Ao longo dos últimos anos assistimos a uma (re)descoberta de um dos principais e mais fascinante capítulos da história da arquitetura moderna. O concretismo puro e explícito de uma arquitetura comumente chamada de brutalista passou a despertar um interesse tão significativo quanto previsível na comunidade internacional de arquitetos e amantes da arquitetura. Acontece que, este fenômeno o qual costumamos chamar de “brutalismo soviético”, encontra-se indissociavelmente conectado ao contexto político totalitário e opressor que o viu nascer. Não é de se espantar que, na maioria dos países que estiveram sob influência e domínio soviético até o final da guerra fria, esta face da arquitetura seja muitas vezes tratada com um certo ceticismo, quando não com repudia e desprezo. Neste contexto, a paisagem urbana e arquitetônica de um país como a Polônia não poderia ser menos complexa e fascinante.
Em sua mais recente publicação, Zupagrafika explora a herança da arquitetura brutalista em seu próprio país de origem: a Polônia. Destacando algumas de suas principais conquistas mas sem fechar os olhos para suas já tão bem conhecidas deficiências, a mais recente publicação documental da Zupagrafika procura promover uma melhor compreensão deste complexo e fascinante fenômeno da história da arquitetura. Além das fotografias que ilustram esta espécie de catálogo do brutalismo polonês, como de costume, a mais nova publicação da editora independente conta com uma série de ilustrações criadas especialmente para esta edição, as quais podem ser facilmente recortadas e coladas, recriando alguns dos mais icônicos projetos de arquitetura construídos no país durante a segunda metade do século XX. A intenção por trás do projeto é clara: resgatar a reputação desta arquitetura perante os olhos do grande público.
Muitas das cidades polonesas foram completamente destruídas durante a Segunda Guerra Mundial. Durante o processo de reconstrução do país, a padronização e a pré-fabricação surgiram como uma das principais soluções para resolver a crise habitacional generalizada do pós guerra. Logo após os primeiros anos que se seguiram o final da guerra, o Realismo Socialista foi perdendo espaço, sendo posteriormente suplantado por um novo estilo arquitetônico que procurava emular o modernismo ocidental. Acontece que, já em meados dos anos 1950, alguns dos principais arquitetos dos países à leste da chamada cortina de ferro foram autorizados a viajar para além das fronteiras da união soviética, entrando em contato por primeira vez com as mais recentes novidades e inovações, acelerando o processo de modernização da arquitetura dos países do Bloco de Leste.
A década de 1970 foi um período muito próspero para os poloneses, uma década marcada por uma relativa estabilidade econômica e um boom na industria da construção civil. Durante os anos 70, comumente chamados de ‘anos dourados’, arquitetos e engenheiros gozavam de uma certa liberdade, o que os levou a explorar novos limites anteriormente impossíveis devido à forte censura imposta pelo governo soviético. Foi justamente neste período de relativa autonomia que a arquitetura moderna polonesa chegou ao seu auge. Os anos 70 viram nascer alguns dos mais significativos projetos de arquitetura construídos no país durante o período de ocupação soviética: o Complexo Residencial da Praça Gruwaldzki na Breslávia projetado pela arquiteta Jadwiga Grabowska-Hawrylak, o Spodek em Katowice concebido por Maciej Gintowt e Maciej Krasiński e o Hotel Forum em Cracóvia, assinado pelo arquiteto Janusz Ingarden.
Salvo raras exceções, o foco da grande maioria dos arquitetos poloneses durante os anos 1970 e 1980 eram projetos habitacionais de grande porte, em sua maioria construídos em sistemas de painéis pré-fabricados em concreto. No prefácio da publicação Brutal Poland, a arquiteta e historiadora polonesa Anna Cymer declara: “Estamos começando a perceber o quão engenhosos eram os arquitetos poloneses nesta época, como eles foram capazes de se apropriar de um sistema rígido e pouco flexível para dar forma a estes massivos blocos de concreto que mais parecem ter sido esculpidos que propriamente montados.” Implantado no antigo Gueto Judeu de Varsóvia, o Complexo Residencial Za Żelazną Bramą é considerado hoje um dos principais marcos urbanos da capital polonesa. Impressionante em sua escala e altura, o complexo segue sendo um dos endereços mais procurados pelos moradores da maior cidade do país. De forma similar, o famoso edifício “Manhattan” na cidade de Łódź assim como o Superjednostka em Katowice são estruturas muito bem vistas em dois dos principais centros urbanos da Polônia. Localizada junto ao Mar Báltico, a histórica cidade de Gdańsk também conta com um dos mais importantes marcos da arquitetura moderna polonesa em seu repertório. O Falowiecs é um dos conjuntos habitacionais mais marcantes do país e uma das estruturas habitacionais mais longas do mundo todo.
Da resposta à urgente necessidade por habitação em massa ao fascínio pelos arranha-céus, o fenômeno do modernismo tardio na Polônia—tantas vezes chamado de brutalista—forjou uma enorme variedade de ideias e tipologias arquitetônicas irreprimíveis, deixando uma marca indelével na paisagem urbana de suas cidades. A mais recente publicação da Zupagrafika procura esclarecer os mal entendidos e lançar uma nova luz sobre esse fantástico capítulo da histórica da arquitetura moderna, revelando a delicadeza por trás de alguns dos mais icônicos edifícios brutalistas da Polônia.
Residencial Superjednostka em Katowice / Mieczysław Król
Complexo Residencial ‘Manhattan’ em Łódź / Mieczysław Sowa
Distrito Modernista de Nowa Huta em Cracóvia /Tadeusz Ptaszycki
Residencial Orła Białego em Poznań / Zdzisław Hirsch e Jan Jeger
Cinema Kiev em Cracóvia / Witold Cęckiewicz
Smolna 8 em Varsóvia /Jan Bogusławski e Bohdan Gniewiewski
Residencial Praça Grunwaldzki na Breslávia /Jadwiga Grabowska-Hawrylak
Falowiec em Gdańsk / Tadeusz Różański, Danuta Olędzka e Janusz Morek
Zupagrafika é uma editora independente e estúdio de design fundado por David Navarro e Martyna Sobecka na cidade polonesa de Poznań. Apaixonados pela arquitetura modernista do pós-guerra, principalmente a arquitetura brutalista do leste europeu, a dupla se dedica ao estudo e documentação de um passado muitas vezes esquecido e até certo ponto, negligenciado. Sua extensa obra documental inclui Brutal Britain, Eastern Blocks, Concrete Siberia e Panelki.