Remanescentes do período de ocupação soviética, espaços urbanos monumentais e representativos de muitas das cidades do chamado Bloco de Leste Europeu ainda constituem um legado desafiador, tanto para seus cidadãos quanto para os arquitetos que nestes contextos projetam seus edifícios e espaços. Em completo desacordo com ambientes urbanos contemporâneos, regidos por valores democráticos e sociais, estes espaços ainda hoje representam um problema a ser resolvido. Edifícios e espaços públicos ideologicamente carregados estão aos poucos sendo recuperados, reconciliando os cidadãos com sua própria história—um passado que muitas vezes tende a ser esquecido e até apagado. Neste contexto, a (re)introdução da escala humana tem auxiliado arquitetos e urbanistas a restaurar a vitalidade dos espaços públicos destas cidades.
Reapropriando-se da Arquitetura
Ainda hoje, mais de trinta anos após a dissolução do Bloco de Leste, muitos dos espaços urbanos e edifícios monumentais e impessoais construídos ao longo do período de ocupação soviética permanecem inalterados, tal e como eram no princípio. A razão de sua persistência—que continua a assombrar boa parte da população destes países—se deve a uma série de diferentes fatores, como a divisão da opinião pública quanto ao que fazer e de que forma agir em relação à estes objetos e espaços. Independentemente da solução encontrada, seja a sua remoção ou adaptação, a maioria destes projetos demanda altíssimos investimentos, tanto em termos de tempo quanto de recursos. Desta forma, iniciativas e propostas de intervenções em espaços urbanos soviéticos raramente chegam a ser concretizadas. Menos ainda quando se trata de reformar ou reutilizar seus monumentos arquitetônicos. A escala e também o significado que estas intervenções pressupõe muitas vezes fazem com que estas tentativas de reapropriação caiam por terra antes mesmo de sairem do papel.
A atual negligência com a qual estes objetos são tratados é, até certo ponto, compreensível. Alguns desses edifícios, outrora símbolos de um regime opressor, são vistos com um certo ceticismo que beira o desprezo. O resultado disso é bastante previsível: a legitimação do apagamento da história através da ruína da arquitetura. Como muitos outros edifícios similares, a famosa Pirâmide de Tirana também esteve à um passo de desaparecer para sempre, porém, como a ideia de demolição não agradou à comunidade local, a prefeitura da capital albanesa decidiu contratar os arquitetos do MVRDV para desenvolver um amplo projeto de reforma que pretende ressignificar esta monumental estrutura do centro da capital. O proposta pretende transformar a estrutura piramidal em um centro de tecnologia, arte e cultura voltado à população jovens da cidade de Tirana. Embora o projeto esteja sendo desenvolvido já a alguns anos, a permissão para construir só foi concedida neste ano, expondo a lentidão e os entraves burocráticos destes processos.
Na Bulgária, a atitude pública em relação aos monumentos comunistas está mudando e a negligência em relação a essas estruturas parece ter chegando ao fim. O famoso Monumento Buzludzha, um exemplo de arquitetura soviética utilizado como museu e centro de eventos durante o regime comunista, foi abandonado depois do colapso da União Soviética no início dos anos 1990. Em 2015, o Projeto Buzludzha foi criado com o principal intuito de arrecadar fundos para a preservação do monumento que incluía um amplo projeto de reforma do edifício. Foi então que, em 2019, a Getty Foundation de Los Angeles decidiu apoiar a causa doando US$185.000 para o projeto.
Entretanto, nem todas as estruturas construídas durante o período comunista deixaram legados positivos. A opinião pública para com a herança também controversa destes objetos e espaços não é, nem nunca foi, consensual. Outrora considerada um dos maiores símbolos arquitetônicos da era comunista, a Torre de Televisão de Berlim passou por um processo de “ressignificação simbólica” após a unificação da Alemanha em 1989, tornando-se um marco da Alemanha reunificada. Embora muitos alemães estivessem mais inclinados à sua demolição nos primeiros anos que se seguiram a queda do Muro de Berlim, finalmente os moradores e autoridades chegaram a uma espécie de acordo, o que permitiu a manutenção e ressignificação desta controversa estrutura. Neste caso, a ressignificação deste monumento não envolveu uma intervenção arquitetônica em si, mas a conscientização de toda a população em relação aos seu valores representativos conectados à identidade histórica de um país, seus conflitos e conciliações. Porém, este não foi o mesmo destino do Palácio da República, a antiga sede do parlamento da RDA, demolido em 2008 para dar lugar à reconstrução do Palácio de Berlim, o qual havia sido por sua vez demolido durante o regime comunista para a construção do Palácio da República.
Resignificando Espaços Públicos
Em contextos políticos autoritários, espaços urbanos e representativos desempenhavam um papel fundamental para a manutenção da ordem e controle da população e portanto, para a perpetuação de um regime opressor. Em muitos países, após a reviravolta que se seguiu o fim da guerra-fria no final do século passado, a nova identidade democrática que florescia era incapaz de encontrar ressonância nas características físicas destes ambientes despóticos. Avenidas monumentais, imensos espaços vazios, impessoais. Estruturas urbanas adequadas às máquinas, para serem vistas do céu—em total desconexão com a escala humana. Regimes totalitários estabelecem espaços urbanos monumentais, ermos e austeros para assim coibir quaisquer possibilidades de engajamento social. É neste contexto que muitas cidades do leste europeu tem se esforçado em transformar e ressignificar seus espaços públicos, criando novos ambientes urbanos mais acolhedores a escala humana.
Quando se trata da remodelação de espaços públicos no leste europeu, em sua maioria construídos durante o período de ocupação soviética, um dos projetos mais bem sucedidos realizados ao longo dos últimos anos é a Praça Skanderberg de Tirana. Todo o plano profano da praça foi transformado em uma espécie de pirâmide de inclinação mínima, elevando os cidadãos ao mesmo nível “sagrado” dos edifícios representativos que a circundam, contrariando assim todas as regras imposta por uma monumentalidade arquitetônica opressora instituída durante o período comunista. O escritório de arquitetura 51N4E, com sede em Bruxelas, transformou esta praça pública em pleno coração de Tirana em uma grande área peatonal acompanhada de espelhos d'água e jardins, criando uma estrutura aberta, democrática, acolhedora e inclusiva.
Muitos dos monumentais planos urbanísticos concebidos durante por regimes totalitários nunca chegaram a se concretizar, deixando para trás tecidos urbanos desconexos e incoerentes. A Praça Central de Naberezhnye Chelny, na Rússia, foi inicialmente projetada em torno de um eixo central formal que pretendia conectar o prédio da prefeitura ao museu de Lenin. Como o último nunca foi construído, o eixo perdeu seu significado. A praça permaneceu formal e monótona; uma relíquia do passado soviético que foi subutilizada e desconectada da cidade e de sua vida pública. A equipe da DROM Architecture Office foi responsável por reinventar uma praça que nunca chegou a ser, transformando um vazio urbano em um novo espaço público dinâmico, plural e inclusivo. Através da ressignificação da área em torno de múltiplas funções e realocando o seu antigo eixo monumental, a praça foi remodelada para incorporar uma escala humana mais inclusiva, desfazendo-se de seu prévio contexto ideológico.
Passados mais de trinta anos, ainda há um longo caminho a se percorrer no que se refere ao desenvolvimento de estratégias bem-sucedidas de reutilização adaptativa e reestruturação da arquitetura e dos espaços públicos do período comunista para que esses elementos comecem a expressar o espírito social e sustentável dos ambientes urbanos contemporâneos. Os exemplos são poucos e dissemelhantes entre si, mas, felizmente, eles finalmente virão a ser, carregando o germe da mudança e esperança por um futuro melhor.
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