Fazendinhando é um movimento de transformação física, cultural e social no Jardim Colombo, feito por e para os moradores, por meio da recuperação de espaços públicos e ações de arte e cultura visando a integração da comunidade.
A principal frente do Movimento é a transformação de uma área de 1000m2, a Fazendinha, em um parque. A construção deste espaço se baseia na transformação física do terreno em paralelo a uma programação cultural e artística constante que envolva a comunidade e aqueles que utilizam este espaço.
A estruturação do espaço e o projeto arquitetônico foram desenvolvidos por meio de um processo participativo que ouviu o que a comunidade desejava e ansiava para aquele local. Deixou o imaginário dos usuários fluir e permitiu que visualizassem, naqueles montes de lixo, um lugar bonito, um espaço de lazer, de descanso, de encontro e de sonhar.
Para promover este processo participativo foi realizado um Festival de Artes do Jardim Colombo no qual, em meio a diversas atividades, foi realizada a oficina Fazendinhando, focada em instigar os participantes a visualizarem além do lixo e sonharem com esse parque.
Na primeira fase da oficina, os participantes desenharam em uma implantação do terreno em A4 seus sonhos e desejos para o espaço. Num segundo momento, em uma prancha A1, colaram em post-its o que queriam e, por último, em uma maquete do terreno, modelaram em massinha o parque dos sonhos.
Os resultados obtidos foram analisados e interpretados.
Em paralelo ao trabalho de leitura dos produtos obtidos na oficina, foi realizada uma análise dos seguintes aspectos: como aquele espaço estava espontaneamente sendo usado por aqueles que por ali passavam e de que maneira o terreno existente instigava as pessoas a experimentar o espaço, a transitar, a estar, a brincar… Como a vida que já existia ali acontecia, e como passou a ser durante o festival, o primeiro “teste” da apropriação deste novo espaço.
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Abaixo é possível ver os principais aspectos desse uso e desses novos fluxos. A maneira como o espaço foi apropriado, tanto no momento de atividades, onde as pessoas eram direcionadas, quanto da forma mais espontânea possível, em momentos de puro lazer, é o que mostra como o projeto deveria ser pensado.
Estimular a participação dos moradores no desenho do projeto arquitetônico do parque foi de extrema importância, principalmente na definição de seus equipamentos para que a população se sentisse contemplada, o que contribui para uma maior apropriação do espaço. Se antes ali era visto por muitos como um vazio, lugar de ninguém, passa agora a ser enxergado por cada um como o seu lugar e, portanto, passa a ser zelado e cuidado. Após o festival, jovens e crianças começaram a ocupar o espaço, agora valorizado pela população do entorno que automaticamente começou a diminuir o descarte de lixo, como era de costume. No diagrama abaixo é possível ver o fluxo e espaços de permanência determinados por eles.
Após esta análise, foi feito um diagnóstico das necessidades do espaço e em seguida foi traçada uma estratégia para o projeto do parque, sempre com base nos desejos e carências da comunidade.
A partir disso, o projeto foi desenvolvido seguindo as premissas apresentadas aqui. O objetivo principal era que o desenho deste novo espaço fosse resultado direto das necessidades e vontades daqueles que mais o frequentarão, criando um laço desde o início entre espaço e usuários. Se a execução deste processo tiver êxito, as chances deste parque prosperar serão muito maiores.
Potenciais do Espaço
Baseado na análise da Oficina Fazendinhando em paralelo com a observação da apropriação do espaço, tanto no dia do festival quanto nas semanas seguintes, as áreas do terreno foram separadas em quatro partes, visando a implementaÇão de um desenho urbano e de atividades que unissem os aspectos físicos da topografia com o uso potencial que aquela área tem. Dessa forma, essas áreas devem abranger diversas possibilidades para todas as idades, dependendo de sua acessibilidade, e para diferentes atividades ao longo do ano.
Funções do Espaço
A Fazendinha, como novo parque do Jardim Colombo, deve exercer sua função de espaço público, contendo os seguintes elementos:
- IDENTIDADE
- INFORMAÇÃO
- ACESSIBILIDADE
- TECNOLOGIA
- SUSTENTABILIDADE
- RESILIÊNCIA
- ÁREAS VERDES
A partir da implementação destes elementos no projeto do parque, o resultado deve ser um espaço fluido e vivo, que promova:
Conceito
A Fazendinha hoje evidencia um processo de transformação do espaço iniciado há décadas de completo enterramento de uma história. O que era fazenda virou lixo, estático e assombroso. Este projeto tem como objetivo principal fazer um resgate histórico, e por meio do desenho urbano trazer de volta a vibração e a vitalidade que um dia existiram ali. Criar uma rememoração do contato com a natureza - a Refazenda, nas palavras de Gil - e dessa forma reconectar a comunidade a este espaço. Na primeira fase do projeto, o terreno foi dividido em cinco níveis que contemplam diferentes aspectos dessa reconexão com a natureza e com o espaço, cada um com diferentes propósitos e atividades, baseados nos desejos da comunidade, na acessibilidade e no potencial de cada área, definido por meio de observação do uso do espaço. Para as fases seguintes, o conceito Refazenda foi expandido mantendo uma linguagem visual e usos que celebrem a fazenda.
Refazenda
Abacateiro acataremos teu ato
Nós também somos do mato como o pato e o leão
Aguardaremos brincaremos no regato
Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração
Abacateiro teu recolhimento é justamente
O significado da palavra temporão
Enquanto o tempo não trouxer teu abacate
Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão
Abacateiro sabes ao que estou me referindo
Porque todo tamarindo tem o seu agosto azedo
Cedo, antes que o janeiro doce manga venha ser também
Abacateiro serás meu parceiro solitário
Nesse itinerário da leveza pelo ar
Abacateiro saiba que na refazenda
Tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar
Refazendo tudo
Refazenda
Refazenda toda
Guariroba
– Gilberto Gil
Fases de Projeto
Em 2005 foi lançado um Decreto prevendo um plano urbanístico específico para o Jardim Colombo, contemplando uma área que engloba 3.200 famílias, e inclui a canalização do córrego Itararé, habitações novas, adequação do sistema viário, redes de água e esgoto e proteção ambiental. O córrego Itararé que nasce e percorre o Jardim Colombo, é dividido em quatro setores. Os setores 1, 3 e 4 já foram parcialmente desapropriados, e o setor 2, que compreende o terreno da Fazendinha, está ocupado sendo que 6 moradias estão em área de risco R4 e 76 moradias na área de risco R3. Em 2018 foi definido um pedido de tutela de urgência para que o Município executasse a remoção das famílias em situação de risco até 15 de Outubro de 2018, que até hoje não foi cumprido. Dessa forma, o projeto do Parque foi dividido da seguinte forma:
Permeabilidade
Nas últimas décadas este terreno foi uma montanha de lixo completamente inacessível e inóspita. Para recuperar a vitalidade e uso deste espaço, um dos passos mais importantes é criar um projeto com total permeabilidade em todos os sentidos. Para isso, a escada será recuperada criando um passeio mais agradável e confortável, para a circulação horizontal serão criados acessos planos em todos os níveis do parque, e por último, as estruturas de contenção feitas de pneus serão também escadas e circulação, permitindo uma completa permeabilidade em todos os pontos do projeto.
Atividades
As atividades propostas para o novo parque foram estabelecidas a partir do processo participativo na oficina Fazendinhando, com os pedidos e desejos dos moradores, e da observação do uso do espaço nas semanas seguintes ao festival. Após um levantamento, apresentado no começo deste documento, foi distribuído um programa no terreno unindo as carências e desejos para aquele espaço com seu potencial e acessibilidade. O resultado foram quatro níveis com características e propostas diversas, mas sempre conectados, seguindo o conceito da Refazenda apresentado previamente, gerando um espaço coletivo de qualidade, que pode receber atividades para todas as idades, constantemente ativo.
Identidade
Um dos pontos mais importantes no desenvolvimento do desenho do parque, sempre com o objetivo de trazer de volta a ambiência da fazenda, é o fortalecimento de uma identidade que gere tanto um reconhecimento individual para os usuários do espaço, quanto um senso de coletividade para a comunidade, expondo de forma material e imaterial o significado deste lugar. A construção dessa identidade começa no processo participativo, desde as primeiras oficinas realizadas para o festival, e vai até as cores e materiais utilizados no projeto. Como parte da construção dessa identidade, essa paleta de cores foi pensada trazendo os tons da fazenda para o espaço. Os tons de verde representam a vegetação, os tons de azul a água, e os tons quentes de laranja e vermelho representam os produtos que eram plantados ali.
Visuais
A declividade do terreno pode ser tomada como partido para criar uma permeabilidade visual em todo o terreno, e dessa forma conectar mais o espaço e as pessoas. Além disso, esse amplo campo visual traz mais mais segurança pela constante observação e vigilância do espaço feita pelos próprios usuários, de forma espontânea e natural.
A Nova Fazendinha
Ao final das três fases de implementação do Projeto Parque Fazendinha, será completada a conexão do alto do terreno até o córrego, gerando uma frente de contato com a água, e um fluxo de passeio, atividades, descanso e vivências. O projeto mantém uma identidade que visa trazer uma atmosfera de natureza e campo, como uma fazenda. A grama predomina ao longo do parque, e quando o concreto é usado, por necessidade de criar planos rígidos, são feitas pinturas mantendo os tons de verde e criando movimento e ritmo com formas geométricas irregulares. O mobiliário e os equipamentos são em tons mais quentes, que remetem aos alimentos que eram plantados ali antigamente. No topo, uma estrutura em madeira mantendo a linguagem estética do projeto forma um pavilhão com vista para todo o parque e comunidade. O projeto cria, portanto, uma permeabilidade tanto física quanto visual das duas extremidades do terreno, ao mesmo tempo que gera um respiro no coração do Jardim Colombo.
Conclusões
Nas últimas décadas, diversos projetos de urbanismo e arquitetura social em comunidades latino-americanas se tornaram casos de referência estudados no mundo todo, e muitos desses projetos de transformação tiveram arte e cultura como base de seu sucesso. O exemplo mais representativo talvez seja a transformação das periferias de Medellín, que foi possível graças a uma estreita colaboração entre autoridades públicas e privadas e as comunidades envolvidas. Com a criação dos famosos parque-bibliotecas, o fortalecimento de organizações comunitárias, a qualificação dos espaços públicos e o investimento em infra-estruturas básicas, as periferias de Medellín são um lugar de paz e convivência.
O projeto Fazendinhando tem potencial para se tornar também um caso de referência. O Jardim Colombo é, sem dúvida, uma comunidade com grandes desafios, e o alcance do projeto sempre será limitado. Porém, o festival de arte já plantou uma semente importante em uma parte de sua população, e o entusiasmo gerado entre os participantes é evidente. Com a participação da comunidade e a colaboração da rede de voluntários e parceiros gerada até hoje, Fazendinhando aspira converter-se em um centro cultural do Jardim Colombo, cujo êxito poderá ser reproduzido em contextos similares no futuro.