História crítica e técnica de uma Tiny House

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De maneira alguma a pretensão deste texto é refutar ou desmerecer o artigo Vida e morte das Tiny Houses, recentemente publicado, mas sim oferecer ao leitor outras perspectivas e uma expansão quanto ao tema, um dos princípios básicos do trabalho que envolve a crítica de arquitetura. Para isso, este texto se estrutura em dois eixos que analisam alguns pontos levantados pela autora do texto original.

História

Com certeza é fácil perceber para os iniciados, sejam eles profissionais (experientes ou não) ou simplesmente para os interessados em arquitetura, que estamos vivendo uma "onda" de conteúdo de mídia sobre o tema das mini casas. Basta uma rápida pesquisa no Youtube ou em outra plataforma de streaming que nos deparamos com canais engajados digitalmente com o tema, e que contam com considerável audiência, como o bom Living Big in a Tiny House, com quase 4 milhões de inscritos, ou séries, como Cabins in the Wild with Dick Strawbridge.

Contudo, apesar da aparência de modismo passageiro, seres humanos residindo em moradias com ambientes multifuncionais de pequenas dimensões por vezes transportáveis, não é nenhuma novidade na história da humanidade, vide as cabanas Ger dos povos da atual Mongólia.

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Fonte: Pixabay.com. Imagem © Jacqueline Macou

Mais próximo de nosso tempo, as moradias do cidadão comum europeu (o não nobre) que viveu nos tempos de antes e pós primeira revolução industrial, eram pequenas e funcionais, pois deveria ser também o local onde de seu labor, sendo a grande maison ou a villa  destinadas aos de bom nascimento. Não seria, portanto, a casa grande da classe média residente de subúrbios intermináveis e conurbados uma manifestação típica recente do Novo Mundo?

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Los Angeles. Fonte: Pixabay. Imagem © StockSnap

Devemos considerar que algumas figuras ilustres de outrora se retiraram à vida da casa grande para a "clausura" das mini moradias, como Thoreau em seu recanto com o radicalismo individual imortalizado em Walden ou a Vida nos Bosques:

Fui para a mata porque queria viver deliberadamente, enfrentar apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que ela tinha a ensinar, em vez de, vindo a morrer, descobrir que não tinha vivido. — Henry Thoreau

Menos anárquico e mais familiar aos arquitetos, Le Corbusier, o arauto do modernismo, passou seus últimos anos de vida em seu Cabanon, uma mini casa simples, especialmente projetada para suas necessidades como um produto da máxima eficiência do sistema Modulor, localizada em frente ao Mediterrâneo. 

Seria o Cabanon de Le Corbusier o bisavô das Tiny Houses?

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Le Cabanon. Via Pinterest.com, usuário The Spaces

Brincadeiras à parte, devemos levar em consideração aspectos importantes com os quais nos deparamos no início do 3 milênio. O primeiro, bem apontado pelo texto original, sem dúvida é o da crise e aumento dos preços de imóveis, em muito deflagrada pela crise da especulação imobiliária 2008. Mas outro aspecto é o da mudança da estrutura e configuração das famílias e diminuição corrente dos números de seus membros. Segundo O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, 2018), a agência de desenvolvimento internacional da ONU que trata de questões populacionais, as famílias vêm diminuindo drasticamente em grande parte do mundo, com baixa na fertilidade de mulheres e consequente redução da quantidade de pessoas por família. 

Associam-se a este declínio um aumento considerável de pessoas que moram sozinhas, e ou casais que optam por não terem filhos. Portanto dados que podem demonstrar uma ligação com a difusão que o movimento Tiny House vem tendo como escolha de moradia dentro de certos grupos sociais ou pelo menos a explicação do sucesso de mídia com esses mesmos grupos.

Quanto ao problema da inclusão do modelo Tiny House em ambientes altamente urbanizados, fora dos campos idílicos de uma vida rural ideal, sem dúvida as mini casas ainda estão longe de funcionar neste contexto. Valendo um campo exploratório riquíssimo de pesquisa para interessados na área, que poderia se valer do seguinte exemplo exagerado:

Não seria Tóquio uma cidade Tiny House?

Técnica

O alto custo das moradias é um impeditivo que sem dúvida dificulta o acesso à boa moradia. Tiny houses, podem como qualquer residência atingir valores exorbitantes e fora da realidade de mercado, que pode levar a uma contradição no próprio conceito do “movimento”, de não contrair uma hipoteca ou financiamento de longo prazo para manter independência financeira. No entanto se bem gerida a disponibilidade financeira de construção com o auxílio de um profissional capaz, o arquiteto, este problema tende a ser contornado.

Quando fazemos a comparação entre os custos envolvidos no acesso a uma casa grande, convencional, e uma Tiny, para uma escolha simplesmente baseada em valores, o fator da operação e manutenção da edificação ao longo de sua vida útil, deve ser levado em consideração. Na maioria dos casos o valor gasto para manter uma edificação durante 20, 30 ou 50 anos, pode superar o valor empreendido inicialmente na moradia. No caso das Tiny, que em geral são focadas em qualidade e não na quantidade dos materiais, a manutenção tende a ser menor e a durabilidade e vida útil maiores, o que pode ser equalizado com um gasto inicial relativo maior por metro quadrado.

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Ciclo de vida das construções, fonte ABNT NBR ISO 14040. Imagem © Fernanda Belizario Silva.

Outro dos aspectos importantes é o impacto que determinada moradia gera ao meio ambiente. Tiny Houses por uma questão de eficiência energética e material, disponibilidade espacial e diminuição do peso total da construção, tendem a ser construídas com materiais altamente industrializados, que geram possivelmente possuem maior controle de produção portanto podem impactar menos no meio ambiente e são mais eficientes na redução de resíduos durante as fases de construção da moradia, principalmente em países em desenvolvimento, que tendem ainda a utilizar materiais de construção convencionais pouco industrializados.

Deve-se ainda levar em consideração quanto aos materiais aplicados rotineiramente em Tiny Houses, que estes por possuírem muita tecnologia e controle de produção, em geral possuem ótima capacidade de facilidade de desmontagem e reciclagem do material no fim do ciclo de vida da construção, uma opção bastante interessante em mundo com uma necessidade cada vez maior de sustentabilidade.

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Aquecimento global e a construção dados mundiais, fonte GlobalABC, IEA, UNEP, 2019. Imagem © Fernanda Belizario Silva.

A questão da possibilidade de deslocamento para outros locais, uma característica não intrínseca às Tiny Houses, mas presente em várias, é um fator real de dificuldade bem exposto pelo texto original. No entanto, em situações extraordinárias onde o morador está insatisfeito com a localidade de sua moradia é perfeitamente possível, com ajuda de um profissional competente, novamente o arquiteto, mudar o local de uma Tiny House. Não todos os dias, como um nômade sem destino, mas algumas vezes durante toda a vida útil de uma moradia, uma conveniência que uma casa grande não permite, e que pode prolongar talvez a permanência de uma mesma família nesta casa e a própria existência da construção, reduzindo-se as eternas demolições reconstruções de novos proprietários.

Assim exposto, devemos levar em consideração que vida útil, impacto ambiental da construção de seus materiais são aspectos que devem ser levados em conta na hora analisarmos uma mini casa.

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Fonte: Pixabay.com. Imagem © WinnieC.

Com alguns pontos apresentados, não é de interesse deste texto catequizar as pessoas para a construção imediata das suas mini casas, lançando-as mundo afora no espaço multifuncional de 20m². Mas demonstrar que por enquanto a morte das Tiny Houses não está deflagrada, já que elas ainda possuem muita sobrevida e discussões pertinente e interessantes sobre o tema ainda são possíveis.

Devemos sim é decretar a morte da discussão antagônica e dualista, dos contra a casa grande, e dos contra a Tiny House, já que pessoas diferentes de culturas diferentes e hábitos diferentes com suas famílias ímpares e possibilidade econômicas distintas, possuem necessidades próprias, e talvez uma das inúmeras respostas aos anseios das pessoas à moradia, seja justamente o caminho do meio, uma opção que somente um arquiteto pode mostrar.

Referências bibliográficas
Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR 15575 - Desempenho de edificações habitacionais – Parte 1, São Paulo, 2013
Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT NBR ISO 14040 - Gestão ambiental - Avaliação do ciclo de vida - Princípios e estrutura, São Paulo, 2014
Henry Thoreau, Walden ou a Vida nos bosques, Estados Unidos, 1854
Ivan Luiz Portugal Basile, Metodologia de análise do custo do ciclo de vida da edificação para o setor de serviços, São Paulo, 2017. 127p
United Nations Population Fund, Índices populacionais globais disponível em https://www.unfpa.org/

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Sobre este autor
Cita: Ronaldo Amaro. "História crítica e técnica de uma Tiny House" 18 Jan 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/955054/historia-critica-e-tecnica-de-uma-tiny-house> ISSN 0719-8906

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