As influências orientais que moldaram a arquitetura soviética na Ásia Central

Após o fim da Segunda Guerra Mundial e com a clamorosa vitória dos Aliados sobre a Alemanha Nazista, a União Soviética se consolidou como uma das principais potências emergentes junto aos Estados Unidos, ampliando seu limites e expandindo sua influência e domínio sobre um vasto território da Europa Central à Ásia. Ao longo da segunda metade do século XX, em um período marcado por uma vaidosa disputa ideológica contra os EUA, a União Soviética utilizou a arquitetura como uma ferramenta para estabelecer uma aparente uniformidade e concordância sobre um território ocupado extremamente diverso e policromático. Neste contexto, procurava-se combater as especificidades locais em favor da supremacia de uma nova sociedade unificada e homogênea. No entanto, na prática, a arquitetura se mostrou suscetível a adaptações e influências locais—principalmente nos distantes territórios ocupados pela URSS na Ásia Central. Dito isso, este artigo ilustrado com fotografias de Roberto Conte e Stefano Perego procura analisar as especificidades e desdobramentos da arquitetura soviética em um território historicamente excluído das principais narrativas modernas, revelando todas as nuances de seu patrimônio construído e a variedade de tons de suas paisagens urbanas.

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Hotel Avesto (1984). Dushanbe, Tajikistan. Image © Stefano Perego

Na corrida para se reconstruir uma Europa devastada pela guerra, a utilização em larga escala de componentes e elementos construtivos pré-fabricados e industrializados se tornou a única solução possível para se combater a urgente escassez de moradias daquele período. A produção massiva de unidades habitacionais em tempo recorde levou a uma total estandardização das soluções construtivas e a consequente abolição de tudo aquilo que não fosse extremamente necessário. Como resultado disso, emerge na Europa—a começar pelo Reino Unido—, uma arquitetura que viria a ser conhecida como brutalista. Anos mais tarde, apropriando-se destes conceitos e da emergencia de novas tecnologias e soluções construtivas pré-fabricadas, a União Soviética dá início a um plano massivo e sem precedentes de construção de unidades habitacionais em todo o seu vastíssimo território. Não é por acaso que “modernismo soviético” se tornou sinônimo de edifícios habitacionais “brutalistas”. No entanto, mais do que um adjetivo relacionado a uma questão puramente estética, o termo brutalista carrega consigo um conteúdo essencialmente ideológico. Através da homogeneização das condições de moradia, o Estado procurava criar uma imagem consistente e uma sociedade unificada e homogênea. Ainda assim, a arquitetura se manteve flexível o bastante para adaptar-se às especificidades de cada contexto, como no caso da Ásia Central.

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Exhibition Hall of the Uzbek Union of Artists (1974). Tashkent, Uzbekistan. Image © Stefano Perego

Em seu mais novo ensaio fotográfico intitulado Soviet Asia, publicado pela FUEL, Roberto Conte e Stefano Perego exploram a herança brutalista nas ex-repúblicas soviéticas do Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Tajiquistão, revelando as especificidades regionais do modernismo soviético na Ásia Central. Documentando o legado arquitetônico construído entre os anos 50 e 90, Conte e Perego nos apresentam uma arquitetura até certo ponto desconhecida pelo público em geral.

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- Drilling Tool Plant (1980s). Samarkand, Uzbekistan. Image © Stefano Perego

O desenvolvimento urbano na Ásia Central Soviética assumiu um caráter próprio e específico. Arquitetos e urbanistas de Kiev, Moscou e Leningrado foram levados até os confins do território soviético para construir a imagem de um Estado coeso e unificado. No entanto, arquitetos locais buscavam driblar esta estética homogeneizante, buscando inspiração nas culturas e identidades locais—moldadas por uma forte influência Persa e Islâmica. Neste contexto, a arquitetura moderna construída em tempos de repúblicas soviéticas asiáticas está impregnada de elementos arquitetônicos emprestados das culturas orientais, revelando-se em forma de mosaicos, no uso de cores e ornamentos, e assim criando uma estética brutalista sui generis, onde influências europeias e asiáticas se entrelaçam.

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Circus (1976). Tashkent, Uzbekistan. Image © Roberto Conte

Coroado por uma enorme cúpula de concreto, o Chorsu Bazaar é o maior mercado público construído no Uzbequistão. No entanto, o que o diferencia das demais estruturas soviéticas similares é o revestimento de azulejos coloridos do lado de fora, uma expressão da influência islâmica na arquitetura do Uzbequistão. Nesta mesma linha podemos inserir o edifício Circus em Bishkek, Quirguistão, cujos motivos definem o tipo de arquitetura soviética construída em países da Ásia Central.

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Avicenna mosaic (1988). Dushanbe, Tajikistan. Image © Roberto Conte

Um outro belo exemplo de contextualização da arquitetura soviética em países da Ásia Central pode ser visto no mosaico deste edifício construído em Dushanbe, no Tadjiquistão, no qual podemos ver o filósofo persa Avicena retratado ao lado de astronautas soviéticos. Em todo o Bloco de Leste, incluso as ex-repúblicas soviéticas, a corrida espacial foi largamente explorada na arte e na arquitetura durante a Guerra Fria, muitas vezes incluídas em contextos questionáveis. No entanto, exemplos como este nos servem para melhor compreender o ethos daquele momento.

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Al-Farabi Kazakh National University (1970s). Almaty, Kazakhstan. Image © Roberto Conte

Ao longo das últimas décadas, muitos edifícios soviéticos foram demolidos em cidades como Dushanbe, Tashkent e Almaty, em uma tentativa de romper com o passado totalitário e reafirmar a soberania reconquistada após o colapso da União Soviética. No entanto, em muitos casos, a demolição é feita de forma gratuita, sem nenhum plano de reconstrução. Como consequências disso, o que se vê hoje nestas cidades são apenas terrenos vazios e abandonados. Ainda assim, em algumas das ex-repúblicas soviéticas parece estas surgindo—ainda que timidamente—um movimento de resgate destas estruturas, ou pelo menos, uma busca por proteger os já muito amaçados monumentos erguidos neste conturbado período histórico. Como tal, podemos citar uma iniciativa em Dushanbe para preservar os murais e mosaicos da arquitetura soviética além de esforços em Tashkent e Almaty para catalogar e documentar o patrimônio soviético construído.

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TV and Radio building (1983). Almaty, Kazakhstan. Image © Stefano Perego

O ensaio fotográfico Soviet Asia de Roberto Conte e Stefano Perego questiona a ideia de um modernismo soviético homogêneo, trazendo à tona todas as nuances desse rico patrimônio construído. O que ainda nos resta desse legado dilacerado nos mostra a prevalência da cultura local dentro de um estilo arquitetônico aparentemente genérico.

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Residential building (1985). Bishkek, Kyrgyzstan. Image © Roberto Conte

Roberto Conte (n.1980) é um fotógrafo de arquitetura radicado em Milão, Itália. Devoto a arquitetura do século XX, Conte se dedica a documentar projetos modernos, racionalistas, construtivistas e de vanguarda ao redor do mundo.

Stefano Perego (1984) é um fotógrafo de arquitetura de Milão, Itália. Freqüentemente colabora com estúdios de arquitetura e artistas e é co-autor do livro SOVIET ASIA (Modern Soviet Architecture in Central Asia). Seu forte interesse no período arquitetônico da segunda metade do século XX o levou a concentrar seu trabalho especialmente no registro de obras do modernismo, brutalismo e pós-modernismo.

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Courtesy of Roberto Conte and Stefano Perego

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Sobre este autor
Cita: Cutieru, Andreea. "As influências orientais que moldaram a arquitetura soviética na Ásia Central" [Brutalism in Central Asia: The Eastern Influences that Shaped Soviet Architecture] 16 Mai 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/960872/as-influencias-orientais-que-moldaram-a-arquitetura-sovietica-na-asia-central> ISSN 0719-8906

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