O que define um museu nos dias de hoje: seu conteúdo ou sua arquitetura? Lauren McQuistion, arquiteta e doutoranda da Universidade da Virginia, explora os possíveis novos significados das instituições de arte na contemporaneidade em seu artigo recentemente publicado pelo Architect's Newspaper.
Segundo a linha do tempo delineada por Charles Saumarez Smith em seu livro The Art Museum in Modern Times, diretores, administradores e curadores têm se esforçado para reinventar o conceito de museu ao longo dos últimos 80 anos. Procurando estabelecer uma narrativa visual que reflete a evolução dos “objetivos, aspirações e crenças” das instituições museais ao longo das últimas décadas, o historiador de arte e ex-diretor da National Portrait Gallery de Londres apresenta em seu livro uma espécie de linha evolutiva da arquitetura museal. No entanto, em sua desafiadora tarefa, ele acaba por omitir a complexidade da disputa de forças e interesses por trás do projeto de qualquer instituição de arte. Neste sentido, é importante mencionar que, não são apenas diretores, administradores e curadores os responsáveis pela tomada de decisões de como, onde e quando estes edifícios devem ser construídos.
A estrutura do livro é bastante simples e está organizada em torno de uma série de estudos de caso que abrangem desde instituições públicas e privadas, até iniciativas filantrópicas e menos conhecidas. A questão mais enigmática por trás desta publicação é o recorte ao que título alude. Os mais de 40 edifícios de museu que Saumarez Smith examina em seu livro compõe um quadro pra lá de heterogêneo, cobrindo desde exemplos clássicos do modernismo e pós-modernismo até objetos de “arquitetura contemporânea”. Neste percurso, fica claro que o “moderno” do título se refere àquilo que significa a arquitetura do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque. A leitura atenta de Saumarez Smith do projeto de arquitetura do MoMA, aponta para uma ruptura com a tipologia “tradicional de museu”, reconhecendo os esforços da incipiente instituição na década de 1930 em busca de uma arquitetura simples e concebida para ressaltar a heterodoxia de seu conteúdo. Embora o MoMA seja um ponto de partida mais do que previsível para analizar a evolução dos museus de arte ao longo do século XX e XXI, não é assim tão óbvio que o modelo museológico estabelecido pelo MoMA nos anos 30 viria a transformar para sempre as instituições museais como as conhecíamos até então.
A lógica modernista determinou por muito tempo como deveriam ser os museus e instituições de arte ao redor do mundo. Entretanto, a partir dos anos 1990, a historiadora de arte Rosalind Krauss já identificava uma mudança de paradigma no que se refere ao funcionamento dos espaços museias. Krauss apontava para uma nova lógica consumista, uma tese posteriormente explorada por Hal Forster em seu livro The Art-Architecture Complex (2011), e mais recentemente por Claire Bishop em seu Radical Museology (2013). Obviamente, esta questão não poderia passar em branco no novo livro de Saumarez Smith: os museus de hoje não são mais apenas concebidos como espaços de preservação e manutenção de itens raros e objetos de arte, como tampouco são instituições preocupadas apenas em tornar a arte acessível para todos. No mundo de hoje, os museus parecem travar uma constante disputa pela atenção dos visitantes. E se nos primórdios os limites de um museu iam pouco além de sua própria arquitetura, atualmente eles parecem prescindir ou até desdenhar da necessidade de uma sede fixa ou permanente. Por exemplo, o edifício Brutalista sede do Whitney Museum, projetado por Marcel Breuer em 1966 no Upper East Side de Manhattan, foi fechado para reforma em 2015 e depois disso, tornou-se algo mais parecido com uma galeria de arte temporária a serviço de diferentes instituições.
Especialista no tema, Saumarez Smith nos oferece um ponto de vista bastante preciso sobre as prioridades e dinâmicas que moldaram a tipologia de museu ao longo dos anos. É uma pena, no entanto, constatar que os Museus de Arte nos Dias de Hoje tenham sido reduzidos a meros dispositivos desgastados pelo tempo. Embora a linha do tempo apresentada no livro seja bastante didática e fácil de acompanhar—até mesmo para aqueles quem não estão familiarizados com a história da arte do século XX—, para os leitores mais aclimatizados com o tema os critérios para a seleção dos projetos não parece muito óbvia. Embora, em um primeiro momento, Saumarez Smith pareça querer abordar a questão desde um ponto de vista universal, a discussão fica restrita aos Estados Unidos e a Europa além de partir de premissas pessoais e bastante evasivas. Os museus, reformas e acréscimos que fazem parte do recorte apresentado no livro foram simplesmente escolhidos pelo autor “porque ele acredita que estes eram os exemplos mais apropriados para serem expostos no livro”. Dado os (pre)conceitos utilizados pelo autor, não nos surpreende o fato de que algumas das instituições—ou melhor, marcas—listadas em seu livro, apareçam mais de uma vez embora o limitado número de objetos de estudo escolhidos para ilustrar a sua tese. A análise proferida assume então um caracter tendencialmente formalista, deixando muito a desejar no que se refere ao julgamento crítico a respeito do papel que a arte e a arquitetura desempenharam na evolução destes espaços ao longo dos anos. Em vez disso, o autor traça um percurso no qual ele apenas tangencia brevemente cada um dos exemplos, pontuando uma profusão de nomes, datas e rótulos que pretendem configurar um panorama coercivo sobre a evolução dos museus de arte da modernidade.
Como conclusão, Saumarez Smith nos sugere que os museus de arte no mundo contemporâneo estão sendo “atacados” por todos os lados. Disputas políticas, econômicas e tecnológicas se sobressaem a questões de caráter formal, funcional e operativo. Como consequência de um mundo cada vez mais globalizado, a arte está sendo rebaixada a uma mera forma de entretenimento. Para agravar ainda mais a situação delineada por Saumarez Smith, as pessoas parecem cada dia mais conscientes e preocupadas, demandando uma maior transparência na administração das instituições de arte públicas e também privadas, assim como se fala da repatriação de artefatos históricos escamoteados de antigas colônias e o final desmantelamento do próprio cânone daquilo que se entende como arte—uma ameaça às instituições que o autor tanto admira (além de trabalhar para a National Portrait Gallery, ele ocupou cargos importantes na National Gallery e na Royal Gallery de Londres).
Embora bastante irrequieto com a atual situação das instituições de arte, em síntese, ele parece bastante consciente sobre as responsabilidades que devemos assumir para fazer frente aos desafios do futuro. A necessidade de adaptar-se continuamente é algo inerente ao nosso tempo, mas cabe “à nova geração de arquitetos, curadores e diretores [reagir] às novas demandas e desafios da modernidade”, conclui Saumarez Smith. Ainda assim, essa mudança geracional não é algo que acontece da noite para o dia. Projetos de novos museus de arte não caem do céu com muita frequência, e muito menos nas mãos de jovens arquitetos ou de promissores escritórios de arquitetura. Os cargos de poder nestas mesmas instituições, incluindo curadores e diretores, sofrem da mesma malacia. Para enfrentarmos os desafios do presente com o frescor e o entusiasmo que se espera, irrevogavelmente precisaremos de novas perspectivas e de uma maior flexibilidade e abertura às mudanças que tanto se fazem necessárias.
A atual pandemia nos ofereceu um vislumbre bastante trágico sobre o futuro, um futuro no qual os museus—tais e quais os conhecemos hoje—encontram-se desprovidos ou desconectados tanto de sua própria arquitetura quanto de seu conteúdo. As consequentes restrições de acesso e circulação de pessoas obrigaram estas instituições a reorganizarem seus cronogramas, e mais do que isso, a repensar a forma que revelam a sua própria substância. Para muitos, essas inevitáveis mudanças, sem dúvida, terão efeitos duradouros. Entretanto, ainda temos um longo e árduo caminho pela frente; embora muitos museus já tenham começado a reabrir suas portas, as próprias portas já não são as mesmas de outrora. Neste contexto, tudo deve ser reconsiderado, desde o momento que atravessamos a porta de entrada, até o momento que passamos pela catraca para ir embora.
Os Museus de Arte da Modernidade estão repletos de velhas fotografias, projetos obsoletos, e histórias esquecidas. Depois de mais de um ano trancados em casa, sem dúvida estamos todos ansiosos para voltar a visitar nossos museus e instituições de arte. Mas antes disso é preciso limpar a grossa camada de poeira que se assentou com o tempo. Ao longo dos últimos meses, e não apenas, a lamentável falta de apoio às instituições culturais se fez ainda mais evidente—sem falar em como a desigualdade social voltou a atingir níveis históricos que todos pensávamos terem ficado no passado. Como podemos seguir em frente quando tudo a nossa volta parece desmoronar? Em vez de virarmos o rosto tentando evitar encarar de frente os problemas a nossa volta, é preciso que nos mantenhamos firmes na luta. Ainda que venhamos de fato a viver em uma nova normalidade, há coisas que nunca deveríamos deixar de considerar anormais.
Este artigo foi publicado originalmente pelo The Architect's Newspaper.