Manual de moradia Guarani

Entre janeiro e dezembro de 2018, atendendo as demandas de moradia de comunidades indígenas, o Grupo ][ Fresta iniciou um trabalho de consultoria técnica de arquitetura para as comunidades das etnias Guarani e Tupi, situadas no estado de São Paulo, nos municípios de São Paulo, São Bernardo do Campo, Mongaguá, Praia Grande e Itanhaém.

Este trabalho foi desenvolvido no âmbito de um Plano Básico Ambiental (PBA), pré-requisito para o licenciamento ambiental de um empreendimento situado em territórios indígenas. 

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A construção de moradias fez parte de uma linha de ação específica de um dos programas do PBA, que previa inicialmente apenas o apoio a mutirões e assessoria para a elaboração da lista de materiais necessários para construção de casas indígenas. Durante o desenvolvimento do trabalho, verificou-se a necessidade de ampliar o escopo da assessoria técnica, que passou a compreender as seguintes atividades: oficinas participativas, projeto executivo didático, oficinas de construção realizadas por meio de mutirão e revisão do projeto pós-mutirão. 

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© Otávio Sasseron

Oficinas participativas

A primeira oficina participativa ocorreu em São Paulo, na Aldeia Kalipety, em março de 2018, com representantes de diversas aldeias das terras indígenas. Nessa oficina, os arquitetos apresentaram os estudos com as tipologias de projetos em desenhos bidimensionais (plantas e cortes) para discussão da futura moradia. Os projetos, desenvolvidos pelo GRUPO ][ FRESTA, foram apresentados por meio de projeção em tela, e em seguida as proporções da casa foram estimadas com barbante no chão para a discussão de sua espacialidade.

Os projetos iniciais apresentados nas oficinas, se basearam principalmente na investigação sobre a arquitetura Guarani e no trabalho de campo, que consiste na observação e estudo das casas existentes nas aldeias, sendo assimiladas as principais características da cultura Guarani, como o telhado duas águas, a estrutura, as proporções e a espacialidade.

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Casa em construção por mutirão. Image © Otávio Sasseron

Com base nesta primeira oficina os arquitetos desenvolveram o estudo preliminar, que foi levado para a comunidade em uma segunda oficina de validação. 

Na oficina de validação apresentou-se o projeto tridimensional, as lideranças que participaram aprovaram o estudo e sugeriram algumas modificações de materiais. Os participantes também demonstraram o desejo de que o projeto contemplasse variações da tipologia de habitação, o que foi incorporado no desenvolvimento posterior do projeto, juntamente com as modificações e sugestões apontadas.

Projeto executivo didático

O principal objetivo do projeto arquitetônico das moradias foi o de subsidiar a compra de materiais das construções e fornecer as diretrizes necessárias para a construção das moradias, que, segundo o disposto no programa do PBA, deveriam ser construídas pelas próprias comunidades. 

O projeto se desdobrou em dois manuais pela necessidade de variação de implantação da moradia: enquanto algumas deveriam ser implantadas no térreo, outras seriam elevadas, devido à eventuais cheias de rios próximos de algumas aldeias.

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Casa em construção por mutirão. Image © Otávio Sasseron

Seguindo as demandas e orientações das oficinas, os Manuais foram desenvolvidos a partir de um sistema construtivo que possibilitava variações de fechamentos e de configurações espaciais da casa, abarcando vontades distintas dos participantes das oficinas e dos futuros moradores. A estrutura da construção é única, mas as possibilidades de fechamentos permitem inúmeras possibilidades de espaço e até expansão das moradias.

A definição dos materiais e soluções construtivas, em alguns aspectos, seguiu a tradição cultural Guarani, mas em outros aspectos, por opção dos próprios participantes das oficinas, foram adaptadas às novas demandas de formas de morar, sugeridas pelos indígenas. Essas ações visaram a maior durabilidade da construção e a facilidade na manutenção da moradia, diferentemente do que costuma ser o mais usual em uma casa tradicional Guarani. 

Os Manuais didáticos foram elaborados por meio de um projeto executivo ilustrado a partir de imagens de modelo eletrônico, detalhando a construção em etapas, com todas as informações necessárias para a execução da obra, organizando uma espécie de passo a passo.

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Imagem de variações da Casa Térrea no Manual Executivo. Image Cortesia de Grupo ][ Fresta

O canteiro de obra como experimento

Após o desenvolvimento do Manual com um projeto executivo didático, foi solicitado pela comunidade oficinas de construção das moradias, das quais os construtores de cada aldeia participariam para edificar os protótipos da moradia, contribuir no aperfeiçoamento do projeto e, futuramente, ensinar em sua própria aldeia como construir as casas.

Foi organizado, então, oficinas de construção das duas tipologias de moradia desenvolvidas. Essas oficinas tiveram como objetivo: proporcionar a experiência e o aprendizado na construção de moradias a partir da edificação dos dois projetos (Moradia Elevada e Moradia Térrea); sanar quaisquer dúvidas existentes em relação aos projetos; apresentar técnicas da bioconstrução possíveis de serem incorporadas às moradias, como o reboco de barro, o tratamento de água com círculo de bananeiras, entre outras; e aferir o projeto e a lista de materiais para a construção das casas.

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Casa em construção por mutirão. Image © Otávio Sasseron

A realização dessas construções, como protótipos das futuras moradias, possibilitou uma otimização do projeto e aferição dos materiais utilizados, evitando assim a falta ou excesso de materiais nas demais compras que futuramente seriam realizadas em larga escala. As oficinas de construção foram realizadas pelo sistema de mutirão, evento tradicional que envolve a comunidade como um todo para a ajuda mútua e que potencializa suas atividades no sentido de valorizar a troca de conhecimentos entre os participantes. 

Para o desenvolvimento dos mutirões, foi necessária a mobilização de uma equipe técnica especializada composta por três bioconstrutores, quatro arquitetos e uma socióloga, que elaboraram a metodologia e o cronograma dessa oficina e promoveram a organização geral do trabalho de campo.

Foram realizados dois mutirões de casas térreas e um mutirão da casa elevada em aldeias diferentes, cada um com a duração de 12 dias, que resultaram na construção de três casas completas. Cada oficina contava com aproximadamente 20 participantes, além dos bioconstrutores e arquitetos.

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© Otávio Sasseron

Ao longo dos mutirões, pôde-se observar que a opção pelo projeto executivo ilustrado obteve êxito, porque foi muito consultado ao longo da obra no caso de dúvidas e, até mesmo, para acompanhar o passo a passo. Esse procedimento gerou discussões de projeto, de construção e superou um descompasso de compreensão de informações consideradas muito técnicas, que, em geral, ocorre em qualquer tipo de obra. Além disso, o mutirão serviu para algumas revisões de soluções e, ainda, para redimensionar a lista de materiais a serem comprados. Tudo isso foi registrado em um relatório técnico que descreveu todo o processo até então.

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Casa Elevada concluída. Image © Otávio Sasseron

Continuidade das construções

Posteriormente à conclusão do trabalho dos arquitetos, os materiais de construção foram comprados e as aldeias, organizadas internamente, iniciaram os mutirões para a construção das casas. Em visitas de campo realizadas seis meses depois, pôde-se verificar que as casas estavam sendo construídas conforme os manuais, inclusive com diferentes disposições de cômodos, não construídos nas oficinas, mas previstas nos projetos. Isso foi considerado um resultado positivo da forma de representação didática do manual. 

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© Otávio Sasseron

O processo desenvolvido durante a consultoria logrou êxito, visto que o projeto pôde ser assimilado e incorporado ao cotidiano das aldeias. As oficinas de construção cumpriram, portanto, seu papel de proporcionar o aprendizado da construção, a troca de conhecimento entre seus participantes e vivenciar a construção das moradias, verificando os acertos e erros do manual construtivo. 

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Variação de moradia construída. Image © Otávio Sasseron

As moradias executadas após a consultoria obtiveram uma inserção harmônica com seu contexto e paisagem, já que integraram-se às casas e paisagens existentes. Presume-se que isso seja resultado do processo de oficinas participativas, em que os indígenas têm poder de decisão para escolher o que consideram adequado para suas aldeias. 

Ficha técnica

  • Arquitetura: Anita Freire, Carolina Sacconi, Luan Carone e Otávio Sasseron.
  • Oficinas de construção: Anita Freire, Carolina Sacconi, Otávio Sasseron e Tais Freire.
  • Equipe de bioconstrução: Jair Vieira e Marcos Tica. 
  • Consultoria geotécnica e de Fundação: Ériclis Pimenta
  • Ano de projeto: 2018
  • Ano de construção dos protótipos: 2018
  • Ano de construção das demais moradias: 2018, 2019 e 2020
  • Previsão total de construção de moradias: 260
  • Locais dos mutirões: Aldeia Itaoca, Mongaguá-SP, Aldeia Tekoa Mirim, Praia Grande-SP, aldeia Krukutu, São Paulo-SP.
  • Fotografias: Otávio Sasseron
  • Área útil de cada unidade: 60 m2
  • Texto: Anita Freire, Carolina Sacconi, Otávio Sasseron e Tais Freire

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Sobre este autor
Cita: Grupo][ Fresta. "Manual de moradia Guarani" 12 Set 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/947124/manual-de-moradia-guarani> ISSN 0719-8906

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