As pessoas são o propósito e a escala da cidade, então, como seria uma cidade projetada para as pessoas? Em abril desde ano aconteceu o primeiro "Prêmio Cidade pela Humanidade", que teve sua cerimônia realizada em Chengdu, China. Com o tema "reconstruindo conexões", a premiação busca promover uma discussão sobre os valores sociais e o cuidado humanístico nas cidades chinesas através de uma abordagem profissional e comunicativa.
A cerimônia premiou projetos urbanos e destacou como as cidades devem ser integradas ao meio ambiente, constituindo-se como contenedoras de memórias e emoções humanas.
Conheça os cinco vencedores:
Espaço público: West Village - Basis Yard / Jiakun Architects
Enquanto projeto arquitetônico de escala urbana enraizado no espírito humanístico local e na memória coletiva, o Xicun Courtyard abre uma nova dimensão imaginativa para a construção de espaços públicos nas cidades chinesas.
Projeto arquitetônico: Lianzhou Museum of Photography / O-office Architects
Apesar de usar materiais locais e métodos de baixo custo, o edifício ainda mantém um alto nível de qualidade construtiva. Por meio do tratamento cuidadoso dos materiais e da bem-sucedida gestão do espaço, o museu se conecta perfeitamente aos contexto onde se localiza.
Comunidade: The Community Garden Series in Shanghai
Shanghai Community Garden é um exemplo muito raro de projeto bem-sucedido que transforma uma comunidade – ou mesmo uma cidade – por meio de ações urbanas experimentais. No caso, hortas comunitárias, um meio de transformação aparentemente frágil que emprega um método simples para resistir e reverter o processo de transformação movido pelo mercado imobiliário.
Contribuição ecológica: Green Hill / TJAD Original Design Studio
Ao resolver criativamente os conflitos entre o tráfego urbano, paisagismo e o conjunto edificado pré-existente, o Green Hill passou de uma estrutura funcional a um lugar de atmosfera ecológica adorado pelo público. Não apenas se tornou destaque do Projeto de Reconstrução do Rio Yangpu de Xangai, como também oferece um excelente exemplo de projeto para a renovação urbana contemporânea na China.
Renovação urbana: Laoximen Urban Renewal
O projeto mostra um delicado equilíbrio entre tradição e inovação, propondo edifícios de variadas tipologias e programas, instalações paisagísticas e obras de arte públicas.
O ArchDaily teve a oportunidade de conversar com Wang Shu, jurado do prêmio e vencedor do Pritzker de 2021, sobre as questões o desenvolvimento das cidades chinesas e os projetos premiados.
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ArchDaily: O que os projetos finalistas têm em comum? E quais são as mudanças óbvias no desenvolvimento urbano quando comparamos com a primeira década do século XXI, na época dos preparativos para as Olimpíadas e a Expo Mundial?
Wang Shu: Acho que a maior e mais óbvia mudança é a publicidade. O papel da arquitetura como espaço público tem recebido atenção sem precedentes. Antes das Olimpíadas ou na Expo Mundial, na verdade, poucos chineses mostravam entusiasmo pela arquitetura. De repente, ela se tornou uma espécie de espaço significativo.
É possível encontrar espaços semelhantes sendo construídos por toda a parte na China. Além disso, o espaço público da cidade não é mais como o original, que só serve à vida local. Vemos que todos eles têm essa qualidade de “querer ser conhecido globalmente”. Acho que é uma mudança muito grande.
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ArchDaily: Percebemos que os arquitetos e o público têm uma atitude crítica e um sentimento negativo em relação aos edifícios concluídos antes da Expo Mundial e dos Jogos Olímpicos. No entanto, nesses projetos premiados, mudamos para uma atitude relativamente positiva. Você enxerga alguma tendência? Quais são algumas das demonstrações positivas?
Wang Shu: Na realidade, é difícil falar em "tendência" porque existem algumas tendências diferentes. Esta é, na minha opinião, a segunda grande mudança na arquitetura chinesa: imitar a moda ocidental para começar a revelar alguns padrões de pensamento e mostrar diferenças.
Acho que esse tipo de desenvolvimento diversificado é notável. Não se trata apenas da questão de uma determinada tendência, mas de uma melhoria significativa na qualidade dos projetos.
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Archdaily: O tema deste prêmio é "Reconstruindo Conexões" e os projetos selecionados foram construídos antes da pandemia. Diante do surto de coronavírus, que mudanças orgânicas ocorreram nos projetos selecionados e quais são suas observações? Qual é o impacto da pandemia na seleção?
Wang Shu: Penso que a pandemia tem pouco impacto na arquitetura pois esta foi concebida desta forma para durar décadas; assim, a pandemia que ocorre em um ou dois anos tem pouco impacto na arquitetura. Em termos de espaço público e privacidade pessoal, acho que a pandemia é, sim, relevante. Para prevenir e controlar a contaminação, devemos isolar as pessoas.
Você verá que a fronteira entre privacidade e publicidade foi rompida. Algumas pessoas podem pensar que a pandemia promoveu a chegada da era digital. Em outras palavras, o maior problema é o surgimento de um estado de "atributos culturais pouco claros" – o que é muito chinês.
Os chineses gostam de dizer "eu sou muito chinês", mas, na verdade, as cidades chinesas são aquelas com os atributos culturais mais obscuros do mundo: as cidades chinesas costumam fazer as pessoas se perguntarem onde estão. Costumo brincar dizendo que este é o futuro da humanidade na lua ou em Marte. As cidades estão perdendo seus atributos culturais. Eles são simplesmente um estado e uma mercadoria. Acho que o maior problema que a sociedade chinesa enfrenta é que todas as atividades de construção se tornaram commodities.
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Archdaily: Esses commodities criarão muitos edifícios instagramáveis e os critérios de avaliação do público para bons edifícios serão muito restritos. Quais você acha que deveriam ser estes critérios?
Wang Shu: Os padrões públicos não podem ser usados como base para avaliação, porque a popularidade na Internet tende a ter um forte comportamento de rebanho. Arquitetos, por outro lado, devem ter espírito de autocrítica e autorreflexão. Hoje, a arquitetura tem o poder de remodelar o espaço de vida. Pode construir um espaço vital ou destruí-lo em grande escala. A arquitetura não é unilateral. Sob tal premissa, quero enfatizar particularmente a continuidade da cultura, que é muito importante.
O que quero dizer com continuidade da cultura é a continuidade das memórias de vida relacionadas a todos, não apenas a continuidade das tradições culturais chinesas, que são muito abstratas. Na verdade, é uma cultura viva que se relaciona com todos. Todo o conteúdo relacionado à continuidade é o mais vulnerável, o menos poderoso e o mais básico da cidade, por isso devemos estar atentos à continuidade. Do contrário, as cidades chinesas seriam enfadonhas. Existem cidades gloriosas e medíocres em todos os lugares.
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Archdaily: Nesse sentido, o que você acha do projeto Super Wenheyou?
Wang Shu: Acho que é um surto de reações psicológicas concentradas. É difícil dizer se é bom ou ruim. Tenho que ir ver pessoalmente para dizer.
O que é realmente chocante é a resposta do público, que é, em certa medida, a resposta do público que foi moldada por nós. É por isso que os arquitetos devem permanecer atentos. A resposta do público a isso é moldar a estética do público por eventos que acontecem na cidade há décadas.
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Archdaily: Você participou do "Prêmio Construção Natural" no ano passado. Como os critérios de avaliação desses dois prêmios diferem?
Wang Shu: Relativamente falando, o “Prêmio Construção Natural” aborda temas mais transcendentes, que são sobre a própria arquitetura. O “Prêmio Cidade pela Humanidade” foca na cidade, que é um assunto particularmente complicado.
Só de olhar para os critérios de avaliação do “Prêmio Cidade pela Humanidade”, não é difícil entender que o Super Wenheyo será selecionado. Se for avaliado de acordo com os critérios do “Prêmio Construção Natural”, definitivamente este projeto não seria selecionado. Os dois prêmios têm orientações e padrões diferentes.
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Archdaily: Na categoria de criação comunitária e inovação urbana, os projetos selecionados estão, na verdade, relacionados às decisões de construtoras e incorporadoras. Enquanto arquiteto, que conselho você daria aos tomadores de decisão?
Wang Shu: Acho que toda a sociedade chinesa deve refletir sobre um problema: somos muito supersticiosos sobre o poder do planejamento e do design, e todas essas forças são, na verdade, o poder de algumas pessoas, um poder de cima para baixo. Ele ignora o poder da própria cidade e o poder da própria vida. Em longo prazo, isso só prejudicará as cidades chinesas.