Durante o primeiro lockdown, o mundo inteiro parece ter parado ou ao menos, diminuindo de ritmo. Alguns ambientalistas foram rápidos em afirmar o lado positivo daquela situação: nunca antes havíamos presenciado uma queda tão significativa nas emissões de dióxido de carbono na atmosfera do nosso planeta. Entretanto, essa circunstância durou pouco—ou quase nada. Considerando a atual conjuntura no que se refere ao agravamento das consequências do aquecimento global, o que este ano atípico pode ter significado quanto aos esforços para combater a crise climática?
Com o fechamento das fronteiras e a consequente crise econômica mundial, principalmente ao longo do segundo trimestre, foi registrada uma queda significativa na emissão de gases de efeito estufa no planeta. Porém, apesar dos bloqueios e restrições assim como as limitações impostas ao tráfego aéreo ao redor do mundo, as emissões de dióxido de carbono foram reduzidas em apenas um 5,5% em relação a 2019 (de acordo com os últimos dados). Isso não apenas revela que as expectativas em relação ao impacto da pandemia na crise climática mundial foram exageradas, mas também nos apresenta um quadro totalmente novo da escala do esforço que será necessário para uma verdadeira mudança. À medida que as políticas restritivas persistem, a crise climática continua seu curso imperturbável. O ano de 2020 está muito perto de ser considerado um dos três anos mais quentes já registrados desde que as medições começaram a serem feitas, completando a pior seqüência de aumentos consecutivos das últimas décadas. Neste ano também, foram registrados eventos climáticos extremos, desde os devastadores incêndios florestais na Austrália, inundações na Ásia e nos EUA, até os longos períodos de seca na América do Sul.
Além disso, a pandemia resultou ainda em um considerável aumento na produção de lixo plástico, agravando substancialmente a poluição dos nossos rios e oceanos. Naturalmente, a principal prioridade deste ano foi combater a disseminação do vírus, e isso se deu através da implementação de uma série de medidas de proteção. Entretanto, a quantidade de lixo produzido é assustadora se comparada com a já grave situação antes do início da pandemia. Por enquanto, a reciclagem de folhas de acrílico ou plexiglass ainda é uma tecnologia muito cara. Por outro lado, a maioria dos equipamentos de proteção individual utilizados nos hospitais não são 100% recicláveis. Considerando isso, o ano de 2020 já pode ser considerado um grande passo atrás no que se refere ao agravamento da poluição e produção de lixo plástico, com graves consequências para a biodiversidade do nosso planeta.
Momentos difíceis geralmente resultam em mudanças estruturais, como foi o caso da crise do petróleo dos anos 70, que provocou uma diminuição radical na dependência dos sistemas energéticos derivados do petróleo, marcando uma parcial transição para o gás natural e etanol (no caso do Brasil), algo que resultou em uma relativa diminuição nas emissões de dióxido de carbono (o gás natural emite 50 a 60% menos do que o carvão ou o petróleo). No entanto, a crise econômica de 2008 não operou nenhuma mudança significativa neste quesito. Pelo contrário, com os países lutando para se recuperar, as emissões aumentaram, especialmente nos países emergentes, culminando no recorde histórico que foi o ano de 2010. Atualmente, com a maioria dos governos implementando políticas de incentivo econômico, a agenda da sustentabilidade está sendo deixada de lado. Além disso, as principais distribuidoras de petróleo e gás natural estão aproveitando a situação para exigir uma amenização das medidas restritivas impostas ao longo dos últimos anos, levando-nos de volta à estaca zero.
Muitos pesquisadores e cientistas acreditam que a pandemia pode ser uma boa oportunidade para operarmos uma profunda transformação em nossos meios de produção. No setor de aviação civil, estas mudanças já começaram a aparecer, a Airbus anunciou que pretende lançar a primeira aeronave movida a hidrogênio até 2035. Entretanto, o setor dos transportes é responsável por apenas 14% das emissões de dióxido de carbono do planeta. Comparativamente, a indústria da construção civil é responsável por espantosos 39% das emissões de gases de efeito estufa; portanto, é na nossa disciplina que devem operar as mais significativas mudanças se quisermos de fato mudar o rumo das coisas. Somente a produção de aço e concreto, dois dos principais materiais utilizados no ramo da construção civil, é responsável pela emissão anuais de 10% dos gases de efeito; portanto, esta mudança de paradigma é imperativa. Além disso, o reuso adaptativo, a reciclagem de materiais e projetos concebidos para serem desmontados precisam se tornar práticas padrão—é urgente que a arquitetura e todo o setor da construção civil abracem a inovação de forma rápida e programática.
Até agora, a atual pandemia de coronavírus fez com que muitos arquitetos passassem a questionar a maneira como concebemos e construimos nossos edifícios e cidades. Ainda assim, estamos muito longe de alcançar um equilíbrio entre as demandas da industria e as urgentes necessidades ambientais do nosso planeta. Ao longo deste ano difícil, arquitetos e arquitetas avançaram muito em direção a um maior comprometimento com as mudanças necessárias e as metas estabelecidas em busca de minimizar o agravamento das consequências decorrentes das mudanças climáticas. Entretanto, por mais bem intencionados que sejamos todos, sozinhos, meus caros colegas, não seremos capazes de operar as mudanças pelas quais o nosso planeta suplica. Neste contexto, a recente saída de dois dos mais importantes escritórios de arquitetura do Reino Unido—Zaha Hadid Architects e Foster+Partners—do grupo Architects Declare (uma iniciativa que engloba mais de 1000 escritórios de arquitetura de todo o Reino Unido), é um bom motivo para ligarmos o alerta.
Ainda assim, se ela assim o desejar, a indústria da construção civil será capaz de operar uma mudança significativa no combate as mudanças climáticas. À medida que muitos estudiosos apontam para o fato de que as mesmas atividades que contribuem para o agravamento das mudanças climáticas, são aquelas responsáveis pelo surgimento de novas doenças, é hora de todos nós, profissionais do ramo da industria da construção civil, considerarmos a sustentabilidade na arquitetura não mais apenas a coisa certa a se fazer, mas a única opção que nos resta.
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