Ao longo das últimas décadas, a arquitetura descobriu no cinema uma importante ferramenta para explorar novas formas de apresentar e representar o espaço. Construindo narrativas visuais capazes de emocionar os espectadores, os filmes de arquitetura adicionam mais profundidade à nossa forma de experimentar o espaço. Neste contexto, explorando uma série de filmes realizados pela 9sekunden, este artigo procura analisar de que forma o cinema está enriquecendo a experiência do espaço na arquitetura.
A relação entre arquitetura e cinema é quase simbiótica, um tema que há muito tempo fascina arquitetos e arquitetas do mundo todo. Em seu artigo entitulado Montage and Architecture, o diretor Sergei Eisenstein faz uma analogia entre as técnicas de montagem no cinema e as sequências espaciais construídas através da arquitetura. Bernard Tschumi, por sua vez, apropriou-se deste mesmo conceito para desenvolver o seu famoso projeto para o Parc de la Villette na cidade de Paris. Não é nenhuma novidade que estas duas disciplinas andem de mãos dadas. Por um lado, o cinegrafista não pode prescindir de um contexto espacial concreto para dar forma ao seu trabalho; por outro lado, a maneira como o cinema explora o uso do espaço construído, a luz, a escala e a paisagem são hoje uma importante fonte de inspiração para os arquitetos. Além disso, dizem que não há maneira melhor de se representar a arquitetura que a imagem em movimento. Não é por acaso que o cinema, inadvertidamente, compõe o mais fiel registrou da história moderna da arquitetura.
Durante a crise do petróleo dos anos 1970 e a consequente crise na arquitetura, a medida que se construía cada vez menos e as oportunidades de emprego na industria da construção civil se tornavam cada vez mais escassas, arquitetos foram forçados a retroceder para dentro da academia e a dedicar-se cada vez mais ao campo teórico. Buscando inspiração em diferentes disciplinas, a arquitetura descobriu no cinema seu principal aliado, uma ferramenta capaz tanto de criar quanto de articular o espaço construído. Em seu livro entitulado The Architecture of Image: Existential Space in Cinema (2001), o arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa observou que “tanto a arquitetura quanto o cinema implicam uma forma cinestésica de experimentar o espaço”. A partir daí a arquitetura e o cinema passaram a conviver em estreita harmonia, criando uma relação simbiótica que deu origem à uma série de filmes de arquitetura e festivais de cinema dedicados a esse tema. O meio cinematográfico passou a ser amplamente explorado na representação da arquitetura contemporânea, transformando-se em uma excelente ferramenta à disposição dos arquitetos, principalmente por sua capacidade em tornar evidente tudo aquilo que não pode ser contido em apenas uma imagem. O cinema, assim como o espaço, não é algo estático e tampouco pode ser contido em um único plano bidimensional. Além do mais, a arquitetura se beneficiou muito da capacidade do cinema em despertar emoções.
Para construir um filme de arquitetura é preciso compor um roteiro preciso das sequências espaciais que se pretende apresentar, uma narrativa visual capaz de revelar as intenções do arquiteto sem precisar explicá-las com o uso de palavras. É desta forma que a equipe multidisciplinar alemã do 9sekunden trabalha produzindo seus filmes de arquitetura, construindo narrativas espaciais e capturando a atmosfera dos espaços construídos. Partindo de estudos fotográficos e cinematográficos, a equipe do 9sekundem procura desenvolver uma abordagem única para cada projeto. Seus espaços e formas, muitas vezes, desempenham um papel fundamental na estrutura do filme. Através do cinema, a arquitetura é então ressignificada. Assistindo os filmes do 9sekunden descobrimos que a arquitetura é muito mais do que apenas beleza, firmeza e utilidade, ela é também espaço, som e movimento.
É como se cada arquitetura contivesse a sua própria “atmosfera”, um termo que em um primeiro momento pode parecer bastante evasivo, mas que faz referencia a maneira como nós, seres humanos, percebemos o espaço. Em seu livro Atmospheres, Peter Zumthor procura definir em palavras do que se trata a atmosfera da arquitetura: “a densidade e o humor de cada espaço, a sensação de presença, de bem-estar, de harmonia e beleza ... sob cujo feitiço experimento o que de outra forma não experimentaria precisamente dessa maneira”. A atmosfera de um espaço tem a ver com a nossa sensibilidade e, portanto, é uma experiência extremamente pessoal. Ao construir narrativas espaciais, o cinema adiciona mais uma camada à própria arquitetura, nos permitindo experimentar o espaço a partir de um outro ponto de vista.