Arquitetura do leste europeu: museus e lugares de memória

Este artigo faz parte da série colaborativa “Arquitetura do Leste Europeu: 50 Edifícios que Definiram uma Era”, desenvolvida em parceria entre o The Calvert Journal e o ArchDaily. Celebrando alguns dos principais ícones da arquitetura do leste europeu, publicaremos periodicamente uma lista com cinco projetos construídos no então Bloco de Leste.

A Casa dos Monumentos do Partido Comunista da Bulgária / Georgi Stoilov

Buzludzha, Bulgária
1974 - 1981

The Monument House of the Bulgarian Communist Party @ Ivanova2405 licensed under CC BY-SA 4.0

Implantada no topo do monte Buzludzha, nas montanhas balcânicas da Bulgária, a estrutura da Casa dos Monumentos do Partido Comunista foi construída em em 1961 em comemoração aos 70 anos de fundação do movimento socialista na Bulgária. O arquiteto Georgi Stoilov foi o responsável pelo projeto do edifício, o qual estaria acompanhado por outros três monumentos em homenagem aos mais importantes eventos históricos da história do partido no país. Enquanto os três minaretes e estátuas foram concluídas rapidamente, a enorme estrutura projetada por Stoilov foi ficando pra trás, levando quase dez anos para ser inaugurada. Isso porque o governo Búlgaro solicitou inúmeras mudanças no projeto para Stoilov, buscando adaptá-lo às condições climáticas extremas no pico da montanha. Depois de oito anos de muito trabalho e mais de 6.000 trabalhadores envolvidos na obra, o icônico edifício foi finalmente inaugurado em uma grande cerimônia.

Inspirado pelo movimento brutalista, então muito popular no Leste Europeu, a proposta de Stoilov apresentava uma estrutura principal em forma de disco voador e uma torre de concreto com uma estrela vazada no topo. Após as várias revisões de projeto, o arquiteto acabou por separar os dois elementos, fortalecendo a sua autonomia além de proporcionar uma maior estabilidade contra os terremotos e fortes ventos que assolam a região continuamente durante o inverno. Ele imaginou uma estrutura de formas atemporais que simbolizaria a glória do movimento socialista.

Interiormente, a Casa dos Monumentos era altamente decorada, exibindo uma série de mosaicos comemorativos aos mais importantes eventos históricos do Partido Comunista Búlgaro. Ao redor da nave central, o deque de observação também continha elaborados mosaicos no piso, construídos com pedras naturais oriundas dos quatro cantos do país. A estrela de vidro da torre de concreto, a qual operava como um farol iluminado à noite, era considerada a maior estrutura deste tipo em todo o mundo, e a lenda diz que ela podia ser vistas desde as fronteiras da Bulgária com a Romênia e também com a a Grécia.

Apesar do imenso sucesso desde a sua inauguração, após o colapso do Bloco de Leste em 1989, o edifício foi completamente abandonado de esquecido. Em 2017, devido ao seu precário estado de manutenção, a estrutura foi inscrita na lista dos monumentos históricos mais ameaçados do continente pelo grupo de conservadores Europa Nostra. Com um projeto de reforma pronto desde 2018, espera-se que os trabalhos sejam iniciados a qualquer momento, porém, sem uma data precisa.

Museu Sulaiman-Too / Kubanychbek Nazarov

Osh, Quirguistão
1978

Sulaiman Too Museum, Osh, Kyrgyzstan © Dave Proffer licensed under CC BY 2.0

Inserida entre os picos e entremontes sagrados do Vale de Fergana, no Quirguistão, o Museu Sulaiman-Too é uma estrutura de aço e vidro incrustada na rocha, um objeto insinuante e insólito construído em comemoração ao 3.000º aniversário da fundação da cidade quirguistanesa de Osh, e atualmente funciona como o Museu Histórico e Arqueológico do país.

Implantado em meio ao vale sagrado, declarado patrimônio mundial da humanidade, o Museu Sulaiman-Too é uma estrutura de grande significado religioso, espiritual e cultural, pois abriga o túmulo do Profeta Sulaiman e já foi um importante destino de peregrinação islâmica.

Interiormente, os espaços do museu se organizam em dois diferentes níveis, tendo o primeiro sido esculpido no interior da rocha enquanto o segundo — composto por uma fachada pra lá de futurista — é abrigado no interior de uma caverna natural, oferecendo impressionantes vistas para o vale sagrado e a cidade de Osh.

Parque da Memória de Kiev / Ada Rybachuk e Vladimir Melnichenko

Kiev, Ucrânia
1968 - 1981

Kyiv Crematorium © Artemka licensed under CC BY-SA 3.0

Após o término da Guerra e as feridas deixadas pelo massacre Nazistas em Babi Yar, a maioria dos crematórios na Ucrânia caiu em desuso. Entretanto, em 1965, o governo ucraniano decidiu construir um crematório público no topo do monte Bajkova na cidade de Kiev, uma idéia que não foi muito bem recebida pela comunidade arquitetônica ucraniana.

Depois de receberem o primeiro prêmio no concurso público organizado pelo governo local, os artistas Ada Rybachuk e Vladimir Melnichenko foram convidados a trabalhar com o arquiteto Abraham Miletskyj, o que rapidamente provocou uma ruptura na equipe responsável pelo projeto. Miletskyj acreditava que o crematório deveria ser uma estrutura puramente funcional, enquanto Rybachuk e Melnichenko haviam concebido o espaço como um ambiente de reflexão e memória, o qual poderia ajudar as famílias a se curarem dos traumas da guerra. Finalmente, depois de muitos ires-e-vires, eles chegaram ao projeto do Parque da Memória, um complexo paisagístico de formas fluidas que se integra aos edifícios mais convencionais dos crematórios.

Somando-se a estes, o muro das lembranças, originalmente concebido como o elemento central do projeto, foi desenhado como um lugar de memória e conscientização à respeito dos traumas da guerra. Cotando com dezenas de obras de diferentes artistas, os trabalhos de construção se arrastaram por mais de dez anos, até o ponto de o projeto ser completamente abandonado, e assim permanece até hoje, inacabado e sem previsão de ser concluído. 

Museu Spomen-Dom (Casa Memorial) / Ranko Radović

Tjentište, Bosnia e Herzegovina
1974

Memorial House, Bosnia and Herzegovina © Julian Nica licensed under CC BY-SA 3.0

Grandiosa e inusitada na mesma medida, essa estrutura de concreto de mais de três mil metros quadrados foi construída em tributo a Memória da Batalha de Sutjeska em 1943. Inaugurado pouco mais de trinta anos depois, o projeto do Museu Spomem-Dom foi concebido pelo arquiteto montenegrino, professor e teórico da arquitetura — e posteriormente ministro — Ranko Radović.

Exteriormente, os visitantes se deparam com uma série de estruturas angulares executadas em concreto aparente. Do lado de dentro, em contraste, os espaços do museu contam com uma série de trabalhos em baixo relevo, murais e homenagens aos soldados caídos na Batalha de Sutjeska. Um elemento curioso deste projeto é a inexistência de um sistema de iluminação artificial; todo o espaço é iluminado apenas pela luz natural oriunda de clarabóias e aberturas angulares nas paredes e lajes de concreto da estrutura do memorial. Inovador e discreto, este icônico edifício brutalista dialoga e se insere perfeitamente na paisagem circundante, transformando-se em um irrepetível espaço de memória.

Casa Melnikov / Konstantin Melnikov

Moscou, Rússia
1929

Melnikov House © Denis Esakov

Projetado pelo arquiteto russo Konstantin Melnikov, este emblemático edifício residencial é um dos maiores símbolos da arquitetura de vanguarda russa da década de 1920. Localizada no distrito central de Arbat, em Moscou, a Casa Melnikov é de um contraste gritante com o ambiente urbano mais tradicional. A aprovação do estado para a construção do edifício surpreendeu à muitos arquitetos na época, principalmente pela uniformidade imposta pelo estado naquele período.

Formalmente, a casa é composta por dois cilindros entrelaçados de três pavimentos, concebido pelo arquiteto para si e sua família além de abrigar a sua vasta coleção de arte e seu escritório de arquitetura. Devido as limitações construtivas e recursos escassos da época, o arquiteto decidiu organizar o projeto da casa em uma planta circular, uma estratégia que lhe permitiu minimizar a quantidade de materiais necessários para a execução da obra. O cilindro voltado para a rua é menor e conta com uma parede cortina de vidro. O volume posterior, por sua vez, apresenta janelas hexagonais perfuradas na fachada, enquanto todas as paredes foram revestidas com gesso e pintadas de branco para maximizar as condições de iluminação natural no interior do edifício.

Finalmente, o audacioso arquiteto foi banido pelo estado em 1937 como resultado das deliberações do Primeiro Congresso de Arquitetos Soviéticos. Surpreendentemente, porém, a casa permanece em pé como testemunha do trabalho visionário de Melnikov e sua arquitetura de vanguarda.

Galeria de Imagens

Ver tudoMostrar menos
Sobre este autor
Cita: Stouhi, Dima. "Arquitetura do leste europeu: museus e lugares de memória" 11 Ago 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/944616/arquitetura-do-leste-europeu-museus-e-lugares-de-memoria> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.