A infraestrutura de drenagem urbana existente em grande parte das cidades, principalmente as brasileiras, já se encontram obsoletas, sendo assim, necessário sua expansão e adequação. Mas para isso, é preciso pensar em um novo modelo de gestão dessas águas, que considere aspectos que há muito tempo foram esquecidos, como aqueles ligados à ecologia. Nos últimos anos, o termo ecologia urbana ganhou espaço como uma forma de produzir cidades regenerativas e mais resilientes. Essas cidades têm sido chamadas de cidades ecológicas ou biocidades. Termos semelhantes, mas que variam de autor para autor, e têm em comum o fato de terem como principal linha de condução o uso de soluções baseadas na natureza e nas relações ecológicas.
Um desses modelos são as chamadas cidades-esponja que podem ser entendidas como aquelas que possuem um desenho que prioriza a infiltração das águas urbanas em vez de seu escoamento. O termo esponja representa a busca por uma maior porosidade e permeabilidade dos espaços livres e construídos, para que essa água possa ser absorvida e retornada à camada subterrânea, além de trazer benefícios indiretos como melhoria do microclima urbano, aumento da biodiversidade, captura e armazenamento de CO2 e outras funções ecossistêmicas. Em 2014, a China, deu andamento no “Programa Cidade Esponja”, que foi implantado em 30 cidades para tratar problemas relacionados à gestão das águas pluviais (Nguyen et al., 2019).
Para o sucesso das cidades-esponja é preciso pensar muito bem nas soluções tecnológicas a serem utilizadas, sendo chamadas aqui de infraestrutura verde. O primeiro ponto de partida é identificar as diferentes escalas elas podem ser aplicadas, que vai desde da escala das edificações, bairros, cidades ou até regiões metropolitanas. A partir desse contexto, este artigo tem o objetivo de apresentar as principais soluções que podem ser empregadas em uma cidade esponja, mostrando seus principais benefícios e vantagens e as dificuldades e desvantagens de cada uma.
Fachadas, muros e coberturas verdes
Fachadas, muros e coberturas verdes (ou também chamados de vegetados) têm despertado interesse nos últimos anos em diversos projetos de edificações e intervenções urbanas. Essas soluções são a primeira forma de diminuir o escoamento de águas vindas das edificações. No entanto, devem ser bem projetados, com os devidos cuidados, já que podem trazer principalmente problemas relacionados à umidade e degradação biológica (por exemplo aparecimento de mofo). Nessas soluções são empregadas espécies vegetais, similar a jardins, mas integrados aos elementos das edificações: vedações horizontais (coberturas) e verticais (fachadas, paredes, muros e brises). A empresa brasileira Ecotelhado possui diferentes opções de tecnologias que podem ser aplicados em diversos tipos de projetos.
Essas soluções podem melhorar a resistência acústica e da qualidade do ar do ambiente em que estão inseridos, além de trazer conforto psicológico criado pela sensação de biofilia. Aumentam a biodiversidade local, diminuem efeitos negativos relacionados às ilhas de calor e podem aumentar a eficiência energética das edificações. Em relação à água das chuvas, retardam o escoamento das águas vindas das edificações e diminuem o escoamento. Como desvantagens principais podem ser citados: o custo de instalação e manutenção que pode ser elevado para algumas tecnologias e a necessidade frequente de manutenção (como rega, podas, etc.), embora atualmente já existam algumascom regas automatizadas. Na cidade de São Paulo, na Avenida 23 de Maio, foi construído um extenso corredor verde. No entanto, o projeto tem elevados custos de manutenção.
Alguns itens são essenciais para a especificação dessas soluções, entre eles: escolha das espécies vegetais, atenção para à orientação (norte, sul, leste, oeste, etc.) na edificação ou muro e a especificação adequada do sistema de impermeabilização.
Hortas urbanas
Hortas urbanas podem ser entendidas como uma forma de agricultura realizada dentro dos limites urbanos, podendo ser utilizados desde espaços privados, por exemplo quintais ou espaços públicos como praças ou parques. Em um modelo mais específico ela pode ser pensada pra ser desenvolvida em partes da edificação, como fachadas, muros (utilizando por exemplo, cabos de aço) e coberturas. Algumas restrições podem existir, por exemplo em algumas áreas urbanas devem ser evitadas, como por exemplo em bairros próximos a aeroportos, já que os frutos podem atrair pássaros e ocasionar problemas com aeronaves. Ou emprego de espécies que produzam muitos frutos que possam dificultar a limpeza urbana ou até mesmo causar acidentes. Dessa forma, é importante que os instrumentos de planejamento urbano como o Código de Obras, Plano Diretor e/ou Planos de Zoneamento indiquem os locais e espécies mais adequadas.
Em termos de benefícios para cidade esponja, as hortas urbanas tem um papel similar as fachadas e coberturas verdes. É interessante que sejam especificadas espécies que absorvam grande quantidade de água em suas raízes, como taioba e bananeiras, diminuindo assim a água que será escoada. É altamente recomendado que essas hortas sejam projetadas e desenvolvidas de acordo com os princípios da agroecologia.
Como vantagens adicionais podem ser citadas: maior suporte à segurança e soberania alimentar, possibilidade de produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos. São muitos os exemplos do desenvolvimento de hortas urbanas em áreas degradadas ou abandonadas, o que irá ajudar o desenvolvimento econômico da população local. Assim, há a diminuição da necessidade de transporte de alimentos de longas distâncias, reduzindo custos e emissões de gases de efeito estufa.
Recomenda-se algumas estratégias que podem melhorar o funcionamento das hortas urbanas: gestão da manutenção, como por exemplo utilização de irrigação automatizada ou de baixo consumo de água, como hidroponia; pode ser planejado um sistema de reutilização de fertilizantes originados do processo de compostagem; é interessante que seja integrado a programas educacionais (por exemplo em escolas ou áreas comerciais), programas de assistência social para pessoas em situação de vulnerabilidade (por exemplo dependentes químicos), entre outros.
Pavimentos Drenantes
Os pavimentos drenantes ou permeáveis podem ser definidos como pisos, normalmente de concreto, que têm a capacidade de drenar a água devido a sua permeabilidade, diminuindo assim o escoamento superficial. Eles podem ser divididos em dois principais grupos: (1) pavimentos que possibilitam a drenagem em suas juntas e (2) pavimentos que são porosos e são permeáveis em toda sua superfície. O segundo grupo tende a ser mais eficiente já que mais água é infiltrada. É uma solução tecnológica importante para cidades-esponja, já que muitas áreas impermeáveis de uma cidade podem ser substituídas por esses pavimentos. Eles têm sido empregados normalmente em calçadas, estacionamentos e espaços de lazer como parques. A Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) elaborou um manual para execução desses tipos de pavimentos que pode ser consultado gratuitamente.
Como vantagens adicionais podem ser citadas: recuperação da capacidade filtrante do solo, com potencial de realimentar o aquífero subterrâneo e diminuição da necessidade de tanques de retenção de água pluvial, já que haverá um aumento da área permeável da região.
Para o sucesso dessa tecnologia é preciso tomar alguns cuidados importantes, como: análise de dados de tráfego do local de implantação para a escolha da classe de resistência adequada do pavimento; avaliação das camadas do solo abaixo do pavimento, em que é necessário saber algumas propriedades básicas como o tipo de solo, a capacidade de suporte, o coeficiente de permeabilidade, etc.; e limpeza e manutenção dos pavimentos de acordo com as informações do fabricante para desobstrução dos poros, que se colmatam (entopem) ao longo do tempo
Jardins de chuva
Os jardins de chuva são jardins especificamente projetados para contribuírem para a limpeza, infiltração e diminuição do escoamento da água de chuva. A água escoada durante as chuvas passa por entre as plantas, pedras e outros elementos que possam fazer parte do jardim. Dessa forma, são retidas partículas em suspensão e poluentes presentes na água, pelo solo e capacidade filtrante das plantas e suas raízes. Eles podem ser implantados próximos às calçadas e vias de tráfego, em canteiros centrais ou até mesmo dentro de lotes. A espessura da camada de solo vai variar dependendo das características do local, tipo de solo, tipo de espécies utilizadas, etc.
Algumas cidades brasileiras têm implementado jardins de chuva ao longo de suas avenidas e bairros, como São Paulo e Goiânia como uma estratégia para diminuir a velocidade do escoamento da água da chuva e impacto das enxurradas. Em 2019, no Centro Cultural Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, foi executado o primeiro jardim de chuva da cidade. O Jardim foi projetado e executado sob coordenação da Organicidade, Cecilia Herzog, Pierre Andre Martin e Fabiana Carvalho (arquiteta do projeto). Mais detalhes sobre projeto e execução de jardins de chuva podem ser encontrados no manual elaborado pela ABCP.
Essa solução tem como vantagens adicionais: a irrigação natural de plantas e árvores, gerando economia de água e custos para os cidadãos ou gestão pública; o abastecimento do lençol freático; melhoria do microclima local devido ao aumento da umidade do ar pelo processo evapotranspiração das plantas; diminuição das ilhas de calor; e trazem melhorias estéticas e de conforto para o local de implantação.
Alguns cuidados devem ser considerados durante o projeto e construção dessa infraestrutura, como: evitar a construção em vias com tráfego intenso; locais com lençol freático muito elevado; em locais de grande declividade; com grande quantidade de tubulação e fiação enterrada; a escolha das espécies vegetais que deve ser compatível com o tipo de solo e condições climáticas da região (preferência por vegetação nativa); coeficiente de permeabilidade do solo; avaliar o tamanho da bacia de contribuição. Os jardins de chuva requerem manutenção e limpeza pois muito material é carreado durante as chuvas.
Alagados construídos
Os alagados construídos (wetlands) podem ser definidos como espaços alagados com presença de plantas aquáticas, chamadas de macrófitas, como taboa, aguapé, papiro, capim-elefante, entre outras, que podem ser utilizados para o tratamento natural de efluentes (esgotos). O tratamento é realizado pelo ecossistema formado entre as raízes das plantas e comunidade de microrganismos que se forma no corpo d’água. É bastante indicado para lugares sem recursos, como comunidades carentes ou espaços com grande área, como parques, zoológicos, etc. As principais vantagens são: baixo custo, aumento da biodiversidade local, melhoria do microclima.
Tem como desvantagem principal a necessidade de grandes áreas, o que pode dificultar sua implantação em alguns lugares. O odor gerado pode ser uma barreira importante também. É importante ressaltar que a água resultante desse tratamento normalmente é utilizada para fins não potáveis, como por exemplo irrigação. Para tratamentos mais eficientes, pode ser realizada a combinação de alagados construídos com tratamentos convencionais de esgoto.
Um sistema que utiliza os mesmos princípios dos alagados construídos são as ilhas flutuantes artificiais que foram desenvolvidas pela empresa Biomatrix Water. A tecnologia consiste de um plástico reciclável, que é resistente à radiação ultravioleta e possui vida útil de até 50 anos. Algumas cidades da Espanha, Estados Unidos, Reino Unido, China e Filipinas testaram essa tecnologia (Valência, 2015).
Reservatórios de retenção e detenção
Estruturas de armazenamento de água a jusante do lote, também chamados de reservatórios ou bacias, também tem papel muito importante nos bairros e cidades. Os reservatórios podem ser de retenção ou detenção. A de retenção tem como princípio o armazenamento sem o descarregamento no sistema de drenagem da água recebida. Essa água armazenada pode ser utilizada para irrigação, manutenção de vazão mínima, evaporada ou infiltrada no solo. É chamado de “reservatório molhado” por estar permanentemente preenchido com água. Pode ser considerado um lago artificial e ser utilizado para uso de recreação. É um tipo de solução comumente adotada em condomínios residenciais.
Os reservatórios de detenção têm a função de amortecer o pico de vazão de saída a um valor menor ao de entrada. O volume de água total descarregada é igual ao inicial, no entanto ele é distribuído ao longo do tempo, evitando assim escoamentos de grande impacto. Usualmente, esvaziam em poucos dias, o que vai depender das condições locais e regimes de chuva. É interessante que seja pensado em algum uso compatível da área quando seca, como por exemplo para fins recreacionais (exemplo: campos de futebol). Um problema desse tipo de solução é a acumulação de resíduos no fundo do reservatório.
Parques lineares
Os parques lineares (ou greenways) podem ser definidos como parques em que uma dimensão é muito superior à outra, normalmente se localizam ao entorno de cursos d’agua, como rios ou córregos, sendo que em alguns casos eles podem ficar entre duas cidades vizinhas ou regiões metropolitanas.
O investimento neste tipo de infraestrutura tem se tornado mais frequente principalmente em cidades que tenham interesse de reabilitar seus rios. Devido a sua grande dimensão pode trazer muitos benefícios diretos e indiretos, entre eles sociais e econômicos. No Brasil algumas cidades têm investido nesse tipo de melhoria urbana. São Paulo possui com 24 parques lineares, sendo 13 deles na Zona Leste, 8 na Zona Sul, 2 na Zona Norte e 1 na Zona Centro-Oeste da cidade (Brito et al. 2017).
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tem sido um dos principais financiadores desse tipo de projeto para diferentes países da América Latina. O BID elaborou um documento que apresenta o conceito de parques lineares, fazendo uma revisão da literatura e de experiências reais com base em projetos finalizados ou em andamento. A ABCP também lançou um guia de projeto técnico para projeto e execução de parques lineares.
Do ponto de vista das cidades-esponja seu principal benefício está no controle de inundações e enxurradas e recuperação de corpos d’agua degradados. Outras importantes vantagens são: conexão de áreas verdes; recuperação de corpos de corpos hídricos ou de antigas linhas de infraestrutura; recuperação de ecossistemas e biodiversidade; valorização das áreas ao entorno; serve de espaço de lazer para a sociedade; diminuição do efeito de ilhas de calor em grandes centros urbanos. Tem um papel importante como espaço de recreação e para o desenvolvimento de diversas atividades de cunho ecológico de educação ambiental e produção mais sustentável.
Para seu sucesso é essencial que seja implementado um plano de gestão, operação e manutenção do parque, com atenção especial para limpeza e segurança. A iluminação é um item crucial que está diretamente ligada à segurança e uso do parque pela população. Recomenda-se projetos de iluminação pública eficiente e de baixo custo de operação (por exemplo com uso de lâmpadas LED e painéis fotovoltaicos). A construção de infraestrutura de micromobilidade (bicicletas e patinetes) é também um item muito importante.
Considerações finais
No presente artigo foram apresentadas as principais soluções tecnológicas que podem ser empregadas em um modelo de cidade esponja, sendo descrito suas vantagens e desvantagens e escala de aplicação. Nota-se que em todas elas a vegetação está presente e é responsável pelas funções e benefícios principais. O emprego de soluções baseadas na natureza parte do princípio de utilizar fluxos naturais ecológicos para se conseguir muitos benefícios importantes, de baixo custo com o mínimo gasto de energia.
No entanto, ainda existe um longo caminho e desafios para que um modelo de cidade esponja se torne realidade, principalmente para o contexto brasileiro. Entre eles são necessários esforços para: adequação da legislação e normatização; maior atenção dos governantes, maior integração entre os diferentes órgãos do governo (infraestrutura, meio ambiente, saneamento, segurança, etc.); encontrar meios adequadas de financiamento.
Embora muitas das soluções e tecnologias já estejam sendo aplicadas na prática, muitas delas como iniciativa das próprias pessoas, ainda há uma necessidade de uma maior integração entre elas e entre os locais de aplicação. Existem outras soluções que podem ser aplicadas nesse modelo de cidade, como pode ser visto no trabalho de Herzog (2013).
É crucial que esses tipos de soluções sejam incluídos e incentivados em instrumentos de planejamento urbano, como por exemplo o Código de Obras, Plano Diretor, Plano de Saneamento, Zoneamento Ecológico Econômico, entre outros. Quando se pensa em cidades resilientes e responsivas, frente aos impactos das mudanças climáticas, o papel de cidades-esponja será crucial para a qualidade de vida dos cidadãos e de todos os outros seres vivos que habitam as cidades.
Referências bibliográficas
CARINA BRITO, C. et al. 2017. Parques lineares: novo modelo integra lazer e meio ambiente na cidade de São Paulo.
HERZOG, C. P. Cidades Para Todos - (re)aprendendo A Conviver Com A Natureza. Brochura: São Paulo, 2013.
NGUYEN, T. T. et al. Implementation of a specific urban water management - Sponge City. Science of Total Environ., vol. 652, pp. 147–162, 2019.
VALENCIA, N. "Ilhas artificiais que purificam a água de canais urbanos"