“Quando todas nossas crises convergem, como o que está acontecendo neste exato momento, é preciso por em prática soluções conciliatórias”, argumentou Christiana Figueres, ex-secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), na Conferência GreenBuild 2020. As soluções conciliatórias que Figueres menciona, são aquelas que, procurando minimizar as emissões de gases de efeito estufa, permitirão uma reaproximação entre a humanidade e a natureza. E embora a engrenagem para esta mudança de direção já esteja em andamento, é preciso movê-la mais rapidamente para que sejamos capazes de nos aproximar de um futuro de autossuficiência em energia.
Depois de entregar seu cargo na UNFCCC em 2016, onde foi uma das principais articuladoras do Acordo de Paris, Figueres fundou o Grupo Global Optimism além de publicar o livro The Future We Choose: Surviving the Climate Crisis. Com décadas de experiência lutando nas trincheiras burocráticas da ONU, Figueres tem atuado por anos na linha de frente em busca por mudanças que nos possibilitem atenuar as consequências causadas pelas mudanças climáticas. Em entrevista publicada recentemente pelo The Dirt, Figueres compartilha sua visão de futuro, um ponto de vista que como ela mesma diz: está profundamente enraizado em uma espécie de “teimosia otimista”.
A história recente do Planeta Terra é “resultado da relação em constante evolução entre o homem e a natureza”, diz ela. Na maior parte do tempo, para nossa sorte, “a natureza operou suas próprias mudanças, sem qualquer tipo de interferência humana.”
Até a década de 1960, estivemos vivendo na chamada Era do Holoceno, na qual se estabeleceu em nosso planeta uma condição climática equilibrada em termos de temperatura, biodiversidade e distribuição das chuvas. “Durante esta Era, nós, seres humanos, prosperamos, progredimos e nos multiplicamos.”
Entretanto, em meados da década de 1960, a Era do Holoceno foi abruptamente interrompida, principalmente por causa do considerável aumento das emissões de gases de efeito estufa—um resultado de décadas de industrialização, avanços tecnológicos e exploração predatória dos recursos naturais. “Foi neste momento em que a ordem das coisas na relação entre o homem e a natureza se inverteu, com os seres humanos assumindo controle sobre esta última, este período passou a ser conhecido como a Era do Antropoceno.”
“Hoje eu tenho 60 anos de idade, e neste contexto, isso significa que nasci em outra Era. Eu vivi em duas eras geológicas diferentes e devo dizer que a Era do Antropoceno já pode ser considerada um capítulo não muito feliz na história da humanidade. ”
Ao longo das últimas seis décadas, os seres humanos foram responsáveis pela transformação dos processos biofísicos do nosso planeta. “Os gases poluentes liberados em quantidades cada vez maiores em nossa atmosfera vem pouco à pouco aquecido o nosso planeta. Como resultado disso temos presenciado um aumento em quantidade e intensidade no número de ciclones, furacões, incêndios, inundações e elevação dos níveis das marés. A péssima qualidade do ar que respiramos em nossas cidades é responsável pela morte prematura de mais de 7 milhões de pessoas todos os anos.” Neste tempo, destruímos com praticamente a metade de todas as florestas ancestrais da superfície do planeta. À medida que continuamos a depredar a natureza e esgotar nossos recursos naturais, estaremos cada vez mais expostos a doenças e pandemias. E em breve, “nossos oceanos terão mais plástico do que peixes. Nosso planeta está se tornando um mundo distópico.”
Mas é aí que entra a história da teimosia otimista. Para Figueres, isso não significa que estamos condenados, que não nos resta saída nem esperança de futuro. “No momento em que viramos o jogo, ou que assumimos o controle sobre a natureza, essa visão distópica de mundo não é necessariamente algo inevitável. Isso significa que podemos mudar o atual rumo das coisas—desde que coletivamente.” Mas para tomarmos este outro caminho, aquelas soluções conciliatórias mencionadas anteriormente se fazem necessárias, como a “adoção massiva de fontes de energia renovável, edifícios autossuficientes em energia e obviamente, a reversão dos estragos já feitos, como a despoluição de nossos rios e oceanos.”
Estratégias para “descarbonizar” nosso planeta já foram delineadas e muitos países já estão adotando medidas significativas para alcançar este objetivo. O problema é que, de acordo com a UNFCCC, não nos resta muito tempo para agir. “2030 é o que devemos chamar de “ponto de inflexão” e portanto, até lá, para evitar superar este momento crítico, esta mudança de direção deveria ser tomada em conjunto e de forma integrada por todos os países. Isso significa que precisamos reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 50% até 2030 e, em seguida, 100% até 2050.”
Há evidencias que nos fazem acreditar que isso é possível. No setor de energia, por exemplo, fontes renováveis, como hidrelétrica, solar e eólica já são responsáveis pela produção de mais de 25% de toda energia elétrica produzida no planeta sendo que muito em breve este número deve aumentar para 30%. Em muitos países as energias renováveis são também mais baratas, superando o carvão, o petróleo e o gás natural. No setor dos transportes, veículos elétricos estão se tornando mais acessíveis e populares. “Todas as principais montadoras já estão oferecendo pelo menos um modelo movido a energia elétrica.”
Em seu plano de recuperação econômica pós pandemia, a União Européia aprovou uma série de medidas que buscam favorecer e incentivar iniciativas “verdes” ou sustentáveis. A China acaba de declarar que atingirá seu pico de emissões em 2060, algo que parece ser um grande avanço em se tratando do maior emissor do planeta Terra. A maioria dos países do G-7, por outro lado, já “estão no caminho certo.”
Atualmente, 1.400 grandes empresas ao redor do mundo estão passando por um processo de diversificação de suas fontes de energia, optando por aquelas menos poluentes ou renováveis. Outras 1.200 empresas, que juntas investiram mais de 14 trilhões de dólares, deixarão de utilizar combustíveis fósseis ao longo dos próximos anos. As 30 maiores instituições de investimentos, que juntas têm um capital ativo de US$ 5 trilhões, “se dizem comprometidas com a causa”. Além disso, 18 ente as maiores instituições bancárias do planeta estão realizando hoje testes de estresse de mudanças climáticas.
A Amazon, por sua vez, acaba de divulgar sua meta em se tornar carbono zero até o ano de 2040. A Apple, a Nike e a Starbucks tem uma meta ainda mais ousada: tornar-se zero em emissões de CO2 já em 2030.
Figueres se mostra muito positiva ao analisar estes dados, muito porque, como ela mesma diz, “eles são um indicativo do comprometimento da industria, algo que nos trás esperança”. Além disso, este posicionamento—por parte das maiores empresas do ramo da tecnologia—, é como uma declaração de que “abrir mão das emissões de CO2 não será um problema para o futuro.”
Em meio a todas estas mudanças, nós arquitetos também devemos assumir a nossa responsabilidade.
Figueres afirma que arquitetos e urbanistas têm um papel fundamental nesta mudança, e mais, nossos alunos de hoje “serão os nossos arquitetos de amanhã”. As futuras gerações de profissionais nos ajudarão a atingir as metas que traçamos hoje, principalmente no que se refere a todos os novos edifícios serem auto-suficientes em energia elétrica até 2030, e a conversão de todos os edifícios do planeta até 2050—metas consideradas fundamentais para que possamos frear as mudanças climáticas atualmente me curso no planeta.
Para que isso seja possível, novos jovens profissionais devem estar cada dia mais focados na “experiência humana” e em orientar as suas decisões de projeto de forma a “empregar materiais locais e soluções construtivas de baixo impacto ambiental.”
Por outro lado, acredita-se que 60 por cento de toda a infraestrutura do planeta ainda não tenha sido construída. Isso significa que nossas cidades continuarão crescendo assim como a população urbana do nosso planeta. Neste contexto, só há uma solução possível, e esta solução deve ser conciliadora. Arquitetos paisagistas e urbanistas serão os responsáveis pela forma como “habitaremos o nosso planeta no futuro”, não apenas no futuro próximo mas também, no futuro distante.
“Devemos procurar construir novas relações entre nós, seres humanos, e a natureza. Podemos começar pela recuperação da natureza em ambientes urbanos, devolver um pouco de tudo aquilo que depredamos no passado. Devemos reestabelecer uma relação mais saudável entre as cidades e a natureza, criar ambientes onde possamos todos prosperar.”
Para alcançarmos este objetivo é preciso nos unir, é necessário que toda a humanidade mude de mentalidade. “Precisamos deixar de pensar só em si e cuidarmos uns dos outros. Se faz urgente uma mudança de comportamento, onde o que importa não é ter ‘poder sobre’ algo ou alguém, mas exercer um ‘poder para’ algo ou alguém. Só assim poderemos construir uma sensibilidade para com o outro e a partir daí, um engajamento social com poder de transformação.”
Este artigo foi publicado originalmente em The Dirt.