Medidas que reduzam a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos aos efeitos da mudança do clima são essenciais para o desenvolvimento sustentável. Nas cidades, o aumento de riscos climáticos devido ao processo de urbanização exige de governos locais ações de planejamento e investimentos para ampliar a adaptação climática. Este é um desafio que ultrapassa os limites geográficos das zonas urbanas e está relacionado à prosperidade de todo o planeta, afinal, é nas cidades que se concentram 55% da população mundial e 80% do PIB global.
No Brasil, 85% da população mora em áreas urbanas. Entre 2013 e 2016, cerca de 50% das cidades brasileiras sofreram com secas, 31% delas experienciaram situações de alagamentos e 29% incorreram em enxurradas ou inundações bruscas. A frequência de tais desastres naturais e seus impactos na população tendem a aumentar nos próximos anos, e cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, onde mora 54,7% da população brasileira, serão as mais afetadas.
Apesar de os impactos de desastres naturais já serem sentidos no país, cerca de 60% dos municípios brasileiros não possuem instrumentos de planejamento e gerenciamento de riscos de desastres naturais. Além disso, o baixo nível de investimentos em setores-chave para a adaptação climática em zonas urbanas piora esta realidade: apenas para universalizar o tratamento de resíduos sólidos, por exemplo, calcula-se que são necessários R$ 11,6 bilhões até 2031.
Por que, afinal, governos locais apresentam tanta dificuldade em implementar estratégias para ampliação da adaptação climática em zonas urbanas no Brasil?
Um dos motivos é a incerteza sobre as dimensões, frequência e o horizonte temporal dos eventos climáticos. Além disso, os investimentos em adaptação climática acabam por competir com outras pautas urgentes como educação, mobilidade urbana e saúde. Em meio a necessidades tão evidentes, que são agravadas ainda mais pela pandemia de Covid-19, quais as oportunidades trazidas pelos investimentos em estratégias de adaptação em cidades?
Análises econômicas podem ajudar a responder essa pergunta. A seguir, elencamos três argumentos econômicos que justificam a relevância e urgência da adaptação climática nas cidades brasileiras.
Custos evitados
Prevenir é melhor do que remediar. Os sistemas de alerta precoce de eventos climáticos são capazes de preservar ativos que valem pelo menos dez vezes o seu custo. A ampliação desses tipos de sistema no país poderia ter evitado parte dos gastos de cerca de R$ 180 bilhões em atividades de resposta e/ou recuperação de regiões abaladas por eventos como secas, inundações e deslizamentos de terra entre 1995 e 2017 no Brasil. Mais do que gastos diretos com respostas, os desastres naturais afetam a economia brasileira como um todo, incluindo setores importantes para o funcionamento das cidades, como infraestrutura, serviços públicos e privados, e indústria, gerando prejuízos de cerca de R$ 9 bilhõesanualmente.
Apesar da nomenclatura, a análise de custos evitados não se refere apenas a recursos monetários perdidos em função da vulnerabilidade das cidades à mudança do clima: também abrange a perda de bem-estar humano, incluindo saúde, segurança, educação e renda. Apenas entre 2008 e 2012, por exemplo, 445 brasileiros e brasileiras morreram em função de enchentes e quase 1,5 milhão ficaram desabrigados. Os impactos desses eventos na qualidade de vida da população e, em particular, nos grupos socialmente mais vulneráveis, são de difícil mensuração, porém absolutamente relevantes para traçar novas estratégias de desenvolvimento nas cidades do país.
Redução da pobreza urbana e da desigualdade
Os impactos da mudança do clima são distribuídos de forma desigual no território. Os benefícios da ampliação da adaptação climática serão proporcionalmente maiores para as populações urbanas mais pobres e vulneráveis, parcela da sociedade que sofre de forma mais intensa com os impactos advindos de eventos climáticos como deslizamentos, enchentes e inundações.
O aumento da adaptação climática em cidades tem como premissa a redução da pobreza urbana, que se manifesta em áreas cruciais para o combate aos efeitos da mudança do clima. Um exemplo está na busca por melhores condições de habitação para a população que vive em moradias informais e em áreas de risco, como as favelas. No Brasil, cerca de 734 municípios brasileiros possuem assentamentos informais. Grandes centros urbanos como Belém, Manaus, Salvador e Rio de Janeiro são particularmente afetados, tendo, respectivamente 55,5%, 53,4% e 41,8% e 19,3% dos seus domicílios em ocupação irregular. Os riscos naturais associados às áreas em que a população urbana mais pobre é forçada a se estabelecer, tais como deslizamentos e alagamentos, são temas prioritários tanto para o desenvolvimento e o combate à pobreza nas cidades, quanto para a ampliação da adaptação climática.
A ampliação da adaptação também está relacionada com a redução das desigualdades. Há consenso entre economistas de que a desigualdade está relacionada com problemas sociais como violência, condições de saúde precárias e baixo nível de escolaridade na população. Cidades como São Paulo demonstram o abismo das condições de vida entre a população urbana: enquanto o bairro Jardim Paulista apresenta uma média de idade ao morrer de 81,5 anos, em Jardim Ângelaesse número cai para 58,3, uma diferença de cerca de 23 anos. A adaptação climática tem como pressuposto a identificação dos diferentes tipos de riscos e graus de vulnerabilidade do território, a fim de garantir que as ações sejam realizadas da forma mais efetiva e para aqueles que mais necessitam.
Aumento da renda e geração de empregos
Setores da infraestrutura urbana capazes de ampliar a adaptação climática também apresentam amplo potencial para a geração de renda e empregos em cidades, tais como:
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Infraestrutura natural: para cada US$ 1 milhão investido em reflorestamento e manejo florestal sustentável em cidades, quase 40 empregos podem ser mantidos no mundo e, em especial, aqueles com baixa necessidade de qualificação e rápida contratação (crucial em países com baixa escolaridade com Brasil).
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Resíduos sólidos: enquanto as ações de reciclagem, reutilização e recuperação de resíduos sólidos têm o potencial de gerar de 3 a 20 empregos por 1 mil toneladas de lixo tratadas, as estratégias tradicionais de aterro sanitário e incineração geram apenas 0,1 empregos por 1 mil toneladas de lixo tratadas.
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Transporte ativo: o gasto de US$ 1 milhão em infraestrutura de transporte ativo, como ciclovias e calçadas, tem o potencial de criar entre 15 a 28 empregos, em comparação com 8 empregos na construção de estradas para o mesmo nível de investimento.
O potencial de gerar empregos é particularmente relevante no contexto atual do país em que a pandemia de Covid-19 levou ao afastamento do trabalho cerca de 2,7 milhões de brasileiros e brasileiras devido ao distanciamento social, além da redução nos rendimentos de quase 20% das pessoas ocupadas.
Novos investimentos e políticas alinhados à urgência climática não são apenas necessários: eles compensarão, e muito, os gastos e esforços. Como os três pontos elencados acima, há muitos outros argumentos sociais, econômicos e ambientais a demonstrar que realizar os investimentos em adaptação em cidades são parte desse desafio, mas também dessa oportunidade.
Artigo desenvolvido com a colaboração de Laura Azeredo e Viviane Romeiro.
Via WRI Brasil.