Ao redor do mundo, uma nova geração de arquitetos está questionando a “velha maneira de se fazer arquitetura”, trazendo consigo mudanças consideráveis para o nosso meio, especialmente no que se refere às camadas mais pobres da população, que antes não tinham acesso ou sequer condições de aceder ao serviço de profissionais. Este é o primeiro de uma série de artigos nos quais pretendemos apresentar e debater de que forma esta nova prática está transformando o campo de ação de muitos arquitetos e arquitetas ao redor do mundo. A arquitetura Do-It-Together é uma prática fundamentada no respeito mútuo entre as partes envolvidas e procura estabelecer processos colaborativos baseados na confiança entre arquitetos e clientes.
Ao longo da história, a maioria de nossos abrigos e estruturas habitáveis foram construídas sem o envolvimento de qualquer arquiteto ou engenheiro. Estes edifícios, comumente chamados de arquitetura vernacular [1], são profundamente dependes dos recursos locais disponíveis assim como se relacionam diretamente com as condições climáticas específicas. Neste contexto, os processos de auto-construção geralmente procuram dar respostas simples—a partir daquilo que está ao alcance da mão—a todas estas limitações. Além disso, a auto-construção é fruto de um esforço coletivo, muitas vezes envolvendo familiares e vizinhos e portando, aproximando pessoas e construído também comunidades.
Ao longo do último século, entretanto, a especialização da mão-de-obra assim como a incorporação de processos industriais e modernos no campo da construção civil nos levou a um considerável afastamentos em relação as práticas mais tradicionais ou vernáculas. Ainda assim, parte desta cultura se manteve viva, fornecendo as bases ao que estamos chamando aqui de Do-It-Together. Nesse entretempo, assistimos a uma completa revolução, não apenas na profissão da arquitetura, mas na própria industria da construção civil. Tais mudanças levaram a uma total restruturação das relações de trabalho, segregando cada uma das partes envolvidas segundo suas funções e responsabilidades—de clientes, arquitetos e consultores, a gerentes, empreiteiros e investidores.
Hoje, a arquitetura regulamentada parecem caminhar em uma direção completamente oposta aos métodos mais tradicionais e rudimentares de construção. A medida que a arquitetura profissional, por assim dizer, está se tornando um ramo cada vez mais especializado e portanto, segmentado, a arquitetura em si, está se distanciando dia após dia das necessidades mais elementares dos seres humanos. A respeito disso, Paul Polak afirmou categoricamente: 90% de todos os arquitetos do mundo gastam a maior parte de seu tempo atendendo apenas a 10% da população mais rica do planeta. Embora, de lá pra cá muitas pessoas ao redor do mundo tenham saído da zona de pobreza extrema, podemos afirmar que essa situação não mudou muito. A maioria dos arquitetos profissionais seguem trabalhando para uma micro-parcela extremamente privilegiada da população mundial.
Ainda assim, alguns arquitetos e profissionais se esforçaram muito para que algumas mudanças acontecessem. Nas últimas décadas, a Architecture for Humanity e a Rede Design With The Other 90% deram a pauta para o estabelecimento de uma prática de arquitetura mais humana e humanitária; a Fundação Curry Stone e o prêmio e as iniciativas de apoio criadas pela Fundação Aga Khan continuaram a incentivar e promover o desenvolvimento de práticas humanitárias na industria da construção civil no mundo todo. A Architecture in Development, por sua vez, tem se esforçado em divulgar o trabalho destes escritórios e profissionais, estabelecendo uma rede global de pessoas comprometidos em colaborar com o futuro desenvolvimento de uma arquitetura mais humana e comprometida com causas sociais.
O ambiente construído é um universo em si. Ele conta com suas próprias leis e regras e tem sido assim por milhares de anos [...] Então, trata-se da contribuição de um arquiteto para o ambiente construído, e não da participação das pessoas no trabalho do arquiteto. John Habrakan
Felizmente, estamos testemunhando um interesse crescente por parte dos estudantes de arquiteturas e profissionais da industria da construção civil em arregaçar as mangas e pôr a mão na massa. Ao longo dos últimos dez anos, assistimos o movimento Do-It-Together (DIT) emergir e ganhar importância em diferentes contextos, do Equador ao Reino Unido, da Holanda à Índia. Liderada por uma rede de arquitetos descomprometidos, geralmente organizados em equipes multidisciplinares, a arquitetura DIT continua crescendo e ganhando novos adeptos e admiradores. Então, de onde é que isso veio e para onde estamos indo?
Já faz algum tempo que arquitetos e arquitetas descobriram todo o potencial das plataformas de crowdsourcing e financiamento coletivo. Tais ferramentas foram fundamentais para o sucesso do movimento Do-It-Together na arquitetura. As novas tecnologias nos ajudaram a ampliar nossas redes de contatos e consequentemente, a alcançar um número maior de possíveis colaboradores [2]. Neste sentido, o acesso à informação foi fundamental para a redescoberta deste importante papel do profissional da arquitetura. Além disso, através de suas redes sociais fluidas, a arquitetura DIT desafia o sistema existente e cria novas condições para colaborações entre diferentes profissionais, condições que:
- Rompem com a relação clássica arquiteto-cliente: em vez de procura agir dentro dos limites do modelo de negócios atual. Por que não participar de esforços coletivos em parceria com diferentes comunidades e contribuir para o seu crescimento e sucesso?
- Subvertem a hierarquia produtor-consumidor: se as comunidades não podem pagar o preço de mercado, por que não mudar nossos recursos e responsabilidades? Substituir empreiteiros por construtores comunitários (e juntar-nos à construção!), Substituir materiais industriais por materiais de origem local e substituir consultores por parceiros alinhados com a nossa causa?
- Apontam para uma mudança de orientação do universal para o local, da grande escala par aa pequena escala: em vez de viajarmos para o outro lado do mundo, por que não aprender sobre o legado e os desafios da nossa comunidades local? Por que não dedicar mais tempo e energia a projetos locais, menos abstratos e mais fáceis de executar que mega-projetos do outro lado do oceano?
A arquitetura Do-It-Together opera quase como um estudo de caso, um lugar onde é possível combinar o moderno com o vernáculo, o formal com o informal, o profissional altamente especializado com o “pau-para-toda-obra”. Cada um de nós carrega consigo uma infinidade de conhecimentos, habilidades e experiências de vida.
Mas, quais são os limites da arquitetura DIT? Poderíamos adaptá-la à uma escala maior e assim alcançarmos metas mais ambiciosas? Seria possível enfrentar os desafios sociais e ambientais mais urgentes de nosso tempo através de uma abordagem Do-It-Together?
Uma resposta possível seria adotarmos uma abordagem sistemática, construindo uma rede maior e mais acessível e abrangente de possíveis colaboradores. Só assim é que poderemos alavancar uma iniciativa que até agora opera apenas na escala local. Neste sentido, as novas tecnologias desempenharão um papel fundamental, facilitando a comunicação e aproximando diferentes profissionais com interesses similares em busca de um objetivo comum. Personagens que, de outra forma, jamais trabalhariam juntos porque simplesmente, não estão habituados a fazê-lo.
Confrontado com os principais desafios sociais, humanitários e ambientais em um mundo em rápido processos e expansão e crescimento demográfico e urbano, o Do-It-Together pode ser a solução para aqueles que, juntos, buscam fazer a diferença assim como construir um mundo melhor para todos.
Este artigo é uma colaboração do Archdaily com a plataforma, Architecture in Development.
[1] arquitetura vernácula é um termo complexo, utilizado no discurso arquitetônico frequentemente em relação ao como e o quê, mas dificilmente sobre o porquê. Aqui, queremos colocar mais ênfase na intenção e no processo de construção, mais do que em sua mera qualidade estética.
[2] 'arquitetura open-source', 'wikiHouse' e 'arquitetura crowdsourcing' são alguns exemplos destes novos modelos operacionais inspirados pela tecnologia digital; o surgimento de um novo 'design participativo' e 'design comunitário' possivelmente foi desencadeado pelo processo de cocriação digitalizado.