O conjunto do Unhão, cuja construção data do século XVII, constituía-se de um engenho de açúcar com casa-grande, capela e senzala, tombado no ano de 1943. Salvador era a principal cidade brasileira na época da construção, em que o Brasil era uma colônia portuguesa, com a mão-de-obra sobretudo de escravizados, e do seu porto saía grande parte da produção de açúcar para exportação. O conjunto chamou a atenção da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi desde sua primeira visita em 1958, na época que ela passou alguns anos trabalhando e dando aulas na capital baiana. Com participação decisiva de Lina na definição do programa e da própria implantação, as edificações foram restauradas para receberem o Museu de Arte Popular e a Universidade Popular. Mas em todo o conjunto, o elemento que chama a atenção por sua plasticidade, funcionalidade e simbolismo, é a escada helicoidal de madeira.
Ao abordar este projeto, Lina Bo Bardi trouxe uma abordagem bastante inovadora à época em relação à intervenção em edifícios históricos. Ao mesmo tempo que respeitava muito o patrimônio, ela “introduziu elementos transformadores que reciclaram o edifício original, traduzindo-se numa intervenção moderna e inovadora. (...) O projeto de Lina Bo Bardi foi ambivalente, sem negar o edifício original, ela o reinventou, descobrindo novas analogias na construção, com o mar, com as fortalezas portuguesas e com a herança industrial.” [1]
Um gesto arquitetônico marcante no projeto foi a escada helicoidal. Demolida a antiga, a escada representa a união do tradicional com o moderno, em um elemento que é funcional e simbólico ao mesmo tempo. “A escada se mostra contemporânea em seu desenho, mas se harmoniza com os elementos de outras épocas presentes no edifício; e simultaneamente remete ao tradicional, pelo uso da madeira e pelo sistema de encaixes copiado dos carros de boi.” [2] A escada helicoidal é e materializa tanto o conceito do MAP (Museu de Arte Popular), quanto a teoria de restauro da arquiteta, que evitava distinguir ou hierarquizar ‘parte histórica e parte moderna’.” [3]
A escada em si é, na falta de outras palavras, impressionante. Localizada "solta no espaço", uma qualidade que proporciona protagonismo, ela é inscrita entre quatro pilares de seção quadrada, pré-existentes, e desenvolve-se em volta de um pilar roliço central. Em planta, está inscrita em um retângulo de 4.15 m por 4.75 m aproximadamente. “Cada viga perimetral inclinada sustenta quatro degraus trapezoidais cuja espessura mede sete centímetros através de um encaixe do tipo espiga, travado externamente com uma cunha vertical. Os degraus dividem as vigas em quatro partes iguais. As duas exceções às regras são os degraus apoiados na primeira e na última viga. Na primeira, os quatro pilares dividem a viga em partes crescentes a partir do primeiro: oitenta, noventa e cinco, cem, e cento e quinze centímetros respectivamente. Além disso, o primeiro degrau da escada não parte da esquina definida pelo encontro das vigas, senão que avança dez centímetros sobre a face do pilar. Na última, só há três pilares, sendo o último um degrau duplo, totalizando trinta e um degraus.” [4]
Poucos saem impassíveis da experiência proporcionada pela escada. Aldo van Eyck, importante arquiteto holandês, atônito ao visitar a obra, afirma que: “Ela não dita o comportamento, ela simplesmente estimula uma elegância. Ela encena como você vai de um nível ao outro. Faz de todo mundo que desce a escada uma pessoa nobre.”
Notas
[1] Zollinger, Carla Brandão. O Trapiche à beira da baía: a restauração do Unhão por Lina Bo Bardi. Disponível neste link
[2] Geometrias Arte, Arquitetura, Filosofia e Natureza. As escadas de Lina. Disponível neste link.
[3] Carranza, Edite Galote. Escada de Lina Bo. Disponível neste link
[4] Igor Fracalossi. "Clássicos da Arquitetura: Solar do Unhão / Lina Bo Bardi" 05 Dez 2015. ArchDaily Brasil. Acessado 29 Mar 2021.