Reformas em edifícios modernos brasileiros inspiram um necessário debate sobre como preservar e quais as melhores práticas ao intervir em um patrimônio arquitetônico. Os desafios nesse tipo de intervenção são imensos. Tratam-se de obras que devem ser abordadas com muito cuidado para que se mantenha o respeito à sua importância histórica, preservando o que existe de relevante em suas composições, ao mesmo tempo que permita a atualização da edificação às demandas contemporâneas e dos clientes.
Uma carta aberta do CAU/DF sobre o tema destaca como "o desconhecimento da nossa sociedade e de parte da nossa classe profissional sobre a importância da preservação do nosso patrimônio arquitetônico moderno" são alguns dos principais fatores que colaboram com o apagamento de algumas características fundamentais da linguagem moderna durante estas intervenções. Para ampliar o debate, perguntamos aos leitores como arquitetos deveriam lidar com este tipo de trabalho e reunimos diversas respostas que podem trazer um pequeno guia para aqueles que, em algum momento, lidem com obras relevantes para a história da arquitetura ou possuem interesse por tal discussão. Antes disso, vale trazer a importante crítica e lembrança que Sylvio Emrich de Podestá, de Belo Horizonte, destacou: "não foi assim que os modernos fizeram, mas nem por isso faremos igual".
Numa síntese muito bem estruturada e clara, Paulo Eduardo Vidal Leite Ribeiro, que trabalha no IPHAN do Rio de Janeiro, trouxe importantes constatações para pensar como projetar sobre obras históricas:
As intervenções devem seguir os preceitos da Teoria e Metodologia do Restauro e, portanto, os elementos que dão "valor" a uma determinada obra arquitetônica devem ser preservados. Todas as intervenções devem ter a marca do tempo e não se deve fazer um falso histórico. No entanto, o todo resultante deve ser harmônico. Quanto maior a qualidade da intervenção e mais reversível forem os elementos introduzidos para suportar novos usos e demandas de conforto, mais bem preservada em sua originalidade a obra será legada às gerações futuras. O registro do processo é peça fundamental para a memória da arquitetura moderna brasileira.
A seguir, destacamos os comentários que consideramos mais relevantes para esta discussão:
"A valorização do conceito (estilo) original da edificação deve permanecer, e como ênfase de um símbolo da evolução, de uma história, entretanto, intervenções devem considerar também essa evolução arquitetônica para enquadrar dentro de parâmetros de tecnologia, sustentabilidade e funcionalidade exigidas pelo usuário e por uma sociedade".
Luzia Maria Alves Emerenciano Martins, de Natal.
"A intervenção em edificações sejam tombadas ou não, históricas ou recentes, requer sim procedimentos e cuidados específicos! O campo da preservação se depara sempre com questões patológicas muitas vezes relacionadas à ausência da cultura da manutenção contínua ou com a máxima que restaurar e manter sai mais caro. Tanto isso como a valorização da nossa cultura e memória precisam mudar urgente, antes que hajam maiores perdas".
Renata Mello, Ingá Arquitetura e Restauro, de São Paulo.
"Primeiro, considerando que o patrimônio moderno merece a mesma abordagem teórica que o patrimônio assírio ou barroco, pois não é possível ter uma teoria para cada período histórico; segundo, reconhecendo os valores e atributos específicos De cada prédio, considerando a singularidade de cada objeto; finalmente, assumindo a passagem do tempo e a história, sem o fantasma da autoria nem a ilusão de poder se colocar no lugar do primeiro arquiteto".
Juliano Carvalho, de Brasília.
"Acredito que as iniciativas de reabilitação devam respeitar as originalidades e características formais do edifício, resgatando elementos importantes do estilo por meio da restauração. Ao mesmo tempo, devem ser empregados técnicas e sistemas atuais, para que a edificação tenha condições de alcançar as normas de sustentabilidade e qualidade do ambiente interno exigidas atualmente, procurando a boa coexistência entre elementos históricos e contemporâneos".
Amanda Pinheiro, de Belém.
"Acho que a primeira atitude é consultar o arquiteto, ou escritório autor do projeto original, caso isso seja possível e o arquiteto esteja vivo, ou o escritório ainda exista. Um cuidado e respeito necessário. A readequação a novas tecnologias e a novos usos é necessária sem o comprometimento do partido arquitetônico original, principalmente quando se trata de um bem tombado. A passagem do tempo também deve ser observada, por exemplo: se o patrimônio sofreu algum dano como um incêndio ou outra coisa assim acho que não se pode simplesmente reproduzir a obra tal qual antes. Há que se mostrar o que aconteceu, temos que reconhecer a passagem do tempo e procurar que tenhamos um testemunho das diversas intervenções".
Patrícia Maria Egydio de Piza Fontes, de São Paulo.
"A premissa deve ser sempre o respeito às características essenciais do projeto original, com soluções inteligentes e próximas ao imperceptível ao olhar para adequar ao uso. É essencial ter a conscientização dos envolvidos, mas como é uma garantia impossível de se obter, o debate deve começar na formação acadêmica e avançar cada vez mais no controle institucional, por parte de vários órgãos em conjunto, para evitar desvios de conduta".
Pedro Cruz, de Brasília.
Por fim, o arquiteto Daniel Mangabeira, do Bloco Arquitetos, sugeriu uma cartilha a ser seguida nestas ocasiões:
- Pesquisar como era o projeto original (através de plantas originais, fotos de família, relatos de moradores, etc)
- Entender o que era característico do arquiteto para poder recuperar aspectos vitais do projeto.
- Procurar aproveitar ao máximo os materiais existente na origem.
- É importante adequar projetos modernos às necessidades contemporâneas, mas essas mudanças poderiam seguir quatro premissas essenciais: respeito à arquitetura original moderna, bom senso, pesquisa e refuta total a modismos.