O historiador, escritor e curador alemão-holandês, Ole Bouman, é hoje uma das figuras mais influentes do mundo da arquitetura. Apesar de nunca ter frequentado uma escola de arquitetura, o outsider e co-curador da 5ª Bi-City Bienal de Arquitetura e Urbanismo de Shenzhen afirmou recentemente que “todos nós podemos fazer arquitetura”. Envolvido até o pescoço no discurso da prática da arquitetura contemporânea, Ole Bouman é diretor e fundador da Design Society de Shenzhen, e um dos responsáveis pela introdução de uma série de novos conceitos no discurso da arquitetura além de ter assumido importantes cargos institucionais relacionados aos profissionais da industria da construção civil ao longo de sua carreira.
Neste tempo, Ole Bouman já foi diretor do Instituto de Arquitetos da Holanda (NAi) e também diretor de criação da 5ª Bienal Bi-City de Arquitetura e Urbanismo de Shenzhen/Hong Kong. Buscando congregar em um só lugar todo o conhecimento adquirido ao longo de sua carreira como historiador, escritor, editor, fotógrafo, curador, conferencista e especialista em projeto de arquitetura, Ole Bouman acaba de lançar uma nova plataforma, um lugar onde “a vida se entrelaça com a história”. Para saber mais sobre o a vida e obra Bouman, e especialmente sobre seu artigo recentemente publicado, “Finding Measure”, acompanhe a seguir a entrevista exclusiva do historiador e curador para o ArchDaily, onde o diretor fundador da Design Society discute o presente e o futuro da arquitetura, abordando o papel do arquiteto e os principais desafios do mundo hoje, além da revolução digital e muitos outros tópicos interessantes.
Finding Measure
Não muito tempo atrás, falar sobre um possível colapso do planeta era encarado como algo ridículo e até sensacionalista. Hoje, entretanto, a derrocada do nosso planeta é de fato evidente, assim como são as desigualdades, a injustiça social e a violência. O crescente controle e monitoramento de nossas vidas é algo que preocupa a todos. Ainda assim, estamos cada dia mais conscientes sobre as consequências climáticas da exploração e exaustão dos recursos naturais de nosso planeta. Estamos chegando finalmente a um ponto de inflexão no que se refere ao clima, a biodiversidade e a exaustão dos recursos naturais.
Obviamente, nosso “tempo está descompassado”. Necessitamos urgentemente reencontrar uma condição de equilíbrio antes que seja tarde demais. E para alcançarmos este equilíbrio, será fundamental encontrarmos um senso de medida comum.
A medida é o oposto do excesso, é o bom senso e a responsabilidade contra o abuso e a extravagância. Na verdade, para que possamos encontrarmos uma medida comum, se faz necessário um esforço coletivo e um desejo por mudanças. É uma forma de ser, uma virtude ou uma questão de caráter.
Se de fato existe um senso comum, abrangente, atemporal e capaz de unir a todos nós, esse senso de medida só pode ser a arquitetura—a arte que combina a vida, o espaço e o tempo...equilibradamente.
Mas como foi que a arquitetura se transformou em um sinônimo de equilíbrio e medida? Seriamos incapazes de considerar ou ponderar as causas e consequências de nossos modos de vida e seus possíveis impactos no meio ambiente? Fato é que a arquitetura é vista hoje como a nossa principal—senão única—ferramenta capaz de operar uma reconciliação entre os homens e a natureza. E mais do que isso: a arquitetura é o ofício humano responsável por transformar intenção em ação.
A arquitetura, definida dessa forma, claramente não pode ser vista como uma mera atividade profissional ou prestação de serviços. A arquitetura contemporânea é a manifestação do modo de vida da humanidade no tempo presente. É isso que a define, e é isso que ela tem representado ao longo do vasto curso da história.
É por isso que a arquitetura é tão fascinante, e é por essa razão que ela segue sendo estudada, atraindo a atenção de pesquisadores de todas as disciplinas. Enquanto existirmos, existirá arquitetura. Portanto, é isso que eu quero dizer quando digo que a arquitetura é obviamente muito importante para ser deixada apenas nas mãos dos arquitetos. Ela representa o nosso senso de medida comum. É através da arquitetura que todos somos capazes de sentir a dimensão da nossa existência. A arquitetura se materializa no castelo de areia construído por uma criança na praia ou através do raio de sol que aquece o nosso rosto ao penetra pela janela da nossa casa, a arquitetura é algo que nos permite apreciar a vida e a natureza.
Um bom projeto de arquitetura é aquele que faz com que você seja feliz por estar vivo. E isso significa que todos nós podemos fazer arquitetura também.
Então, de que forma a arquitetura, como a nossa busca incessante por criar espaços que nos façam sentir-nos bem, pode nos ajudar a redescobrir nosso senso de medida para assim, podermos combater o excesso e o consumo exagerado?Certamente não aceitando que ela seja uma propriedade exclusiva apenas dos arquitetos. Pelo contrário, a arquitetura, como uma ferramenta capaz de nos reconciliar com a natureza, parece ter sido complemente esquecida pela maioria das práticas de arquitetura que, salvo raras excessões, seguem contribuindo amplamente para o esgotamento dos nossos recursos naturais. E isso pode ser extendido também ao discurso teórico, que continua a se afastar de qualquer bom senso possível e imaginável. A arquitetura que estamos testemunhando hoje, opera em conformidade com a voraz industria da construção civil que, avança incansavelmente não obstante os evidentes sinais de que estamos nos aproximando rapidamente do chamados ponto de inflexão. Foi necessária uma pandemia global sem precedentes para que fossemos forçados a nos impor um limite quantitativo. Quem dera o que seria necessário para que possamos fazer desde limite nosso objetivo?
Uma maneira de encontramos a resposta para essa pergunta é indagando por que a arquitetura segue impassível frente aos principais desafios que estamos enfrentando hoje. As evidências estão ai para serem vistas há pelo menos algumas décadas, e a arquitetura segue sem se posicionar de forma convincente em relação a isso—tanto na prática quanto na teoria.