TEIA re(a)presenta a cidade de São Paulo por meio de uma narrativa em quadrinhos. Os personagens foram criados para serem os protagonistas do enredo a partir de uma seleção empírica, na qual foram elencados doze bairros relevantes para a história da cidade em que seus moradores serviram de base para compor os tipos possíveis da trama do roteiro desejado. A narrativa em HQ foi o suporte ideal para desenvolver uma linguagem que permite pensar espacialmente o contexto urbano e observar as relações humanas no universo criado e desenhado, salientando sua dimensão de meio comunicativo. Além de vivenciar e conhecer os bairros, o intuito do trabalho foi explorar a noção de pertencimento do lugar. A experiência in loco dos bairros e a conversa espontânea com alguns moradores – que serviram de referência para os protagonistas criados – proporcionaram ao enredo a possibilidade de refletir sobre a diferença do ser (de um lugar) e do estar (em um lugar) na mais populosa e diversa metrópole brasileira.
A proposta parte de um desejo de reaproximação e estabelecimento de vínculos com habitantes de bairros de São Paulo; de estar constantemente presente e saber como é ser e viver em cada uma dessas vizinhanças. Um estudo visual que transmite uma curiosidade em saber mais sobre a cidade, em escala mais pessoal e intimista. Desenvolver uma pesquisa participativa, acompanhando o cotidiano e compartilhando o sentimento dos moradores dos bairros da Santa Cecília, Vila Mariana e Bom Retiro, se tornou o objetivo formal desse trabalho, o que se somou à potencialidade visual da linguagem ilustrativa de HQ (histórias em quadrinhos) para expressar uma comunicação com o meio urbano.
O exercício do arquiteto que projeta para a cidade muitas vezes carece de uma reflexão mais profunda sobre a memória do lugar. Ignoram-se questões históricas que são essenciais para a construção que alimenta o imaginário do lugar, e que está tradicionalmente incorporado e presente no lugar. Portanto, um dos objetivos deste trabalho foi resgatar a memória de bairros relevantes como Santa Cecília, Vila Mariana e Bom Retiro, representando a cidade por meio de personagens e revelando a malha de relações e conexões que fazem da maior metrópole brasileira um “mundo pequeno”, em que as histórias dos seus habitantes se entrelaçam e se esgarçam em horizontes mais expandidos, ampliando a noção de um pequeno grande mundo multicultural e multifacetado vivendo em sociedade.
O ensaio apresentado é um excerto de uma narrativa específica e mais abrangente em HQ, entrelaçando a vida dos perfis urbanos relacionados a doze bairros da cidade: Vila Mariana, Liberdade, Bela Vista, Consolação, Santa Cecília, Barra Funda, Bom Retiro, Sé, Brás, Ipiranga, Mooca e Casa Verde. Estes personagens foram criados a partir de entrevistas com moradores e da coleta de documentos que revelaram histórias de São Paulo.
Esses doze perfis urbanos abordaram biografias e lembranças pessoais, não necessariamente em ordem cronológica. Lugares com relembranças de um período vivido por gerações antecedentes, ou vivido pelos próprios personagens que entraram na narrativa em HQ.
As memórias coletivas dos moradores de cada bairro se desenvolvem dentro de um quadro espacial, com lugares referenciais, costumes e tradições. A sensação de pertencimento é destacada, pois entende-se que reconhecendo parte do lugar somos capazes de desconhecê-lo em nós.
O levantamento dos dados que constam nas narrativas individuais, ou serviram de inspiração para a sua construção, se deu por meio de visitas diárias nos bairros escolhidos, variando entre dias de semana, finais de semana e horários diferentes; e também coletando documentos, histórias, fotografando e desenhando croquis de ruas, captando a essência dos moradores para retratá-los como personagens, os estilos arquitetônicos dos bairros, os edifícios destinados ao comércio, residências e mobiliários urbanos. A pesquisa abordou a re(a)presentação da cidade de São Paulo como um fenômeno urbano construído a partir das histórias e memórias dos surgimentos de seus bairros, contadas pelos personagens.
A importância de explorar os bairros por inteiro e entender as suas necessidades e pontos relevantes está implícita nos diálogos, deslocamentos e relações que os personagens da TEIA travam entre si e com o lugar em que residem e circulam. Nesse sentido uma narrativa sobre o meio urbano em HQ diz respeito à arquitetura cumprindo seu papel quando, sem dizer, dá amparo às ações e feitos humanos. Em silêncio, ela apenas está a postos, pronta para acolher, oferecer suporte e receber todas as formas de vida em seus limites construídos ou definidos, sem rótulos. O amparo arquitetônico se dá quando se conhece por inteiro o que o lugar ou espaço representa e necessita em sua forma e essência, jamais apagando suas questões históricas, e projetando sempre o olhar sobre nós mesmos, ontem, hoje e amanhã.
Emaranhados na TEIA... o que torna uma cidade única? Você pode pensar em grandes monumentos ou em restaurantes famosos e arquitetura icônica. Mas a verdade é que as cidades são feitas de pessoas e suas histórias. Ao adentrá-la, vamos passear pelos bairros de São Paulo seguindo seus moradores e vivenciando situações de conflito, ética, espaço compartilhado, dilemas e acasos. As narrativas vão percorrer a diversidade que torna São Paulo uma cidade única, onde pessoas de diferentes culturas aprendem a conviver entre si, habitando os mesmos espaços e deixando rastros de suas experiências, como uma teia. Não vai ser difícil encontrar aquela sua amiga “gratidão” pelas ruas desenhadas, ou reconhecer o homem que não quer vender a casa onde sempre viveu com a família imigrante. Afinal, para o verdadeiro explorador até a maior cidade do mundo pode parecer pequena.
Leia o quadrinho completo aqui.
Este ensaio é um excerto originalmente publicado na Revista Cadernos de Pesquisa #10 da Associação Escola da Cidade e disponível para consulta aqui. Trata-se de publicação proveniente de Trabalho de Conclusão de Curso entregue em 2018 no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC – SP)sob orientação da Profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento (SENAC-SP).
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