Em Her, filme de 2013 dirigido por Spike Jonze, um solitário escritor desenvolve uma relação de amor com a assistente virtual de um sistema operacional. Admirável Mundo Novo, livro escrito em 1932 pelo inglês Aldous Huxley, fala de uma sociedade cujo culto à eficiência, racionalização e à máquina desencadeou uma humanidade que desconhece o esforço e a dor, mas também reprime o amor e a liberdade. Já em Frankenstein, livro de 1823, considerado o primeiro romance de ficção científica, uma vida é criada artificialmente, produzindo um monstro com características humanas: vontades, desejos e medos. Seja, respectivamente, em relação ao receio com a inteligência artificial, as incertezas com a industrialização ou os limites da ciência, obras de ficção científica nos revelam muito mais que apostas certeiras do futuro – no tempo em que foram criadas, falam sobre os temores e anseios da época.
Quando exploramos as visões urbanas do passado sobre o futuro, é comum encontrarmos exemplos exagerados e até engraçados. Acerca das promessas da arquitetura e, consequentemente, das nossas cidades, também não é tarefa fácil apontar caminhos com clareza. Observando as tendências no campo e usando toda a nossa imaginação, será que podemos afirmar como as cidades se parecerão em dezenas ou centenas de anos? Seus materiais, sua aparência, a maneira de construir e pensar? Este futuro será mais minimalista e impoluto ou mais orgânico e complexo? Como as novas tecnologias e materiais de construção afetarão a forma, a estética e a prosperidade das cidades de amanhã?
Para termos algumas pistas do futuro, podemos abordar dois tópicos principais: os materiais que irão compor as arquiteturas e, principalmente, a forma como serão projetadas. Como aponta Jean-Louis Cohen, autor do livro de título sugestivo O futuro da arquitetura desde 1889, “por vezes a arquitetura recorreu a fontes externas à sua disciplina, adotando metáforas baseadas em organismos biológicos, em máquinas ou na linguagem; em outras ocasiões, buscou inspiração em suas próprias tradições disciplinares.” Em seus melhores momentos, a arquitetura teve sucesso em encontrar o equilíbrio entre as referências certas.
Ao tratarmos sobre a parte tectônica das edificações, temos visto dois caminhos possíveis e não necessariamente opostos: materiais altamente tecnológicos e um retorno aos materiais naturais e locais, incorporando metodologias inovadoras de trabalho que também variam seu aspecto tradicional. Pesquisas sobre novas tecnologias e produtos sempre estão em curso, buscando aprimorar a eficiência dos componentes, incrementando as funções das superfícies ou permitindo a criação de estruturas com melhor desempenho e mais fácil manejo. No campo das criações de laboratório, por exemplo, o grafeno é apontado por muitos como um material do futuro, para além da construção civil, por ser cerca de 200 vezes mais forte que o aço, mas 6 vezes mais leve, com diversas outras características. O aerogel é outro material promissor para os cientistas, composto basicamente por gases, com propriedades ótimas como isolante térmico e acústico. Evidentemente, as indústrias do vidro, do aço e dos polímeros vêm continuamente buscando aprimorar as características técnicas dos seus materiais. Tratam-se de materiais cujas características ótimas permitem peças muito mais esbeltas e finas, vãos maiores, balanços mais pronunciados e possibilidades de translucidez.
Junto a isso, também é possível apostar que materiais criados a partir de resíduos reciclados ou de subprodutos das indústrias serão mais onipresentes, podendo retirar boa parte da dependência pelos - cada vez mais escassos - recursos naturais. O conceito de mineração urbana deve ganhar força, sobretudo nas cidades mais adensadas e antigas, e a reciclagem e o reuso de materiais - esperamos - será mais regra do que exceção. Também não é exagero dizer que veremos exemplos de materiais que possam até se regenerar autonomamente, produtos que possam gerar a energia para a edificação (seja pelo sol, vento ou outras formas), ou fachadas que possam se adaptar ao clima, purificar o ar da cidade, entre muitas outras possibilidades que nossa imaginação não acessa.
Concomitantemente, materiais naturais devem ganhar mais espaço, uma vez que as preocupações com a sustentabilidade, a origem dos produtos e a disponibilidade de recursos naturais não-renováveis não deve diminuir tão cedo - ao menos este é nosso anseio. Usos massificados de materiais como algas marinhas, cânhamo, bambu e, principalmente, a madeira como um material renovável acessível, podem ser esperados. E isso inclui outros materiais, como o micélio, a palha e outros.
Mas da mesma forma que a maioria das ficções científicas geralmente se limitam às questões preocupantes da época, sendo às vezes refutadas décadas depois, pode ser que nossa visão ainda esteja muito presa às nossas ideias pré-concebidas sobre materiais e a própria indústria da construção civil. Todos esses avanços - e os que virão - mudarão inevitavelmente a aparência de nossos ambientes e, portanto, também a percepção e o relacionamento que temos com eles. Neri Oxman traz uma abordagem interessante. A professora do MIT aponta que, assim como os produtos industriais – por exemplo, um automóvel –, os arquitetos são treinados a pensar em edifícios como a montagem de partes e componentes feitos de materiais homogêneos. Na natureza isso é bastante diferente. As plantas, por exemplo, não são feitas de distintos componentes, mas das mesmas substâncias que variam sua composição e características continuamente para cumprir determinadas funções.
O grupo que ela coordena, Mediated Matter, concentra-se no design inspirado na natureza e na natureza inspirada no design. Suas pesquisas abrangem a interseção de design computacional, fabricação digital, ciência dos materiais e biologia sintética, aplicando o conhecimento para projetar em várias escalas - da microescala à escala de construção. Ou seja, trabalham aprendendo com a natureza e junto a ela. Seria um retorno às formas da natureza o futuro da construção civil?
Durante o século XX, com a industrialização, observamos como a ferramenta tem condicionado o produto e sua forma total. Técnica e tecnologia: o que fazemos depende se temos ou desenvolvemos os meios para o fazer. A expressão máxima da máquina em construção é a pré-fabricação: elementos confeccionados em galpão, fora da obra, que são então instalados em um contexto específico. A obra se torna uma montagem, e não mais uma construção. No mundo de hoje isso parece eficiente e adequado, mas sua evolução poderia estar mais próxima dos processos da natureza do que poderíamos imaginar há algumas décadas. As aprendizagens do presente e do passado, aparentemente contrárias, podem estar começando a convergir.
Por exemplo, formas de modelagem tridimensional envolvendo fabricação digital e a inclusão dos mais diversos parâmetros para influenciar o projeto permitem a criação, replicação e variação de formas artificiais até então inimagináveis. E, sem dúvida, isso deve continuar a evoluir significativamente nos próximos anos, tornando-se ainda mais instintivo, acessível e multiplicando suas possibilidades. Junto com Inteligência Artificial, Aprendizado de Máquina e Design Gerativo, o arquiteto deve assumir um novo papel; ao invés de começar seus projetos do zero, definindo os parâmetros mais adequados para cada situação e podendo avaliar, com o auxílio de dados, a solução que melhor adapta-se a cada demanda. A biomimética, por exemplo, não é apenas a forma orgânica em si, mas a busca por entender e aplicar as estratégias orgânicas da natureza.
Outros aspectos relevantes, além da estética e da produção, referem-se à dimensão temporal: eficiência e processo. A construção modular e seriada segue os princípios da primeira, as habitações incrementais e a vegetação embutida segue os ritmos da segunda. Em que dimensão de tempo estamos avaliando nossos edifícios? A reciclagem é uma lógica da máquina, onde o material pode ser reconvertido e refeito (com base na unidade do material). Estratégias passivas e novos materiais orgânicos, apontam para uma lógica de processos, onde a convivência com o meio ambiente é mais equilibrada.
Do mesmo modo, as preocupações relacionadas com a higiene e saúde sugerem o surgimento de espaços cada vez mais antissépticos e limpos, enquanto as preocupações com a apropriação e ligação emocional com o nosso entorno imediato sugerem espaços mais ricos, orgânicos e personalizáveis. Mas o bem estar do ser humano é complexo e exige, sem dúvida, um pouco de cada coisa.
Tecnologia avançada ou técnicas antigas atualizadas. Materiais inteligentes ou materiais naturais. Formas orgânicas baseadas em parâmetros ou montagem de peças predefinidas. Eficiência ou processo. Limpeza ou complexidade. Os ambientes racionais que habitamos hoje são realmente saudáveis e adequados a quem somos? Devemos continuar neste caminho? O futuro será um retorno tecnológico a um ambiente mais orgânico, instintivo e natural? Ou manteremos o que, muitas vezes, foi pensado como um futuro minimalista, imaculado e impessoal? Se você veio até aqui em busca de respostas, infelizmente não as temos. Ainda – mas vamos continuar investigando.
Este artigo é parte do Tópico do ArchDaily: O Futuro das Cidades. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos mensais. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.