O Plano de Bairro é um instrumento de planejamento urbano que incentiva a população a pensar em ações para a melhoria do seu bairro. Ele foi instituído na cidade de São Paulo pela lei municipal do Plano Diretor Estratégico com os objetivos de articular as questões locais com as questões estruturais da cidade, levantar as necessidades por equipamentos públicos, sociais e de lazer nos bairros, além de fortalecer a economia local e estimular as oportunidades de trabalho.
Para cumprir esses objetivos, a legislação define alguns requisitos que a elaboração de um Plano de Bairro deve observar como, por exemplo, os tipos de propostas que poderão ser apresentadas e quem deve estar envolvido na construção de um planejamento desse tipo. Desta forma, um Plano de Bairro pode conter propostas para melhorar questões como:
- a infraestrutura de microdrenagem e de iluminação pública;
- os espaços de uso público e as áreas verdes, de lazer e de convivência social;
- as condições do comércio de rua;
- a proteção, recuperação e valorização do patrimônio histórico, cultural, religioso e ambiental;
- a implantação de hortas urbanas, além de outros tipos de propostas que poderão ser apresentadas e que são descritas no art. 351 do PDE 2014.
A inclusão dos Conselhos Participativos Municipais das Subprefeituras no sistema de planejamento municipal é uma inovação. Foram definidas formas de atuação no processo de planejamento com o objetivo de fortalecer a gestão descentralizada, participativa e transparente na escala local. Além disso, foram estabelecidos mecanismos de integração entre o PDE e os instrumentos de Planejamento Orçamentário e com o Programa de Metas.
Nos Planos de Desenvolvimento do Bairro, deverão ser utilizadas metodologias participativas que garantam a colaboração da sociedade em todas as etapas de sua elaboração com a identificação de diferentes demandas urbanas, sociais e ambientais a partir de:
- Pesquisas de campo realizadas junto aos moradores dos bairros;
- Análises de dados secundários produzidos por diferentes órgãos de pesquisa;
- Análises de estudos existentes;
- A utilização de metodologias participativas nas diferentes etapas de elaboração;
- A utilização de abordagens interdisciplinares.
Assim, a Prefeitura deverá coordenar e fomentar a elaboração de Planos de Desenvolvimento do Bairro na cidade, a fim de fortalecer o planejamento e controle social local e para promover melhorias urbanísticas, ambientais, paisagísticas e habitacionais na escala local por meio de ações, investimentos e intervenções previamente programadas.
Jardim Lapenna e sua origem
Caracterizada como uma iniciativa social que busca dar voz ao cidadão no planejamento local, os planos de bairro possibilitam aos moradores participar como voz ativa nas tomadas de decisões referentes ao seu entorno. O objeto de estudo deste artigo dá enfoque ao território do Jardim Lapenna, em São Miguel Paulista um dos bairros mais antigos da cidade de São Paulo, onde foi montado um plano de bairro que integrasse as escolas às forças comunitárias e institucionais da comunidade pautando o desenvolvimento sustentável e a redução das desigualdades sociais tão marcantes da região.
Segundo Batista e Carvalho – Silva (2013), a ocupação do Jardim Lapenna se divide em três momentos e características diferentes. O primeiro, refere-se ao início da ocupação por volta dos anos 50, localizada na parte mais alta do território, próximo ao muro da CPTM, onde hoje está situada a linha férrea e a estação São Miguel Paulista. O segundo momento se deu na região central e leste do bairro, em um loteamento desordenado em meados da década de 1990, na qual ocorreram também os movimentos habitacionais de interesse social e as ações comunitárias dos mutirões. No terceiro momento, entre 2012 a 2019, as ocupações se expandiram para o limite ao norte do bairro sobre o afluente do Rio Tietê, em assentamentos precários, sem saneamento básico, água potável, com casebres fechados em tapumes e restos de materiais de construção.
O bairro é uma composição de três loteamentos: Vila Gabi, Vila Nair e Jardim Lapenna, sendo o último o escolhido para a intervenção no bairro. Durante a pesquisa foram encontrados outros registros de grafia para o nome do bairro: Jardim Lapenna, Jardim Lapena e Vila Lapena.
Nos primeiros anos do bairro, década de 1960, começava a se organizar o Fórum de Moradores do Lapenna, Vila Nova e Jardim Nair (bairros vizinhos), que reivindicavam equipamentos públicos no território de Várzea do Tietê. Do desmembramento desse Fórum, surgiu o grupo específico do Lapenna, assim como, ao longo do tempo, nasceram diversas associações focadas em melhorias para o bairro. Hoje em dia, todas elas estão juntas para construir o Plano Participativo do Lapenna. Seu Tarcísio tem 67 anos e mora no Lapenna desde a década de 90 onde criou seus quatro filhos e ajudou a fundar a Associação Amigos do Lapenna, que desenvolveu projetos ambientais para tornar possível a coleta de lixo no bairro.
Dos 96 distritos da cidade de São Paulo, apenas 2 tiveram um plano de bairro, a primeira experiência sendo realizada em Perus desenvolvido pela Urbe Planejamento Urbanismo e Arquitetura SS Ltda e professor Candido Malta no ano de 2008, e o segundo trecho sendo o Jardim Lapenna no distrito de São Miguel Paulista, em 2017.
São Miguel conta com moradores orgulhosos de seu lugar e da história que ali construíram. O jeito de cidade de interior, o centro comercial onde se pode encontrar de tudo, a relação com os vizinhos em um lugar onde todos se conhecem, considerado o distrito mais antigo da cidade de São Paulo teve sua construção em 1560 pelo Padre José de Anchieta, e com a chegada da Companhia Nitroquímica e da rodovia São Paulo-Rio influenciaram no desenvolvimento local e êxodo rural, com a chegada de diversos trabalhadores nordestinos, já em 1949 havia uma população de 7.634 habitantes.
Uma pesquisa realizada pelo Movimento Nossa São Paulo, em 2009, mostra que 14,86% dos domicílios não têm ligação de esgoto; além do índice de 21,48% de jovens desempregados na faixa etária de 16 a 29 anos. A área cultural e esportiva também tem muitas lacunas – não há salas de cinema e teatro e existem poucos centros esportivos. Daí surgiu a necessidade do envolvimento da população local para modificar o seu entorno através de um plano de bairro.
Plano de bairro no Lapenna
Hoje o bairro conta com uma Unidade Básica de Saúde (UBS), uma escola de ensino fundamental e médio, duas creches, o Centro da Criança e do Adolescente, e a saída da estação de trem de São Miguel conectada ao bairro, esses aparatos públicos são todos frutos da mobilização social. Esse processo começou em 2005 com o Fórum de Moradores, que fortaleceu os vínculos da Fundação Tide Setúbal com a comunidade e entre seus moradores e conquistou equipamentos públicos fundamentais para o território.
O diagnóstico levantado pela Fundação Getúlio Vargas, com a coordenação do economista e pesquisador Ciro Bidermam (2017), em cooperação com a Fundação Tide Setubal, mostra que o Lapenna mudou bastante em 2013, quando mais de 8 mil pessoas ocuparam áreas da várzea do rio, classificadas como área de alto risco e de proteção ambiental. Nessa época, a população multiplicou de 3.500 pessoas para 12 mil. Mais da metade (53,5%) está em situação de alta vulnerabilidade. Ao todo, a população do Lapenna tem renda de média a baixa e vulnerável. Portanto, apesar das conquistas, surgem muitas demandas infraestruturais.
A ideia de construir um plano de bairro participativo veio em 2016, com a mobilização de instituições locais, moradores antigos e integrantes da Fundação Tide Setubal. Ali, perceberam que, mais uma vez, a união faria a diferença para o bairro poder crescer. Desde então, somou-se a ajuda da Fundação Getúlio Vargas para criar a metodologia de trabalho.
O projeto foi o primeiro Plano de Bairro Participativo da Várzea do Rio Tietê, onde propôs solucionar desafios do território com base em uma gestão urbana participativa, com as principais demandas locais.
O primeiro passo foi a realização de um diagnóstico inicial, no qual os pesquisadores da FGV analisaram indicadores e informações oficiais da região, e ouviram membros da comunidade local e representantes de organizações do Lapenna para traçar um panorama realista dos desafios. Para isso, foi fundamental o apoio das agentes de saúde do Programa Saúde da Família (PSF), que ajudaram os pesquisadores no mapeamento da região e co-criaram estratégias para que todos participem do Plano de Bairro. Na sequência, foi composto o Colegiado, com representantes de diversas instituições locais e do poder público.
O plano traz 48 ações para transformar o bairro, organizadas em 14 propostas e 4 grandes desafios. O primeiro desafio, visto como uma condição estrutural para a transformação do Jardim Lapenna, trata do fortalecimento da organização comunitária, que passa pela institucionalização do Colegiado de instituições e moradores( grupo que nasceu e tem se consolidado imbricado com a construção do Plano) e pela organização de um acompanhamento permanente para o monitoramento da implementação. As ações para promover qualidade ambiental ganham destaque no segundo desafio, com propostas relacionadas à microdrenagem, instalação de pontos para coleta e reciclagem de resíduos sólidos e criação de hortas comunitárias.
Outro aspecto central que surgiu no desenvolvimento das propostas está vinculado às ações que permitem melhorar a microacessibilidade, como o compartilhamento das vias e medidas moderadoras de tráfego para melhorar a segurança de todos. Finalmente, as ações relacionadas com infraestrutura ( saneamento básico) e qualificação dos equipamentos públicos existentes completam as propostas.
As propostas foram levadas à câmara municipal, onde o colegiado de moradores do Jardim Lapenna e entorno definiram quatro ações prioritárias (das 48 formuladas neste período) a serem incluídas no Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA), sendo elas: projetos de drenagem na região e a implantação do Ecoponto.
Com o contexto da escassez de recursos e a preocupação com a viabilidade do Plano, se tomou como prioridade os ciclos de implementação em três períodos: 2018 – 2021 (tempo 1); 2022 – 2025 (tempo 2); 2026 -2029 (tempo 3) que coincidem com a elaboração dos planos plurianuais.
Ainda mais recentemente, produziu intervenções que vão ao encontro das propostas construídas ao longo do processo participativo do Plano de Bairro: os mutirões para a reforma e transformação das praças do galpão e da Escola Pedro Moreira, onde durante dois finais de semana, moradores do Lapenna se engajaram para limpar e construir nessas áreas móveis que tornassem mais bonitas e atrativas para o uso cotidiano dos seus moradores. Os resultados foram imediatos: as praças passaram a ser intensamente ocupadas, sobretudo por crianças.
Outras iniciativas foram inauguradas em 2020, e que fazem parte do plano de bairro, o projeto de drenagem da travessa Roland Berigan que teve início no final de dezembro de 2019 e está em fase de conclusão, sendo uma das ações prioritárias e conquistas recentes da comunidade, e a instalação do Ecoponto Jardim Lapenna, debaixo do viaduto Jacu-Pêssego, área esta que sofria constantemente com o descarte irregular.
Considerações Finais
O Plano de Bairro do Jardim Lapenna tem construído e reconhecido uma rota que aborda um novo horizonte de futuro de transcender períodos de governo que enquanto não forem atingidos ou estiver vigente como desafios, o plano conserva sua validez. O caminho que promova também novos exercícios participativos que revisem, priorizem e compartilhem escolhas, incorpore novos anseios e novas organizações, mas que conservem o sentido coletivo e compactuado.
De acordo com o relato de Ciro Biderman (CEPESP/FGV, 2018), o trabalho realizado durante 2017 forneceu uma base de evidências sobre como implementar o instrumento do Plano de Bairro Participativo e confirmou a expectativa de sua validade. As microdemandas da sociedade podem promover uma mudança mais significativa no bem-estar do cidadão do que grandes intervenções.
O Plano de Bairro Participativo se enquadra no conjunto de políticas de alto impacto e baixo custo. Além disso, é uma política que tem seu impacto maximizado na periferia. Ainda de acordo com depoimento de Biderman (2018), o Plano de Bairro, se adequadamente implementado, representa uma oportunidade para a justiça territorial, abrindo um espaço relevante para as áreas menos atendidas da cidade; e, se realizado de forma efetivamente participativa, assegura que indivíduos com demandas consistentes, mas sem acesso a um líder comunitário, possam ser ouvidos.
Esses processos contribuíram para fortalecer as relações entre moradores e entidades dos bairros, movimentos e universidade; conscientizar suas populações sobre a importância de entender o direito à cidade na sua dimensão coletiva e não individual; e produzir novas subjetividades insurgentes com novos instrumentos, estratégias, práticas e formas de pensar e produzir a cidade, permitindo uma (re)apropriação do espaço urbano pelos citadinos de forma mais concreta, cotidiana e autônoma.
Bibliografia
FUNDAÇÃO TIDE SETÚBAL. Territórios de Direitos : um guia para construir um Plano de Bairro com base na experiência do Jardim Lapena. São Paulo: Fundação Tide Setúbal, 2019.
FUNDAÇÃO TIDE SETÚBAL.Plano de Bairro Território Lapenna. São Paulo: Fundação Tide Setúbal, 2017.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 7 ed. São Paulo: Edusp, 2007.
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar A Cidade - Uma Introdução Crítica Ao Planejamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
LARA, F., & KOURY, A. P. (Ed.) (2016). Planejamento versus Participação: um falso dilema. Austin- Belo Horizonte: Nhámerica Press.
BUENO, L. M. M., & CYMBALISTA, R. (2007). Planos Diretores: novos conceitos de planejamento territorial. São Paulo: Annablume.
Este ensaio é proveniente de monografia apresentada para o curso de pós-graduação lato sensu Habitação e Cidade da Associação Escola da Cidade – São Paulo.