, sem ter que lidar com a ação da gravidade, custos, mão-de-obra, etc... Tudo o que você propor pode se tornar “realidade”, desde que seu ambiente funcione. Quando dotado de “jogabilidade”, nossos cenários estão prontos para ganhar o mundo e construir um universo na mente de nossos usuários! Isso é fascinante, e eu realmente acredito que outros arquitetos deveriam ao menos tentar explorar este caminho. É uma forma de liberar a sua criatividade. Caso você esteja pensando em tentar a sorte, há uma série de recursos disponíveis na internet. É muito provável que tudo pareça muito confuso no início, por isso, eu decidi criar um tutorial para ajudá-los. Neste vídeo você pode acompanhar todo o meu processo de criação, acompanhando todos os passos e com dicas e comentários que podem ser muito úteis para quem está começando. Eu explico alguns conceitos importantes como modularidade, iluminação, e como criar seus próprios materiais utilizando o Photoshop. Para aqueles que estiverem interessados em explorar uma outra faceta da arquitetura, todos os leitores do ArchDaily contam com um desconto de 10%, basta acessar aqui.
Ao longo dos últimos anos os videogames se transformaram em ótimos aliados daqueles arquitetos que procuram pensar fora da caixa. Vasculhando em projetos utópicos e propostas nunca construídas, alguns arquitetos buscaram inspiração na maneira como esses projetistas pensavam o espaço de forma vanguardista, transportando alguns destes conceitos para o mundo virtual. Sandra Youkhana e Luke Caspar Pearson do escritório de arquitetura You+Pea, após desenvolverem uma série de pesquisas à respeito do papel da arquitetura no projeto de cenários e ambientes virtuais para jogos, concluíram que, até mesmo os jogos mais realistas “transformam a realidade em torno de uma forma muito específica de se ver e se envolver com o espaço, no sentido de que se parecem muito com a arquitetura do mundo real, até mesmo quando procuram se afastar da realidade. Dados relacionadas à percepção do espaço e do tempo, assim como a sensação de ‘habitar o espaço’ são constantemente questionadas no mundo virtual, nós vemos o design de ambientes virtuais como uma forma de pensar um outro mundo, uma ferramenta a qual poderíamos utilizar para criticar a maneira como construímos as nossas cidades físicas e desafiar suas estruturas de poder.” O You+Pea lançou recentemente um programa de mestrado intitulado “Videogame Urbanism,” no qual os alunos aprendem a utilizar tecnologias de games para conceber e desenvolver projetos de urbanismo.
Recursos
- Interior Design and Environment Art: Mastering Space, Mastering Place por Dan Cox
- Level Design Workshop: Architecture in Level Design por Claire Hosking