Desde o corte da árvore a tornar-se uma viga ou uma peça de mobiliário, a madeira passa por diversas etapas e processamentos. Recurso renovável e material de construção popular e antigo, a madeira é, também, muitas vezes apontada como uma das promessas da construção no futuro, um material adequado às novas demandas de sustentabilidade. Mas diferentemente do concreto, cujos moldes podem definir até curvas complexas, quando abordamos as estruturas de madeira é muito mais comum a utilização de peças retas, sobretudo para a arquitetura. Nesse artigo abordaremos algumas técnicas que permitem a criação de peças curvas de madeira de diferentes escalas, algumas mais artesanais e outras que prometem tornar o processo mais eficiente e inteligente.
Assim como uma árvore balança com um vento forte, a madeira apresenta uma elasticidade própria, e pode ser flexionada até certo ponto, retornando parcial ou completamente ao cessar tal força. Em uma peça de madeira isso não é muito diferente. É natural que isso dependa diretamente da espécie da madeira e das dimensões da peça a ser curvada. Enquanto que esculpir uma peça bruta para as curvas desejadas sempre será uma opção, grandes quantidades de resíduos acabam sendo geradas, além de demandar uma mão de obra com muita experiência. Construtores de barco e mobiliários vêm utilizando largamente as madeiras curvadas há muitos anos, para adaptarem-se aos requisitos de hidrodinâmica e ergonomia. Em edificações, por sua vez, isso não é tão comum. Há algumas soluções que buscam volumes orgânicos a partir de peças retas, que atingem resultados interessantes. Com a utilização cada vez mais massificada da madeira como material de construção principal, alguns arquitetos vêm buscando formas orgânicas para estruturas de madeira, e diversos exemplos têm sido vistos com peças em Madeira Laminada Colada. Como projetistas, é importante entendermos os processos para que possamos ter mais consciência na especificação. Os principais métodos para curvar madeiras são:
Dobragem a vapor
Um dos pioneiros a criar um método massificado para curvar madeiras em escala industrial foi o carpinteiro alemão Michael Thonet, cujas cadeiras com formas orgânicas são extremamente populares até hoje. Com esse modo de produção, as fibras da madeira não são cortadas e isso não diminui a integridade da peça. O método consiste em aquecer a madeira para que ela torne-se mais maleável. Geralmente constrói-se uma estrutura - em inglês chamada de steambox - para introduzir a peça de madeira em um ambiente de alta temperatura, vapor e umidade. Ao atingir 99° C, a lignina (polímero orgânico complexo que une as fibras celulósicas e dá rigidez à parede celular vegetal) perde resistência, permitindo que a madeira seja curvada sem grandes dificuldades. Imediatamente ao sair “do forno” a peça deve ser levada a um molde e presa com grampos. Quando a madeira resfria e seca, a peça ficará na forma do gabarito.
Madeira Laminada Colada
Para a arquitetura e peças maiores, esse é o método mais utilizado. Mas também é bastante utilizado para peças de mobiliário ou até para a fabricação de skates, por exemplo. A Madeira Laminada Colada, também conhecida como Glulam (por seu nome inglês 'Glued Laminated Timber'), é um material estrutural fabricado através da união de segmentos individuais de madeira, colados com adesivos industriais (geralmente adesivos de resina de melamina ou poliuretano). As peças resultantes oferecem alta durabilidade e resistência à umidade, podendo vencer grandes vãos e conformar formas únicas. Isso não envolve calor ou vapor. Se as peças forem coladas seguindo um molde com a curvatura desejada (sempre levando em conta as possibilidades e restrições do material e da espécie utilizada), o resultado final será uma peça curva.
Corte Kerf
Esse método, por sua vez, talvez seja o mais utilizado para a fabricação de marcenarias simples. E possivelmente seria a forma mais simples de curvar uma peça de madeira, sem necessitar de maquinários ou grandes moldes. Mas para peças estruturais nunca deve ser considerado. Isso porque o corte de Kerf enfraquece estruturalmente a seção da peça da madeira, fazendo cortes espaçados que em uma das faces para permitir a curvatura da peça. Aplicando-se força, é possível curvar a peça, que geralmente receberá uma lâmina de madeira para revesti-la.
Mas além desses modos de fazer mais tradicionais, também há inovações nesse meio. Tratando-se de um material natural, sabe-se que ao secar, a madeira pode torcer-se e curvar-se naturalmente, por influência das forças que as fibras da madeira terão na peça cortada. Pesquisadores da ETH Zurich, Empa e da Universidade de Stuttgart aproveitaram essa característica - geralmente indesejável - da madeira para desenvolver uma nova técnica envolvendo um processo de secagem controlado que faz com que os painéis de madeira se dobrem em uma forma predefinida sem o uso de força mecânica.
O processo de auto-modelagem é baseado no inchaço e na contração naturais da madeira causados pelo teor de umidade do material. Quando a madeira úmida seca, ela se contrai mais fortemente perpendicularmente à fibra do que ao longo da mesma. Os pesquisadores aproveitaram essa propriedade colando duas camadas de madeira para que suas direções de grãos se oponham. Este painel de duas camadas constitui a base do novo método. Um componente de madeira produzido dessa maneira permanece dimensionalmente estável, mesmo em uma umidade flutuante. Nesse vídeo abaixo é possível entender melhor esse método:
Com o uso mais incentivado e massificado da madeira como material de construção, pesquisas e experimentações também tendem a surgir. Mestres como Zumthor e Alvar Aalto são conhecidos por empurrar ao máximo as possibilidades da madeira como material de construção. E entender as restrições e as possibilidades dos materiais que trabalhamos é um ponto inicial para qualquer tipo de inovação. As possibilidades do uso de madeira e as formas orgânicas são muitas e. ao projetar, é imprescindível ter consciência do modo de fazer para entender as complexidades e buscar novas soluções.